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As influencers que lucram com informação falsa sobre saúde feminina no Brasil e no mundo

As influencers que lucram com informação falsa sobre saúde feminina no Brasil e no mundo

Influenciadores de todas as partes do mundo estão se passando por médicos especialistas e explorando a falta de soluções fáceis para a síndrome dos ovários policísticos, ou SOP, vendendo tratamentos falsos e curas não científicas, revela uma pesquisa do serviço mundial da BBC.

Publicado em 28 de dezembro de 2024 às 07:44

Ícone - Tempo de Leitura 7min de leitura
Imagem BBC Brasil
Influenciadoras vendem testes e suplementos não comprovados para tratar problemas hormonais femininos. (Getty Images)

Jacqui Wakefield

Por 12 anos, Sophie vinha sofrendo com menstruações dolorosas, ganho de peso, depressão e fadiga.

Ela foi diagnosticada com síndrome do ovário policístico (SOP), uma condição hormonal que afeta, em média, uma em cada 10 mulheres.

Ao receber o diagnóstico, ela teve dificuldade para conseguir orientação médica.

Sophie sentiu que sua única opção era cuidar de sua saúde por si própria. E foi nesse momento que Kourtney Simmang apareceu no Instagram.

Kourtney prometia tratar a "causa raiz" da SOP, embora os pesquisadores ainda não tenham identificado uma. Ela oferecia aos clientes exames laboratoriais, um "protocolo de saúde" – um plano de dieta e suplementos – e coaching por US$ 3.600 (R$ 22,3 mil).

Sophie se inscreveu, pagando centenas de dólares a mais por suplementos, por meio dos links de lojas parceiras de Kourtney.

Jen Gunter, ginecologista e educadora em saúde feminina, disse que Kourtney não estava qualificada para solicitar os testes que estava vendendo e que eles tinham uso clínico limitado.

Depois de quase um ano, os sintomas de Sophie não melhoraram, então ela desistiu da cura oferecida por Kourtney.

"Saí do programa com uma relação pior com meu corpo e com a comida, [sentindo] que não tinha capacidade de melhorar minha SOP", disse ela.

Procurada, Kourtney não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.

Influenciadores não qualificados clinicamente – muitos com mais de um milhão de seguidores – estão explorando a ausência de uma solução médica fácil para a SOP, passando-se por especialistas e vendendo curas falsas.

Alguns se descrevem como nutricionistas ou "coaches hormonais", com qualificações que podem ser feitas online em questão de semanas.

O serviço mundial da BBC rastreou os vídeos mais assistidos com a hashtag "SOP" no TikTok e Instagram, em quatro idiomas, durante o mês de setembro, e descobriu que metade deles espalhou informações falsas. Analisamos os 25 principais vídeos em inglês, suaíli, hindi e português. Muitos dos vídeos em inglês também tiveram grande audiência na Índia, Nigéria, Quênia e Brasil.

A escala

Imagem BBC Brasil
No TikTok e Reels, influenciadoras vendem 'rotina de suplementos'. (BBC)

Até 70% das mulheres com SOP no mundo não foram diagnosticadas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E, mesmo quando diagnosticadas, as mulheres têm dificuldade para encontrar tratamentos que funcionem.

"Sempre que há uma lacuna na medicina, os predadores se aproveitam", disse Gunter.

As principais informações falsas ou enganosas compartilhadas por esses influenciadores incluem:

Não há evidências de que dietas altamente restritas em calorias tenham qualquer efeito positivo, e a dieta cetogênica pode piorar os sintomas, dizem os especialistas.

As pílulas anticoncepcionais não causam SOP e, de fato, ajudam muitas mulheres, embora não funcionem para todas. Não há uma causa raiz conhecida para a SOP.

Um porta-voz do TikTok disse que a empresa não permite na plataforma conteúdo enganoso, falso ou que possa causar danos significativos.

Um porta-voz da Meta disse que conteúdos de usuários sobre saúde feminina são permitidos na plataforma sem "nenhuma restrição". A empresa disse que trabalhou com terceiros para desmascarar outras informações incorretas sobre saúde.

O que é SOP?

Questão global

A BBC falou com 14 mulheres do Quênia, Nigéria, Brasil, Reino Unido, EUA e Austrália que experimentaram diferentes produtos promovidos por influenciadores.

Uma delas foi Vaishnavi, de Bangalore, na Índia. Ela colocou fé na influenciadora indiana Aanya Sharma, que promove curas "naturais", como planos de dieta e desintoxicações.

Como muitas outras influenciadoras, Aanya dá grande ênfase à perda de peso.

Seguindo o plano de dieta de Aanya, Vaishnavi foi instruída a comer entre 1.000 e 1.200 calorias por dia.

Imagem BBC Brasil
Alguns influenciadores costumam recomendar dietas de restrição calórica. (Getty Images)

Uma dieta saudável pode ajudar a controlar os sintomas da SOP, mas essa restrição extrema pode facilmente levar a distúrbios alimentares. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido recomenda que uma mulher coma em média 2.000 calorias por dia.

A menstruação de Vaishnavi parou por seis meses, um efeito colateral comum de comer tão pouco. Mas ela não perdeu peso tão rápido quanto lhe foi prometido, o que a fez se sentir profundamente envergonhada.

"Todas as outras clientes dela com SOP perderam muito mais peso do que eu", disse ela. "Você acha que finalmente pode ser isso, está funcionando para todos, então eu também terei ótimos resultados, e de alguma forma você é sempre a exceção."

Aanya Sharma disse que os sintomas da SOP podem ser revertidos, mas não afirma que haja uma cura. E afirmou que incentiva um estilo de vida saudável para suas clientes.

Imagem BBC Brasil
(Getty Images)

Manisha, também de Bangalore, caiu em armadilha semelhante.

Assim como Sophie, ela recorreu a influenciadores após lutar para obter ajuda de médicos para lidar com suas preocupações sobre pelos corporais, ganho de peso, cólicas menstruais e possível infertilidade.

"Mulheres que conheço tiveram casamentos rompidos porque as famílias descobriram que elas tinham SOP e presumiram que não conseguiriam engravidar", disse ela. "Eu queria desesperadamente uma cura."

Ela tentou dietas da moda, como jejum extremo, e a dieta cetogênica, que era particularmente difícil para ela como vegetariana. Ela também comprou suplementos que prometiam uma "cura milagrosa".

Um deles era Ashwaganda, um suplemento ayurvédico tradicional indiano. Os influenciadores a desencorajaram a tomar remédios ocidentais, dizendo que apenas "mascaravam os sintomas da SOP".

Mas as dietas e "curas" só pioraram sua dor e outros sintomas.

"Em certo momento, eu me sentia suicida. Como todos esses métodos poderiam funcionar para todas as outras, mas não para mim?", disse ela. "Era inútil."

Manisha voltou ao médico. Aos 29 anos, ela foi diagnosticada com diabetes tipo 2. Isso poderia ter sido evitado, segundo especialistas, se antes ela tivesse tomado metformina, medicamento usado para SOP e prevenção de diabetes.

Como muitas mulheres com SOP têm resistência à insulina, significando problemas para processar açúcar, elas correm um risco muito maior de desenvolver diabetes tipo 2.

Manisha disse que a primeira vez que tentou realizar um tratamento para SOP, ela não foi levada a sério e foi instruída a voltar quando quisesse engravidar.

Gunter afirmou que esse é um grupo vulnerável de pacientes que pode enfrentar sentimentos de desamparo, sem acesso a tratamento. Ela disse que a desinformação fazia com que os pacientes frequentemente adiassem a busca por ajuda médica e que isso poderia levar ao desenvolvimento de outras condições, como diabetes tipo 2.

Na Nigéria, a estudante de Medicina Medlyn está tentando lidar com parte do estigma que envolve a SOP.

Após tentar dietas e suplementos sem sucesso, ela agora incentiva outras mulheres a consultar seus médicos e adotar um tratamento baseado em evidências.

Imagem BBC Brasil
Medlyn aceitou seu diagnóstico de SOP e busca empoderar outras mulheres. (BBC)

"Quando você é diagnosticada com SOP, isso vem com muito estigma. As pessoas acham que você é preguiçosa, que não cuida de si mesma, que não podemos engravidar", diz. "Então, ninguém quer namorar você, ninguém quer se casar com você."

Mas agora ela está aceitando algumas das características da SOP. "Foi uma jornada difícil entender minha SOP, os pelos, meu peso", disse ela. "Essas coisas me tornam diferente."

Sasha Ottey, da instituição de caridade britânica PCOS Challenge, diz que o tratamento médico geralmente permite que pessoas com a condição engravidem.

"Mulheres com SOP têm o mesmo número de filhos que aquelas sem", acrescentou ela. "Você pode apenas precisar de um pouco de ajuda para chegar lá."

Gunter diz que mulheres que não estão recebendo ajuda de um clínico geral devem consultar um especialista.

"Algumas mulheres precisam de um endocrinologista ou de um especialista em obstetrícia e ginecologia de confiança para o próximo nível de controle."

Após obter suporte médico, Manisha tem tomado metformina, o que melhorou alguns de seus sintomas. Ela espera que sua diabetes tipo 2 entre em remissão.

Vaishnavi está melhorando sua rotina de exercícios e Sophie está trabalhando com um nutricionista qualificado que a está ajudando a perder peso. Ambas continuam explorando tratamentos com médicos e esperam que funcione.

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