SÃO PAULO - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, renovou as acusações contra a Rússia em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta quarta-feira (21).
O americano disse que Moscou rompeu princípios da Carta das Nações Unidas, documento fundador da entidade. E, embora não tenha chegado a pedir a expulsão do país do Conselho de Segurança — o mais poderoso colegiado do organismo multilateral —, afirmou que a Rússia desrespeita um dos tópicos fundamentais da carta, que impede países-membros de ameaçarem ou usarem a força contra a integridade territorial ou independência política de outras nações.
"Essa guerra busca a extinção do direito de a Ucrânia existir como um Estado, pura e simplesmente", declarou o democrata. "O mundo precisa ver esses atos absurdos pelo que são. Se as nações puderem exercer suas ambições imperiais sem que haja consequências, então colocamos em risco tudo o que esta instituição representa."
Biden ainda afirmou que a única coisa que impede hoje o fim da Guerra da Ucrânia é a própria Rússia. O conflito ganhou uma nova escalada nesta quarta, quando Vladimir Putin determinou pela primeira vez a mobilização de até 300 mil reservistas para o conflito e voltou a ameaçar adversários com uma guerra nuclear.
Vale lembrar que, a despeito do tom utilizado pelo presidente no discurso, o Ocidente por oito anos viu a Crimeia, de resto uma região historicamente russa, ser absorvida sem muito mais do que sanções e protestos. Além disso, os próprios EUA desafiaram preceitos da ONU ao invadir o Iraque em 2003, numa ação vista pelo então secretário-geral do órgão, Kofi Annan, como ilegal.
Além do anúncio desta quarta, que despertou reações em âmbito global, a Rússia promove no final da semana referendos para que regiões capturadas no leste e no sul da Ucrânia decidam se querem se tornar parte do território russo — Biden e outros líderes ocidentais chamam o processo de farsa.
A lógica da ação russa é simples. Em um cenário em que as regiões hoje ucranianas mudem de bandeira, qualquer eventual ataque ao território seria, no entendimento legal do Kremlin, um ataque à própria Rússia e, por consequência, um gatilho para pôr em prática a doutrina nuclear de Moscou.
O mais recente movimento de Putin foi também um alerta aos aliados da Otan, e em especial aos EUA, cuja administração já desembolsou mais de US$ 15 bilhões em ajuda militar à Ucrânia.
Na ONU, Biden chamou de irresponsáveis as ameaças de seu homólogo russo. "Uma guerra nuclear não pode ser vencida, e não deve jamais ser lutada", afirmou, condenando ainda iniciativas nucleares do Irã, com o qual negocia um novo acordo no âmbito há meses, e da China, que, segundo ele, está "construindo um arsenal nuclear sem nenhuma transparência".
Foi o único comentário mais agressivo do americano sobre a nação asiática. No mais, ele reiterou seu compromisso com a política de "uma China única", que não reconhece a independência de Taiwan, e repetiu sua fala nas Nações Unidas no ano passado de que os EUA "não buscam uma nova Guerra Fria".
Biden ainda abordou no discurso uma série de outros tópicos prementes na agenda global, como insegurança alimentar, crise do clima e combate a doenças. Mas não tocou em política interna, contrariando a expectativa de alguns analistas que previam algum tom eleitoral em sua fala.
Às vésperas das eleições legislativas de meio de mandato, Biden vem deixando de lado os pedidos de união entre democratas e republicanos para elevar o tom contra apoiadores do ex-presidente Donald Trump, chamando-os de "inimigos da democracia", acusando-os de estarem determinados "a levar o país para o passado" e assumindo o que ele chama de "batalha pela alma da nação".
Por tradição, o presidente americano é sempre o segundo chefe de Estado a falar na Assembleia-Geral — seu discurso deveria ter ocorrido na véspera, após o pronunciamento de Jair Bolsonaro. O democrata adiou o discurso para o segundo dia do evento em decorrência de sua viagem a Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª.
Na agenda do líder para o dia, consta ainda um encontro com a delegação ucraniana, mas sem equivalente com o grupo russo, segundo afirmou a embaixadora americana na ONU à imprensa local.
Diferentemente da maioria dos líderes mundiais, Putin não foi a Nova York. Em seu lugar, mandou o chanceler Serguei Lavrov, que, alvo de sanções da Casa Branca, até o último minuto não sabia se conseguiria viajar. A ironia é que foi esta mesma ONU que deu prestígio a Lavrov, já que, antes de se tornar o líder da diplomacia de Moscou, ele foi embaixador na entidade por dez anos e era conhecido pelo bom relacionamento com outras autoridades.
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