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Viagem longa de carro elétrico é possível, mas exige sorte e paciência

Viagem longa de carro elétrico é possível, mas exige sorte e paciência

Carros elétricos compactos de baixa autonomia e pouca potência são eficientes no uso urbano, mas podem deixar o motorista na estrada se a distância entre um eletroposto e outro for longa.

Publicado em 5 de fevereiro de 2024 às 15:21- Atualizado há 10 meses

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Uma viagem bate e volta entre São Paulo e Rio seria o cenário ideal para colocar um carro 100% elétrico na estrada. A oportunidade surgiu no feriado do Natal, período de grande movimento nas estradas. A experiência adquirida no teste Folha-Mauá mostrou que o ideal seria conseguir um carro com, pelo menos, 400 km de autonomia. A Ford tinha um disponível: o recém-lançado Mustang Mach E (R$ 486 mil).

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É preciso estar atento à autonomia do veículo. (Shutterstock)

Eis o primeiro aprendizado: carros elétricos compactos de baixa autonomia e pouca potência são eficientes no uso urbano, mas podem deixar o motorista na estrada se a distância entre um eletroposto e outro for longa. Há ainda o risco de o equipamento estar inoperante, como relatam diversos motoristas no aplicativo PlugShare, que exibe mapas com eletropostos em diferentes regiões e permite a interação entre os usuários.

A viagem começou na manhã de sábado, com saída às 9h do Brooklin Novo (zona sul de São Paulo). O painel digital do Mustang marcava 83% de carga da bateria e autonomia estimada em pouco mais de 300 quilômetros. O objetivo era rodar sempre no limite permitido em cada trecho. Na rodovia Presidente Dutra, por exemplo, a velocidade máxima chega a 110 km/h.

Em meio ao trânsito e às baixas velocidades permitidas em áreas urbanas da capital, a autonomia caía lentamente. Por aproveitar a energia despendida nas freadas, carros elétricos se dão bem em engarrafamentos. O plano inicial era dirigir por 169 km até o posto Arco Íris, em Roseira (interior de São Paulo), e fazer a primeira recarga em um ponto instalado pela Vibra Energia.

Carregador vira vaga

Entretanto, o navegador indicou que o melhor caminho naquele momento seria pela rodovia Carvalho Pinto, onde havia um carregador rápido da mesma empresa, que tem o contrato de licenciamento da marca Petrobras. Os plugues ficam na cidade paulista de São José dos Campos. 

Contudo, havia um Chevrolet Tracker (que é flex, não elétrico) ocupando as duas vagas dos carregadores tipo CCS, que tem maior potência (em geral, entre 43 kW e 150 kW). Havia um casal no carro. Ao ser avisada de que se tratava de um ponto exclusivo para carros eletrificados, a mulher afirmou estar grávida. Em seguida, disse que o marido só estacionou ali por se tratar de uma emergência: era preciso dar água para o cachorro que viajava com eles.

O Tracker desocupou a vaga e a recarga foi iniciada. Antes, contudo, foi preciso baixar o aplicativo da empresa Easy Volt (que gerencia o pagamento), fazer o cadastro e registrar o cartão de crédito. É uma tendência: após um período de cortesia, os eletropostos começam a cobrar pela energia. Mas ainda há pontos gratuitos, como os destacados em quatro roteiros de viagem a partir de São Paulo.

Em 18 minutos, chegou-se a 80% da carga. Foram 21,6 kWh a um custo de R$ 55. Nesse tempo, um BMW 330e, híbrido plug-in (pode ser carregado na tomada), estacionou ao lado, no espaço com tomada tipo 2, de carga lenta (entre 7 kW e 22 kW). O proprietário tentou acessar o aplicativo, mas não conseguiu. Após reclamar da burocracia, seguiu viagem usando apenas gasolina.

Dificuldade com aplicativos

A dificuldade em acessar os aplicativos que desbloqueiam os carregadores está entre as principais reclamações do app PlugShare. Falhas de operação também são relatadas.

"Fiquem atentos, porque, às vezes, o carregador desliga e é necessário recomeçar", escreveu o dono de um Volvo XC40 que usou o eletroposto da Vibra Energia no dia 23. Na mesma data, o motorista de um Chery Tiggo 8 Hybrid reclamou do preço. "R$ 2,50/kW, muito caro."

O valor é o mesmo cobrado na unidade do posto Arco Íris Roseira, que oferece uma vantagem: as duas vagas de recarga (lenta e rápida) são cobertas. Isso faz diferença principalmente se estiver chovendo, como ocorreu em Piraí (RJ), no Mamão Restaurante. 

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A dificuldade em acessar os aplicativos que desbloqueiam os carregadores está entre as principais reclamações. (Shutterstock)

Foi uma parada rápida: os 10 minutos necessários para conseguir acionar o carregador foram equivalentes ao tempo plugado. O sistema estava fora do ar, sendo necessário pedir auxílio a um frentista do posto Ipiranga ao lado.

O atendente desbloqueou o equipamento com um cartão próprio - nesse caso, não houve cobrança. Caso estivesse conectado à internet, o aparelho seria desbloqueado por meio do aplicativo WeCharge. O kWh custa R$ 1,90. Nem todos os eletropostos que usam aplicativos oferecem a possibilidade de desbloqueio off-line.

"O sistema estava inoperante. O telefone para auxiliar não atendeu. Ninguém do posto entendia como funcionava. Em suma, um caos", disse, em outubro, o dono de um BYD Yuan Plus que tentou usar o carregador da WeCharge no Posto Nacional - que também fica em Piraí, mas no sentido São Paulo. Essa foi a primeira parada na viagem de volta, na segunda-feira (25).

Autonomia

Após passar a véspera de Natal na garagem, o Mach-E tinha 35% de carga e autonomia para rodar 147 km. Esse número foi atingido após algumas horas plugado em uma tomada residencial de 220V, já que o Mustang veio com um carregador portátil com conector de três pinos (20 amperes).

Isso só foi possível por se estar em uma casa na zona oeste do Rio. Se a hospedagem fosse em um prédio, seria difícil conseguir autorização ou mesmo um conector adequado.

Instalada ao lado da piscina, a tomada disponível é destinada aos refletores do quintal. Por isso, só foi possível manter o carro conectado enquanto havia luz solar. Em oito horas, foram recuperados 27,2 kW. Nesse ritmo, seriam necessárias 27 horas para que a bateria de 91 kWh fosse do zero até a carga completa.

Esse tipo de recarga exige atenção às especificações do carregador portátil. Não é possível usar adaptadores, pois há risco de aquecimento. Se detectar algum problema na rede, o sistema é desligado automaticamente.

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Paradas para carregar o carro precisaram ser planejadas. (Shutterstock)

O Posto Nacional estava a 63 km de distância, mas havia um obstáculo pela frente: a subida da Serra das Araras, entre os municípios de Paracambi e Piraí, no Rio de Janeiro. Não faltou potência ao Mustang para vencer o longo aclive, mas ver a autonomia cair rapidamente nessa condição gerou palpitações.

Mas como tudo que sobe tem que descer, o Mach E foi recuperando um pouco da carga nas frenagens que vieram a seguir, chegando ao eletroposto com autonomia para mais 72 km. Mas havia um BYD Seal plugado no carregador rápido. A boa notícia era que o sistema estava funcionando normalmente, porém seria necessário esperar. Com o crescimento da frota, andar de carro 100% elétrico no Brasil exige boas doses de sorte e paciência.

Felizmente havia dois carregadores tipo 2 (lentos) instalados sob um telhado de placas solares. O Mustang ficou conectado ali por uma hora, até que o dono do BYD seguiu viagem. A carga do Mach E foi complementada no plugue rápido. Foram 31,18 kWh em cerca de quarenta minutos ao custo de R$ 61,24, que inclui a taxa de serviço de R$ 2.

No caso do Mustang, foram 100 kW no início do abastecimento, número que caiu para 80 kW na parte final. É normal que isso ocorra, para evitar sobrecarga e danos à bateria. Quando se aproxima dos 100% da capacidade de armazenamento, o ritmo já é o mesmo dos carregadores lentos.

Em 30 minutos, foram 45,96 kWh recarregados ao custo de R$ 115,91. Energia suficiente para rodar 200 km –que somados ao que ainda havia de energia dava para chegar em casa com folga.

Após quase duas horas de parada, havia energia suficiente para chegar até o posto Arco Íris Roseira, cujo carregador rápido oferece até 150 kW de potência, que pode variar de acordo com o carro.

Última parada

Nesse último trecho, de 160 km, a ansiedade foi embora. O medo de encontrar plugues ocupados ou inoperantes havia ido embora, e só então foi possível curtir o carro. Ainda houve uma última parada no Shopping Morumbi (zona sul de São Paulo), onde o carro foi conectado em um carregador lento (gratuito) que fica na garagem.

O Mustang Mach E é um SUV de alto desempenho, mas que roda com conforto na estrada. Silencioso como todo carro elétrico, oferece bom espaço e uma tela gigante instalada na vertical. Todas as informações do carro estão concentradas ali.

E sim, é estranho ver o cavalinho que simboliza a marca colocado na dianteira de um utilitário esportivo - mais ainda sem o barulho do motor 5.0 V8 a gasolina do cupê Mach (R$ 576,5 mil). São os novos tempos.

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