Sem citar especificamente o principal rival político e econômico dos Estados Unidos, o presidente Joe Biden afirmou em discurso na 76ª Assembleia-Geral da ONU que seu país não procura uma nova Guerra Fria, mas deu uma série de recados à China.
"Vamos defender nossos aliados e nossos amigos e nos opor às tentativas de países mais fortes de dominar outros mais fracos, seja pela força, por coerção econômica, exploração técnica ou desinformação. Mas não estamos procurando, vou repetir, não estamos procurando uma nova Guerra Fria ou um mundo dividido em blocos rígidos", afirmou.
Biden ainda disse que o país defende a liberdade de navegação, em referência às reivindicações chinesas pelo Mar do Sul da China; se posicionou contra ataques cibernéticos, que o país também acusa a China de coordenar; e citou Xinjiang, região de minoria muçulmana onde os EUA acusam a China de praticar genocídio, como um dos pontos de preocupação de violações de direitos humanos.
Na abertura da sessão, o secretário-geral da ONU, António Guterres, já havia alertado para os problemas, em suas palavras, de uma divisão global em dois sistemas.
"Receio que nosso mundo esteja indo em direção a dois conjuntos de regras econômicas, comerciais, financeiras e de tecnologia, duas perspectivas de desenvolvimento de inteligência artificial e no limite duas estratégias militares e geopolíticas. Essa é a receita para problemas. Isso seria muito mais imprevisível do que a Guerra Fria", afirmou.
Apesar das críticas, o discurso de Biden focou a necessidade de os países trabalharem juntos para enfrentar a pandemia do novo coronavírus e a crise climática. O presidente americano defendeu esforços globais para ampliar a vacinação contra a Covid-19, incluindo o repasse de doses de países ricos para nações com baixas taxas de imunização.
Ele prometeu ainda dobrar para US$ 11,4 bilhões (R$ 60,3 bilhões) as doações ao fundo internacional para países em desenvolvimento combaterem mudanças climáticas. Ainda no campo de assistência, o democrata afirmou que pretende doar US$ 10 bilhões (R$ 53 bilhões) para combater a fome.
Biden enfrenta um momento de pressão internacional. O episódio mais recente envolve a França, depois de os EUA anunciarem uma coalizão com Reino Unido e Austrália para fornecer a este último submarinos nucleares - ação que visa conter avanços regionais da China. O acordo significou o fim de uma parceria australiana com a França, o que foi visto como uma "punhalada nas costas" pelo governo de Emmanuel Macron, que convocou seus embaixadores em Washington e Canberra.
Com a desconfiança europeia, Biden usou o espaço na ONU nesta terça, seu primeiro discurso em uma Assembleia-Geral como presidente, para reafirmar a posição de que "os Estados Unidos estão de volta" ao cenário global, depois que seu antecessor, Donald Trump, abandonou fóruns e acordos multilaterais.
"Estamos de volta à mesa nos fóruns internacionais, especialmente nas Nações Unidas, para focar em ações globais e desafios comuns", disse ele, que fez também acenos à União Europeia e à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental). Biden ressaltou ainda que o país voltou ao Acordo de Paris e que vai retornar ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, dos quais havia saído durante o governo Trump.
O presidente americano ainda procurou se defender de outro episódio pelo qual sofreu críticas da comunidade internacional, a conturbada retirada das tropas do Afeganistão após duas décadas de ocupação militar. A operação foi atacada pela atuação unilateral dos americanos e pelas cenas de caos vistas após a volta do Talibã ao poder, culminarando com ataques terroristas no aeroporto de Cabul.
"Encerramos 20 anos de conflito no Afeganistão e, à medida que encerramos essa era de guerra sem fim, estamos nos abrindo para uma nova era de diplomacia sem fim", disse Biden na ONU.
Quando a operação de retirada das tropas foi concluída, o tom do presidente americano foi um pouco distinto. "O mundo está mudando. Estamos engajados em uma séria competição com a China. Estamos lidando com desafios com a Rússia, confrontados com ataques virtuais e proliferação nuclear. A principal missão de um presidente não é proteger a América das ameaças de 2001, mas das ameaças de 2021 e de amanhã", disse, na Casa Branca.
Além das críticas internacionais, o episódio, somado à piora da pandemia da Covid-19 no país, custou popularidade a Biden.
"Hoje, muitas das nossas preocupações não podem ser resolvidas com a força das armas", ele disse na Assembleia-Geral, em referência à Covid, e pediu por mais diálogo no cenário internacional. "Devemos usar a força como o último recurso, não o primeiro."
Apesar de o presidente da sessão, o chanceler das Maldivas, Abdulla Shahid, pedir que os líderes limitassem suas falas a 15 minutos, Biden discursou por mais de 30 minutos e foi aplaudido ao final, ao fazer um apelo por uma ação conjunta. "Nós vamos escolher construir um futuro melhor. Nós, vocês e eu."
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