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As empresas que não aprovaram teste de semana de 4 dias de trabalho

As empresas que não aprovaram teste de semana de 4 dias de trabalho

Quase todas as empresas que participaram de um programa-piloto no Reino Unido estão mantendo o horário reduzido — mas nem todas adotaram completamente o novo esquema de trabalho

Publicado em 1 de abril de 2023 às 14:09- Atualizado há 2 anos

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura
(Getty Images)

Agência BBC

Em fevereiro de 2023, chegaram finalmente os tão aguardados dados sobre o programa-piloto britânico da semana de trabalho de quatro dias, realizado em larga escala entre junho e dezembro de 2022. E os resultados foram majoritariamente positivos.

Mais de 60 empresas participaram do teste, incluindo agências de publicidade, companhias do setor financeiro, de serviços educacionais e até estabelecimentos que vendem o tradicional fish and chips (peixe empanado com batata frita). Por fim, 92% dos empregadores afirmaram que manteriam a semana de trabalho mais curta após o término do programa — e 30% tornariam a mudança permanente.

Já entre os cerca de 3 mil funcionários, 71% afirmaram que houve uma redução do nível de burnout — também foram registradas melhorias no bem-estar e na saúde física.

Em muitos casos, as empresas que participaram do programa-piloto, promovido pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global, informaram que seus funcionários conseguiram passar mais tempo com a família, se dedicar a hobbies e investir em cuidados pessoais.

"A intensidade do trabalho da nossa equipe aumentou com a pandemia e a crise do custo de vida", afirma Alison Dunn, executiva-chefe do serviço de atendimento ao consumidor Citizens Advice em Gateshead, na Inglaterra.

"O burnout tem sido um problema, e a semana de quatro dias ofereceu a eles um espaço de descompressão: muita gente passou o dia extra de folga com os filhos, fazendo caminhadas na floresta e monetizando seus hobbies."

Os empregadores que participaram do teste também observaram que a redução da semana de trabalho aumentou a produtividade e o rendimento.

"Quando as pessoas dispõem de um dia a mais de descanso, isso cria um equilíbrio melhor entre a vida pessoal e o trabalho, o que, por sua vez, deixa as pessoas mais felizes e menos estressadas", afirma Claire Daniels, CEO da agência de marketing digital Trio Media, com sede em Leeds, na Inglaterra.

"E pessoas mais felizes apresentam um melhor desempenho profissional."

Mas, apesar desses resultados amplamente noticiados, o teste não funcionou para todas as empresas. Algumas abandonaram o experimento; outras ainda não decidiram tornar o esquema permanente. E mesmo as empresas que continuam com as jornadas reduzidas estão enfrentando novos desafios decorrentes das semanas de trabalho mais curtas.

Embora represente uma pequena parte dos participantes do teste, isso significa que a semana de trabalho de quatro dias não é uma solução automática para todos.

Muitas empresas precisam operar cinco dias por semana, o que dificulta a redução da semana de trabalho. (Getty Images)

'Não conseguimos dar um dia a mais toda semana'

Em junho de 2022, a empresa de insumos industriais e de engenharia Allcap, com sede em Gloucester, na Inglaterra, aderiu ao teste da semana de trabalho de quatro dias no Reino Unido.

Depois de trabalhar a todo vapor durante a pandemia, o diretor da empresa, Mark Roderick, esperava que o programa-piloto de seis meses oferecesse a possibilidade de conceder dias de descanso adicionais à sua equipe de 40 pessoas.

"Nós corremos com o processo na empresa", conta Roderick.

"Entramos tarde no programa e sabíamos que iríamos enfrentar dificuldades para adotá-lo em cinco locais. Mas queríamos poder oferecer aos nossos funcionários o tempo de descanso no verão."

Em vez de oferecer um fim de semana de três dias, como a maioria das 61 empresas do programa-piloto, os funcionários da Allcap teriam um dia de folga adicional quinzenalmente.

"Somos uma empresa comercial — os clientes ligam o tempo todo pedindo componentes de fabricação e construção", afirma Roderick.

"Já estávamos com uma equipe levemente reduzida, de forma que não tínhamos condições de dar um dia de descanso toda semana aos funcionários."

Mas, mesmo com esse modelo de semana de quatro dias customizado, a companhia logo se deparou com problemas, segundo Roderick.

"Em comparação com os 10 dias normais de trabalho, verificamos que os funcionários passavam nove dias sobrecarregados — quando eles chegavam ao seu dia programado de descanso, estavam exaustos", revela.

"Quando considerávamos as férias, ausências por doenças e responsabilidades familiares, também tínhamos dificuldades para cobrir um funcionário no seu dia de descanso."

O resultado foi que a Allcap abandonou o teste dois meses antes em três das suas principais bases (o depósito e os centros de fabricação têm recursos para lidar com a semana de quatro dias).

Além dos problemas com os funcionários, Roderick acredita que a natureza do seu setor dificultou a adoção da semana de quatro dias.

"Quando você está no setor de serviços profissionais, muitas vezes você tem o trabalho baseado em projetos, o que permite maior flexibilidade para cumprir os prazos", avalia.

"Aqui, temos máquinas operando, um balcão de vendas e entregas 24 horas por dia. Trabalhar de casa é impossível, de forma que você precisa de uma quantidade mínima de funcionários no local ou não tem um negócio."

O que a Allcap descobriu é que o preço do fim de semana de três dias é uma semana de trabalho de quatro dias mais intensa.

"Sem um quinto dia para completar o trabalho, geralmente há mais estresse durante a semana para ter um fim de semana mais longo", afirma Laura White, gerente de projetos e pesquisa da organização Waterwise, com sede em Londres.

E, para empresas que possuem um horário de abertura regular, o terceiro dia de descanso na semana normalmente exige que os profissionais cubram turnos — aumentando consequentemente sua carga de trabalho.

"Concluímos que quando era a vez de alguém tirar seu dia de folga, o trabalho era repassado para um colega, e eles ficavam sob pressão", afirma Roderick.

"A ausência de alguém chegava até a gerência, de forma que só dava essencialmente para fazer as tarefas diárias — nossos projetos de longo prazo e trabalho estratégico iam por água abaixo."

Onde pode deixar a desejar

Para algumas empresas, particularmente as que possuem atendimento a clientes, criar folga suficiente no cronograma de trabalho para uma semana de quatro dias significa aumentar a folha de pagamento. Com isso, mudar para o novo modelo pode ser proibitivo.

Dunn afirma que o Citizens Advice em Gateshead investiu o equivalente a três novos funcionários em tempo integral, de forma que 45 profissionais do centro de atendimento pudessem participar do teste.

"Não queríamos uma situação em que alguém fosse excluído da oportunidade."

Essas empresas que atendem clientes muitas vezes enfrentam mais desafios para manter uma semana de trabalho de quatro dias.

"Alguns funcionários podem trabalhar mais horas durante a semana para colocar o serviço em dia e ter o descanso adicional", afirma Dunn.

"Mas isso não é possível para a nossa equipe do centro de atendimento, que tem horas de trabalho claramente definidas. O trabalho deles é rigidamente monitorado por indicadores de desempenho definidos pelo nosso financiador e que precisam ser atendidos — atualmente, eles só podem obter ganhos marginais."

Da mesma forma, as exigências do trabalho significam que esses profissionais têm menos flexibilidade no seu terceiro dia de descanso, observa Dunn.

"Os dias mais movimentados do centro de atendimento, normalmente, são as segundas e sextas-feiras, o que significa que não é possível emendar o dia de folga com o fim de semana", afirma.

"Consequentemente, sobram apenas três dias para que os funcionários tirem seu dia de folga adicional."

As empresas que oferecem atendimento ao cliente podem ter mais dificuldade para se adaptar à semana de trabalho de quatro dias. (Getty Images)

Por outro lado, Dunn afirma que os funcionários fora do centro de atendimento, que podem trabalhar de forma flexível, ultrapassaram as metas.

"Nessas áreas da empresa, os funcionários se saíram extremamente bem, excedendo os indicadores e as projeções de receita", diz ela.

Ou seja, "ficamos com uma situação que não é homogênea".

Em vez de adotar ou rejeitar diretamente a semana de quatro dias, Dunn prorrogou a duração do teste no Citizens Advice até maio. Mas ela indica que, a menos que a equipe do centro de atendimento atinja os objetivos definidos, é improvável que a semana de trabalho mais curta se torne permanente em qualquer setor da empresa.

"Temos 220 funcionários. Não posso imaginar oferecer quatro dias para alguns, e não para outros", afirma.

"Vai além do tamanho, as dificuldades em relação à semana de quatro dias surgem com a complexidade da empresa — quando você tem diferentes formas de operar e oferece serviços variados."

Visão de longo prazo

Assim como o Citizens Advice, a Waterwise e a Trio Media também estão prorrogando seus testes.

"Seis meses não parecem ser suficientes para tomar uma decisão permanente", afirma Claire Daniels, da Trio.

"Queremos sentir a situação ao longo de um ano inteiro e garantir que a produtividade permaneça alta."

Outras empresas que participaram do programa-piloto decidiram eliminar a semana fixa de quatro dias e oferecer uma maior flexibilidade de forma geral.

É o caso da agência de criação Amplitude, de Northampton, na Inglaterra. A CEO da empresa, Jo Burns-Russell, tornou a semana de quatro dias opcional: os funcionários agora cumprem uma jornada flexível e reduzida de 35 horas semanais, que pode ser dividida em quatro ou cinco dias.

"Depois do teste, cada funcionário queria fazer a semana de trabalho mais curta de forma diferente", afirma.

"Em vez de definir um dia de descanso, é melhor deixar que as pessoas escolham o que funciona melhor para elas. Somos uma empresa ágil com uma equipe de 12 pessoas, e funciona bem."

Em vez de um esquema fixo de quatro dias, Abigail Marks, professora de futuro do mercado de trabalho na Escola de Negócios da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, acredita que esse modelo de semana de trabalho reduzida e flexibilidade pode oferecer ganhos maiores aos funcionários.

"Sem reduzir a intensidade das cargas de trabalho e combater o excesso de trabalho de forma mais abrangente, a semana de quatro dias em massa traz o risco de intensificar cargas de trabalho que já são excessivas", avalia.

"O dia de trabalho de seis horas pode ser mais eficaz do que a semana de quatro dias entre as empresas que são capazes de adotá-lo."

E, embora nem todas as empresas do teste tenham adotado o modelo de forma permanente, o sucesso geral do programa-piloto da semana de quatro dias indica que mais empregadores estão reconhecendo que a jornada de trabalho tradicional, das nove às cinco, não está funcionando, segundo Marks.

"É outro experimento no mundo do trabalho pós-pandemia", diz ela.

"Mostra que as pessoas estão percebendo que a cultura de longas jornadas de trabalho não é saudável, nem sustentável."

No momento, embora a semana de quatro dias possa ser uma experiência que valha a pena ser mantida de forma permanente em algumas empresas, pode não se tornar realidade para todas.

Mark Roderick, da Allcap, afirma que, se pudesse, reintroduziria a semana de quatro dias na sua empresa. Até os funcionários sobrecarregados aprovaram o dia a mais de descanso.

"Embora todos (os funcionários) pudessem ver o que estava acontecendo e estivessem sempre ocupados, ainda assim eles ficaram desapontados quando suspendemos o teste", revela.

"Se pudéssemos contratar mais funcionários sem um grande aumento da nossa folha de pagamento, faríamos amanhã mesmo. Estávamos simplesmente com poucos funcionários para fazer com que funcionasse."

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0j77w3q4z5o

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