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A pioneira viagem de circunavegação da Antártida liderada por brasileiro que pode responder 3 questões científicas

A pioneira viagem de circunavegação da Antártida liderada por brasileiro que pode responder 3 questões científicas

Viagem de dois meses vai reunir 61 cientistas de 7 países diferentes. A meta é colher dados para entender como as mudanças climáticas afetam a região — e podem influenciar no mundo todo.

Publicado em 22 de novembro de 2024 às 09:44

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Imagem BBC Brasil
Equipe vai viajar 20 mil km em dois meses (foto ilustrativa). (Getty Images)

André Biernath

Durante os próximos 60 dias, 61 cientistas de sete países diferentes vão embarcar numa expedição que vai dar a volta na Antártida.

A missão será liderada pelo explorador polar brasileiro Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CPC-UFRGS).

Ao longo dos dois meses, a equipe de especialistas fará uma série de medições e coletas de amostras, para verificar as dinâmicas do gelo no Polo Sul do planeta e como as mudanças climáticas afetam a região.

Embora outras expedições do tipo já tenham sido realizadas — a primeira delas aconteceu no século 18 sob o comando do famoso explorador inglês James Cook —, a viagem atual será aquela que passará mais próximo da costa até hoje.

"O pioneirismo da expedição está em ser realizada o mais perto possível da costa antártica. Esperamos ter dados sobre a linha de flutuação das geleiras e simultaneamente apoiaremos um levantamento geofísico dessas frentes de geleiras para entender como elas respondem ao aquecimento da atmosfera e do oceano", antecipa ele.

Em entrevista à BBC News Brasil, Simões detalhou os principais objetivos da missão e como foi o preparo para partir rumo ao continente gelado.

Os detalhes da circunavegação

Simões explica que a ideia de fazer uma missão do tipo surgiu em discussões realizadas no Comitê Científico de Pesquisa Antártica, grupo que reúne 46 países.

Aliás, ele é o representante do Brasil nesse comitê e ocupa o cargo de cientista sênior do Programa Antártico Brasileiro.

"Numa das reuniões, tive uma boa conversa com os colegas do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, da Rússia", lembra ele.

Esse instituto de pesquisa tem à disposição o navio quebra-gelos Akademik Tryoshnikov, que possui as especificações necessárias para uma expedição do tipo — afinal, como o próprio nome indica, essa embarcação é capaz de atravessar regiões de mar congelado, algo praticamente impossível para outros barcos.

"No início, nossa ideia era convidar mais pessoas para o projeto. No entanto, devido a toda a situação geopolítica do momento, a expedição se tornou algo basicamente dos quatro integrantes mais importantes dos Brics [grupo que reúne economias emergentes] e de alguns outros países sul-americanos", diz o explorador polar.

O time que fará a circunavegação contará com 61 cientistas, 27 deles brasileiros. Os demais vêm de Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.

O navio quebra-gelo parte no dia 22 de novembro da cidade gaúcha de Rio Grande e segue direto, sem escalas, até a Antártida, onde dará uma volta no sentido horário e percorrerá mais de 20 mil quilômetros.

Ao todo, a embarcação fará 16 paradas no continente gelado, para coletar material em diversas regiões.

A previsão é que a missão termine cerca de dois meses depois, no dia 25 de janeiro de 2025.

Imagem BBC Brasil
Expedição vai partir de Rio Grande (RS) e pretende percorrer o trajeto traçado em amarelo no mapa. (CPC-UFRGS/Divulgação)

Em busca de respostas

Simões explica que as medições e as coletas que serão feitas durante a viagem têm como objetivo responder três questões científicas principais.

"Primeiro, queremos entender qual é a estabilidade do manto de gelo que cobre a Antártida", detalha ele.

"Nós sabemos que a Antártida já contribui para o aumento do nível do mar, embora a maior parte desse processo ainda esteja relacionada ao que acontece na Groenlândia e nas geleiras espalhadas pelos oceanos."

"Só que as projeções indicam que, na próxima década, a Antártida vai se tornar o principal componente desse fenômeno", antevê ele.

Mas o pesquisador destaca que algumas hipóteses apontam que parte do manto de gelo da Antártida pode ser "dinamicamente estável" por questões como a inclinação do terreno — ou seja, será que a partir de certo momento a água descongelada vai começar a correr para o oceano ou para o centro do continente?

Em segundo lugar, o time de especialistas quer avaliar "as rápidas mudanças no Oceano Austral", também chamado de Oceano Antártico.

"Esse oceano é um dos que tem apresentado os sinais mais amplificados das mudanças climáticas", resume Simões.

O pesquisador explica que a região sofre com fenômenos como o aumento da temperatura da superfície do oceano e da atmosfera.

"Também ocorre a diminuição da salinidade, porque a Antártida está despejando água doce, que vem das geleiras, no mar", acrescenta ele.

Outra coisa que preocupa os cientistas é a elevação da acidez do Oceano Austral.

Por ser mais frio, ele absorve uma quantidade maior de dióxido de carbono — o gás que é lançado em grandes quantidades na atmosfera a partir da queima de combustíveis fósseis.

Os especialistas querem entender como essa alteração já afeta a vida marinha, em especial a de micro-organismos como o fitoplâncton.

Por fim, o terceiro grande objetivo da expedição é o de entender como a poluição atmosférica e de microplásticos chega até o Polo Sul.

"Uma das questões que queremos responder é se as queimadas intensas que vimos neste ano no Brasil causaram algum prejuízo na Antártida. Alguns modelos climáticos dizem que sim, mas vamos pegar amostras de gelo e de neve para ver se isso chegou até lá mesmo", conta Simões.

O pesquisador da UFRGS destaca que, após os dois meses de coleta de dados, os cientistas voltam para seus países e começam a realizar análises em laboratórios.

"Esse processo deve levar cerca de dois anos e publicaremos os resultados finais do trabalho em cerca de três ou quatro anos", projeta ele.

Imagem BBC Brasil
O explorador brasileiro Jefferson Cardia Simões foi apontado como líder da expedição. (CPC-UFRGS/Divulgação)

Praticamente um Big Brother

Simões entende que, além de encontrar respostas para questões importantes sobre a Antártida e o impacto disso no resto do mundo, a expedição funcionará como um projeto de diplomacia da Ciência.

"E meu grande desafio como líder da expedição será lidar com sete culturas diferentes, com pessoas que falam línguas completamente distintas e ficarão num navio durante dois meses", confessa ele.

O explorador brinca que a situação se assemelha ao que é vivido por participantes de reality shows, como o Big Brother.

"Por outro lado, estaremos num ambiente extremamente rico, com profissionais treinados e com experiência de trabalhar em diferentes institutos polares", pondera o professor.

Uma estratégia que Simões traçou para aproximar as pessoas envolve a comida.

"O navio tem uma alimentação de origem basicamente russa, mas estamos levando uma quantidade enorme de ingredientes brasileiros, como arroz e feijão, para termos pelo menos duas refeições típicas de nosso país por semana para todos os participantes", diz ele.

O explorador também acrescentou na bagagem 100 pacotes de pão de queijo.

"E, como bons gaúchos, teremos erva-mate para fazer chimarrão durante toda a viagem", conclui ele.

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