O ataque sem precedentes do grupo militante palestino Hamas contra Israel no último sábado (7/10) foi lançado a partir de um dos territórios mais densamente povoados e empobrecidos de todo o mundo.
Foi na Faixa de Gaza que começou uma longa série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que determinaram a história recente da região.
Há décadas que existe tensão entre Israel e o Hamas, que passou a controlar a Faixa de Gaza em 2007. Mas o ataque do grupo militante em 7 de outubro pegou a todos de surpresa.
O Hamas disparou milhares de foguetes contra Israel, enquanto dezenas de combatentes atravessaram a fronteira e invadiram comunidades israelitas. Centenas de pessoas foram mortas e outras foram capturadas.
Israel respondeu com ataques em massa contra a Faixa de Gaza.
O episódio foi descrito como o mais sério ataque fronteiriço enfrentado por Israel em mais de uma geração — e a mais ambiciosa operação do Hamas a partir de Gaza.
Mas qual é a história daquele lugar, que as organizações de direitos humanos e os próprios palestinos qualificam como a "maior prisão ao ar livre do mundo"?
Em setembro de 1992, o então primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin (1922-1995) comentou para uma delegação americana: "gostaria que Gaza afundasse no mar, mas isso não vai acontecer, de forma que é preciso encontrar uma solução".
Rabin foi assassinado por um judeu extremista em 1995. E, mais de 30 anos depois daquela declaração, ninguém conseguiu encontrar uma solução para a região.
A Faixa de Gaza é um território com 41 km de comprimento por 10 km de largura. Ela fica entre Israel, o Egito e o mar Mediterrâneo.
Ali, moram cerca de 2,3 milhões de pessoas — uma das maiores densidades populacionais do mundo. E o território enfrenta um longo histórico de cercos e ocupações, que começaram 4 mil anos atrás.
Gaza foi governada, destruída e repovoada por diversas dinastias, povos e impérios, desde os antigos egípcios — centenas de anos antes de Cristo — até o século 16, quando caiu nas mãos do Império Otomano.
Nesse período, a região foi conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general muçulmano Amr ibn al-As. Com isso, a Faixa de Gaza mudou várias vezes sua fé religiosa e alternou períodos de prosperidade e declínio ao longo dos séculos.
Gaza fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.
Durante a Primeira Guerra Mundial, turcos e britânicos chegaram a um acordo sobre o futuro da Faixa de Gaza e da maioria dos territórios árabes na Ásia que pertenciam ao Império Otomano.
Mas, durante a Conferência de Paz de Paris de 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do prometido reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem repartir e controlar toda a região.
Foi assim que a Faixa de Gaza passou a fazer parte do Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e que se estendeu de 1920 a 1948.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém-criada Organização das Nações Unidas.
Em 1947, a ONU aprovou a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza).
A resolução entrou em vigor em maio de 1948, pondo fim ao Mandato Britânico da Palestina e criando o Estado de Israel.
Os enfrentamentos entre as partes envolvidas começaram quase imediatamente, desembocando na guerra árabe-israelense de 1948. Com o conflito, centenas de milhares de refugiados palestinos se deslocaram e acabaram se assentando na Faixa de Gaza.
Depois do armistício, Gaza foi ocupada e administrada pelo Egito até a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – um conflito entre Israel e uma coalizão árabe formada pela Jordânia, Iraque e pela antiga República Árabe Unida, que reunia o Egito e a Síria.
Israel venceu o conflito e, desde então, ocupa a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de violentos combates que chegaram até os dias de hoje.
A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses ocorreu na Faixa de Gaza, em 1987. No mesmo ano, foi criado o grupo militante islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente aos outros territórios ocupados.
Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada.
Após uma segunda intifada, muito mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza em 2005.
Um ano depois, o Hamas venceu de forma clara as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo presidente da ANP, Mahmoud Abbas.
O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos.
O Hamas jurou destruir Israel e substituir o país por um Estado islâmico. E, nos últimos anos, o grupo realizou ataques mortais, lançando milhares de foguetes sobre o território israelense.
O Hamas – o grupo como um todo ou, em alguns casos, sua ala militar – é considerado um grupo terrorista por Israel, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pelo Reino Unido, entre outras potências. O grupo conta com o apoio do Irã, que fornece financiamento, armas e treinamento.
Após a chegada do Hamas ao poder, Israel e Egito impuseram um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo sobre a Faixa de Gaza. E, apesar dos pedidos das Nações Unidas e dos grupos de direitos humanos, Israel mantém o bloqueio desde 2007.
Este bloqueio causou efeitos devastadores para os civis palestinos, que enfrentam severas restrições de movimentação.
Israel proíbe os palestinos de entrar ou sair da região, "exceto em casos extremamente raros, que incluem condições médicas urgentes que representem risco de vida e uma lista muito restrita de comerciantes", segundo o grupo israelense de direitos humanos B'Tselem.
A organização Human Rights Watch comparou as condições da Faixa de Gaza com "uma prisão ao ar livre", devido às restrições de movimentação impostas por Israel aos palestinos da região.
O bloqueio permite o controle das fronteiras de Gaza e também é exercido pelo Egito. Israel afirma que é uma ação necessária para proteger os cidadãos israelenses contra o Hamas.
Mas o Comitê Internacional da Cruz Vermelha considera o bloqueio ilegal, afirmando que ele infringe as Convenções de Genebra. As autoridades israelenses negam a acusação.
A ONU, diversos grupos de direitos humanos e juristas afirmam que o bloqueio faz com que Gaza permaneça sob ocupação militar por parte de Israel.
Para tentar vencer o bloqueio, o Hamas construiu uma rede de túneis para introduzir mercadorias e armamento na Faixa de Gaza. Os túneis também servem de centro de comando subterrâneo.
Israel considera que esses túneis são uma ameaça. Eles são alvos frequentes de ataques aéreos.
O bloqueio de Israel sobre a Faixa de Gaza já dura 16 anos. Limitando as importações e quase todas as exportações da região, ele levou a economia do território à beira do colapso.
A taxa de desemprego da Faixa de Gaza é de mais de 40%, segundo o Banco Mundial. E a ONU afirma que mais de 65% da população vive abaixo da linha da pobreza.
O Programa Mundial de Alimentos calcula que 63% da população da Faixa de Gaza vive em "insegurança alimentar".
A metade dos palestinos que vivem em Gaza tem menos de 19 anos de idade. Eles têm pouca ou nenhuma perspectiva de crescimento socioeconômico e seu acesso ao mundo exterior é limitado.
Existe também pouco apoio para uma geração de crianças que "vive sob os efeitos psicológicos de longo prazo da constante exposição à violência", segundo um relatório da ONU, que descreve o aumento dos problemas de saúde mental entre os jovens da Faixa de Gaza, incluindo a depressão.
"O fechamento de Gaza impede que profissionais talentosos, que têm muito a dar à sua sociedade, aproveitem oportunidades que pessoas de outros lugares têm como certas", afirmou a Human Rights Watch, em um relatório de 2021.
Para a organização, "impedir que os palestinos em Gaza se movimentem livremente dentro da sua terra natal dificulta a vida e destaca a cruel realidade do apartheid e da perseguição de milhões de palestinos".
Atualmente, 2,3 milhões de palestinos vivem em um território de cerca de 360 km². Eles fazem com que a Faixa de Gaza seja "um dos territórios mais densamente povoados do mundo", segundo a ONG israelense Gisha.
A ONU afirma que quase 600 mil refugiados vivem em oito acampamentos abarrotados no território.
Como base de comparação, Londres tem densidade populacional de cerca de 5,7 mil habitantes por quilômetro quadrado. Na capital de São Paulo, este índice é de cerca de 7,5 mil pessoas.
Na cidade de Gaza, moram mais de 9 mil pessoas por quilômetro quadrado.
Em 2014, Israel declarou uma zona de defesa ao longo da fronteira para se proteger dos ataques de foguetes e incursões dos militantes islâmicos. Essa delimitação reduziu a quantidade de terra disponível no território para moradias e fazendas.
E os cortes de eletricidade fazem parte do dia a dia na Faixa de Gaza. Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), a maioria das casas do território só tem eletricidade três horas por dia.
A maior parte da eletricidade da Faixa de Gaza vem de Israel, exceto por uma única usina geradora local e uma pequena quantidade que chega do Egito.
Além da energia elétrica, a água é escassa para a maioria dos habitantes de Gaza e seu sistema público de saúde enfrenta situação precária.
A assistência médica nos territórios palestinos é de responsabilidade da Autoridade Nacional Palestina. Segundo a OCHA, o bloqueio de Israel e do Egito, aliado à redução dos investimentos da ANP no setor de saúde e aos conflitos políticos internos entre a ANP e o Hamas fizeram com que o território chegasse a esta situação.
A ONU colabora administrando 22 centros de saúde, mas diversos hospitais e clínicas já haviam sido danificados, ou mesmo destruídos, em combates anteriores com Israel.
E, agora, com os últimos ataques, as condições dos civis em Gaza e a infraestrutura do território certamente irão se deteriorar ainda mais.
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