Há 20 anos, a Volkswagen lançava no Brasil o Gol Total Flex 1.6, primeiro modelo a ter um motor flex fuel. Isso significava que, a partir daquele momento, era possível escolher usar etanol ou gasolina, de forma alternada ou simultânea, no carro.
Até então, era preciso comprar um carro movido a gasolina ou um a álcool, e a sorte estava lançada para os reajustes de preços em cada combustível. Com essa novidade, os motoristas poderiam abastecer com o que ficava mais em conta do momento ou até rodar com ambos juntos.
Em março de 2003, a VW deu o pontapé inicial para oficializar a transição dos veículos a combustão para automóveis que propiciavam uma mobilidade urbana mais limpa e sem abrir mão do desempenho. Por conta da competitividade que essa tecnologia ganhou, as outras montadoras seguiram a mesma tendência. Hoje, a tecnologia está presente, em praticamente todos os modelos produzidos no Brasil.
Entretanto, duas décadas depois, muitas pessoas continuam sem entender como essa tecnologia funciona e por que ainda continua em alta no mercado.
Um motor flex é capaz de funcionar à base de combustíveis diferentes. No entanto, indo contra o senso comum, o técnico em injeção eletrônica, Henriques Caldas, explica como esse mecanismo se comporta. “O motor flex está preparado para trabalhar com álcool, mas possui uma flexibilização eletrônica para aceitar a gasolina, ao contrário do que muita gente acredita”, aponta.
Para o especialista, por conta dessa confusão, até mesmo os profissionais automotivos ainda não estão 100% preparados para fazer a manutenção nesses motores. “Embora o carro com motor flex tenha a mesma composição do que o tradicional, ele possui um software específico para funcionar com essa modalidade, e isso pode ser um impedimento para alguns mecânicos que trabalham com o flex como se ele fosse originalmente a gasolina”, observa.
Portanto, o motor é flexível (daí o nome) para queimar tanto a gasolina quanto o etanol. No escapamento, um componente chamado sonda lambda reconhece qual é o combustível utilizado e "informa" a central eletrônica do carro, que ajusta o motor para que ele desenvolva o desempenho ideal para aquele tipo de abastecimento presente no tanque.
No início, os carros flex tinham tanquinho de partida a frio. Em 2009, esse item começou a ser abolido, com a entrada de tecnologias de pré-aquecimento do motor. A evolução incluiu um melhor aproveitamento calorífico de ambos os combustíveis e a introdução de tecnologias como o turbo e injeção direta em motores compactos e até a adaptação do flex a veículos híbridos.
Caldas avalia que, apesar de sua popularidade, o motor flex ainda é incompreendido, já que o seu funcionamento técnico não é de amplo conhecimento. “Esses tipos de automóveis recebem álcool, gasolina e até os dois juntos, mas é preciso andá-lo por 15 minutos para que ele ‘entenda’ qual tipo de combustível ele recebeu”, destaca.
Já quem ainda tem um carro com o tanquinho de partida a frio, o automóvel pode ter dificuldades em funcionar caso o motorista tenha completado o tanque com etanol em baixas temperaturas e esqueceu de colocar a gasolina no compartimento. Isso, porque o veículo começa a rodar com o restante do combustível antigo, que já estava no sistema, pois ainda não teve tempo suficiente para diferenciar a gasolina do etanol.
A invenção da tecnologia foi dos norte-americanos, mas a viabilização comercial só ocorreu após o trabalho da engenharia brasileira, que criou um modelo matemático de pós-combustão que eliminou uma série de sensores, barateou a tecnologia e permitiu a produção em larga escala.
Contudo, os motores flex já eram estudados e desenvolvidos havia quase 10 anos. A base eram os propulsores dos carros a álcool, que já tinham peças adequadas. O problema era: como o sistema iria entender qual mistura estava sendo queimada a cada momento?
Daí surgiu a sonda lambda nos carros bicombustíveis, que consegue prever qual é o conteúdo de etanol que está sendo queimado naquele momento.
Depois de uma resistência inicial, o flex teve tanta aceitação entre os consumidores brasileiros que se tornou o “queridinho” em toda a produção nacional. Em fevereiro deste ano, o país atingiu a marca de 40 milhões de automóveis flex produzidos e comercializados no país. É o que aponta a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Hoje, eles representam 85% da frota de veículos leves circulante em território nacional.
“A evolução tecnológica do motor flex em 20 anos foi muito rápida, em função da concorrência entre marcas e as demandas regulatórias por melhor eficiência energética e redução das emissões”, explica o diretor técnico da Anfavea, Henry Joseph Jr. De acordo com a associação, o sucesso foi tanto que, em apenas cinco anos, os flex já tinham superado a marca de mais de 90% das vendas totais de automóveis por ano ano, patamar em que permanecem há 15 anos.
A evolução do próprio etanol pode proporcionar um novo salto na qualidade dos veículos flex. Mesmo com apenas 30% de uso médio de combustível, ele tem o impacto de redução de emissão de CO2 equivalente a se tivéssemos 8 milhões de carros elétricos rodando. Se o patamar de 92% da frota nacional rodasse com a álcool, a Anfavea prevê que esse efeito triplicaria.
“Os próximos 20 anos do flex são muito promissores no sentido de propiciar mais eficiência, redução de emissões e uma importante ferramenta de transição para uma frota mais eletrificada”, finaliza o representante da associação.
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