Cada vez mais frequentes, os eventos extremos, como os temporais que afetam o Rio Grande do Sul ou a onda de calor registrada no Espírito Santo neste ano, são reflexos das mudanças climáticas, já sinalizaram cientistas. As fortes chuvas também atingiram o Sul capixaba no mês passado, deixando um rastro de mortes e destruição em Mimoso do Sul e outras 12 cidades em emergência.
Há uma comoção diante das tragédias, mas e o que tem sido feito tanto para prevenir quanto para mitigar os efeitos dessas transformações ambientais?
Apenas neste ano, a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil do Espírito Santo (Cepdec-ES) já registrou 47 desastres naturais, entre os quais enxurradas e alagamentos, com 23 mortes e cinco pessoas desaparecidas. Isso em um cenário em que, conforme aponta levantamento preliminar da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a maioria das cidades brasileiras não está preparada para lidar com eventos extremos.
O pesquisador Wesley Correa, do Instituto de Estudos Climáticos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), faz um recorte histórico, pontuando vários episódios, desde as fortes chuvas do final de 2013 no Estado até os mais recentes temporais no Sul capixaba, entrecortados por períodos de intenso calor e seca, e analisa o que se passou ao longo dessa última década e as projeções.
"As chuvas se tornaram muito mais irregulares. Os estudos, tanto aqui quanto no país, apontam que as chuvas tendem a diminuir e as temperaturas a aumentar. E quando as chuvas vierem fortes, em vez de o volume ser no intervalo de um mês, serão em um dia e as ondas de calor vão ser mais comuns."
Essa instabilidade do clima está diretamente relacionada ao aquecimento global, isto é, ao aumento da temperatura da Terra. Diante desse cenário, Magno Castelo Branco, doutor em Ecologia e Recursos Naturais e professor da pós-graduação do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie, traz outro alerta sobre o fenômeno, também chamado de emergência climática.
"Uma das principais consequências é a perda da previsibilidade dos ciclos climáticos ao qual estávamos acostumados e que, inclusive, toda nossa agricultura é baseada. Está deixando de ser previsível e, ainda, há um aumento da frequência e da intensidade desses eventos climáticos extremos. Onde não chovia, agora tem enchente; em alguns casos, intensificação de eventos que já aconteciam e, em outros, algo que não acontecia", constata Castelo Branco.
O aquecimento global, que a curto prazo acelera as mudanças climáticas, não surgiu do dia para a noite. Esse aumento da temperatura é resultado da emissão de gases para a atmosfera, sobretudo dióxido de carbono (gás carbônico - CO²), num processo desencadeado com a revolução industrial, no final do século XVIII. O uso intensivo de combustíveis fósseis (derivados do petróleo), somado às ações desenfreadas de desmatamento e queimadas, coloca o planeta em estado de alerta.
"Assim, processos que deveriam ser naturais acabam sendo descontrolados por ação do ser humano, e o clima fica bagunçado. Locais que deveriam chover, ora estão secos ora frios. Onde antes era quente, ficou mais frio", pontua Wesley Correa.
Essa situação tem sido observada e é pauta de debates desde a década de 1970. Mas, segundo o pesquisador, foi no final dos anos 1980 que a mudança climática começou a ser mais estudada, e os cientistas passaram a advertir sobre os riscos.
Passados 40 anos e com emissão de gases contínua, reforça Wesley Correa, os eventos extremos de chuvas se tornaram mais comuns, provocando alagamentos, enxurradas e, na ponta dessa tragédia, morte e destruição.
Wesley Correa observa, no entanto, que o problema não é a chuva, mas a falta de planejamento das cidades, sobretudo em relação à ocupação do solo, com imóveis construídos em terrenos alagados e próximo a encostas. O pesquisador ressalta que a população que reside nesses locais muitas vezes não tem escolha e se instala em áreas de risco pelas condições econômicas. "A maioria dos Planos Diretores não leva em consideração o clima como fator para ocupação."
Para Castelo Branco, mesmo com a falta de previsibilidade dos ciclos climáticos, muitos dos episódios registrados no país não podem ser tratados como inesperados. "É uma tragédia anunciada porque a comunidade científica alerta os tomadores de decisão há muito tempo."
O professor sustenta que um dos caminhos é investir, cada vez mais, em fontes renováveis de energia e diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. Iniciativas nessa área têm que ser constantes para que a emissão de gases passe a uma tendência de queda. Hoje, segundo Castelo Branco, não se conseguiu nem mesmo estacionar o nível de lançamento de poluentes na atmosfera.
Além disso, as cidades precisam se adaptar ao que está por vir, com planos que façam um mapeamento de áreas com risco de inundação, de ondas de calor, de deslizamento e o documento, frisa Castelo Branco, tem que gerar políticas públicas para mitigar os impactos dessas mudanças climáticas.
Outra linha de ação, que se desdobra em duas, é em nível federal. O professor destaca que o Brasil tem um papel de interlocutor internacional, agora que voltou a ser protagonista nas relações exteriores, nas discussões sobre as mudanças climáticas para que a adoção sistemática de fontes renováveis de energia, por exemplo, esteja nos planos de outros países. E, domesticamente, precisa conter os desmatamentos e queimadas em biomas como a Amazônia e o Cerrado.
"Mas, em todo lugar, os tomadores de decisão precisam entender, de maneira definitiva, que o custo da prevenção é infinitamente menor que a remediação. E Porto Alegre é um exemplo claro. Quanto custaria ter prevenido? Sem esquecer das vidas perdidas, que é uma tragédia, tem-se que colocar na balança o que poderia ter sido feito e quanto vai ter que gastar para remediar."
O pesquisador Wesley Correa completa: "Há várias tecnologias que podem ser usadas na mitigação. Lá em Porto Alegre havia diques, mas o sistema falhou por falta de manutenção. Então, do que adianta ter a ferramenta, se não dou atenção às ações relacionadas ao clima? Muitos gestores veem como gasto, e não como prevenção." Nas estratégias de prevenção, ele também defende iniciativas que prevejam o reflorestamento, particularmente nas proximidades de rios.
No Espírito Santo, há iniciativas que buscam contornar a situação. O governo do Estado, por exemplo, aporta recursos para apoiar projetos dos municípios nessa área. Criado em 2013, na primeira gestão de Renato Casagrande, o Fundo Cidades, no ano passado, ganhou um novo foco: ações para adaptação de municípios às mudanças climáticas, por orientação do próprio governador.
"O objetivo é apoiar os municípios, tornando-os mais resilientes às mudanças climáticas nesse 'novo normal' que estamos vivendo", ressalta Maria Emanuela Alves Pedroso, secretária de Governo, pasta à qual está ligado o fundo.
No momento, há 76 obras autorizadas ou já em execução, contemplando 29 cidades, em um investimento de mais de R$ 293 milhões. Há, ainda, outros 161 projetos em andamento em 52 municípios. As prefeituras recebem os recursos e são responsáveis pela execução dos projetos e das obras. Do total de investimentos do governo entre 2019 e 2024, 13,77% foram aplicados em intervenções ligadas às mudanças climáticas, incluindo os recursos do Fundo Cidades.
Maria Emanuela observa que os projetos desenvolvidos são aqueles que as administrações municipais sinalizam como prioritários e a autorização é concedida, para liberação dos recursos, após a análise de uma comissão composta, entre outros órgãos, por representantes do Cepdec, Corpo de Bombeiros e Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama). A equipe segue os seguintes critérios para autorizar as obras:
Há projetos que, segundo Maria Emanuela, foram desenvolvidos após mapeamento de áreas de risco ou estavam em plano de contingenciamento municipal. "As contenções de encosta, por exemplo, são obras importantes porque protegem famílias e patrimônios", sustenta.
Outras evitam alagamentos ou minimizam os efeitos das fortes chuvas, frisa Maria Emanuela, como a obra da bacia de contenção de enxurradas e sedimentos, em São José do Calçado, no Sul do Espírito Santo. O município, na mesma região das 13 cidades em que foi decretada situação emergencial, não sofreu as mesmas consequências em virtude das intervenções.
Com previsão de investir R$ 1 bilhão pelo Fundo Cidades até 2026, os projetos relacionados às mudanças climáticas podem ou não ter contrapartida das prefeituras.
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