O presidente dos EUA, Joe Biden, fez um discurso nesta terça (31) para marcar o fim da Guerra do Afeganistão, no qual tratou a retirada do país como um "sucesso histórico", pois mais de 120 mil pessoas foram retiradas de lá em poucas semanas.
A saída, no entanto, foi marcada por cenas de caos, como a de afegãos caindo após se agarrarem a um cargueiro C-17 em decolagem em movimento e a de moradores que não conseguiram escapar entregando bebês a soldados, além de um ataque terrorista que matou cerca de 200 pessoas perto do aeroporto.
Biden disse considerar a operação um sucesso, pois mais de 120 mil pessoas, a maioria estrangeiros, foram retirados do país em algumas semanas, e que 90% dos americanos que queriam sair foram salvos. Ainda restam entre 100 e 200 cidadãos dos EUA a serem resgatadas, e a saída delas será negociada de modo diplomático.
O Talibã, grupo que tomou o controle do Afeganistão, prometeu que estrangeiros e afegãos que querem deixar o país poderão fazê-lo, mas não está claro se a palavra será seguida, nem o que o governo americano fará em caso de descumprimento.
Com tom bem mais confiante do que na semana passada, quando pareceu triste e um tanto confuso, Biden repetiu frases que tem dito nas últimas semanas: não havia outra saída a cumprir o acordo de saída e retirar as tropas da Afeganistão ajudará os EUA a pensar em desafios futuros, como a competição com a China. "A principal missão de um presidente não é proteger a América das ameaças de 2001, mas das ameaças de agora e do futuro", disse.
"Quando tomei posse, em janeiro, o Talibã controlava cerca de 50% do território afegão. Eu tinha duas escolhas: cumprir o combinado pela administração anterior ou enviar mais milhares de soldados americanos e ampliar a guerra. E qual seria nosso interesse nacional nisso? Era hora de terminar essa guerra, e eu assumo a responsabilidade pela decisão", disse.
O presidente afirmou que o terrorismo se espalhou por vários pontos do mundo, como uma metástase, e que a melhor forma de combatê-lo é com ações pontuais, em vez de ocupações de longo prazo para tentar reconstruir países ou estabelecer governos, como se tentou no Afeganistão.
Biden falou algumas horas após o último avião americano deixar o Afeganistão, na noite de segunda (30), o que marcou o fim da guerra do Afeganistão, o conflito mais longo da história dos EUA. Ao longo de duas décadas, segundo estudo da Universidade Brown (EUA), morreram cerca de 160 mil pessoas (das quais 2.298 soldados americanos, 3.814 mercenários, 1.145 aliados; o restante, afegãos). O custo ficou em US$ 2,26 trilhões, número que o Pentágono estima na casa de US$ 1 trilhão.
O democrata enfrenta críticas pela forma caótica como a retirada foi feita e pelo fato de que, após duas décadas de guerra, o Talibã conseguiu voltar ao poder. O grupo havia sido deposto do governo afegão pouco depois da invasão, em 2001, mas não foi eliminado por completo e conseguiu retomar o controle do país.
No ano passado, o presidente Donald Trump assinou um acordo de paz com os talibãs, acreditando que o grupo poderia integrar um futuro governo de coalizão. Biden foi eleito em novembro e, após assumir, anunciou em abril que cumpriria o acertado –mas sairia até 11 de setembro, não em maio, como combinado.
O Talibã usou isso de desculpa para rasgar sua parte do acordo. Iniciou uma campanha pelo interior afegão e cooptou líderes tribais. O resultado foi uma campanha militar avassaladora contra grandes centros urbanos, que em duas semanas viu o país todo capitular e Cabul ser ocupada sem resistência, com a fuga do presidente Ashraf Ghani para Abu Dhabi.
Isso aconteceu largamente porque Biden decidiu antecipar a saída das tropas, que ocorreria numa data ainda mais próxima, 31 de agosto. Assim, seus cerca de 3.500 soldados, mais outros 7.000 aliados, foram embora rapidamente: na semana anterior à queda da capital, 95% das forças já haviam saído.
Apesar de a retirada ter sido concluída, há várias questões em aberto. Uma delas é como se relacionar com o Talibã a partir de agora. O grupo espera reconhecimento internacional de seu governo e tem prometido agir de forma menos fundamentalista. No entanto, não está claro como as coisas irão funcionar na prática e quais liberdades serão mantidas, especialmente para as afegãs. Quando o Talibã governou o país, de 1996 a 2001, mulheres não podiam trabalhar fora de casa ou estudar.
Na segunda (30), o secretário de Estado, Antony Blinken, fez um pronunciamento breve e disse que os EUA suspenderam temporariamente sua representação diplomática no Afeganistão, mas que seguiriam conversando com os talibãs.
Outra questão é o terrorismo, a razão inicial para a invasão, em 2001. O Talibã foi derrubado por abrigar pessoas ligadas aos ataques de 11 de Setembro, e teme-se que o novo regime possa abrir espaço para novos grupos que planejam atentados no exterior.
O ataque da semana passada foi atribuído ao EI-K, braço afegão do Estado Islâmico e rival do Talibã. Uma parceria dos EUA com o Talibã para combater o terrorismo seria uma reviravolta difícil de explicar aos americanos que lutaram na guerra.
Internamente, Biden tem outras questões a tratar. O número de casos de Covid segue aumentando, e a média de mortes diárias supera mil, número que não era visto desde março. E, no notíciário americano, os estragos gerados pelo furacão Ida, no Sul do país, têm ganhado espaço.
Em setembro, outros temas também poderão desviar o foco da crise no Afeganistão, como a aprovação de um plano de investimentos em infraestrutura no Congresso. Outro pacote, de programas sociais que deve custar US$ 3,5 trilhões, também está em análise. E, no dia 20, começará a aplicação da terceira dose da vacina da Covid para a população que se imunizou oito meses atrás.
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