Um dia após o Talibã tomar o controle do Afeganistão, o presidente Joe Biden veio a público reafirmar sua decisão de retirar as tropas americanas do país e jogou a culpa do colapso do país no governo e nos militares afegãos.
"Os líderes do país fugiram. Isso comprovou que não devemos estar lá. Não devemos lutar e morrer em uma guerra que os afegãos não querem lutar. Demos a eles todas as chances que podíamos, mas não podíamos dar a vontade de lutar", declarou Biden, em discurso na Casa Branca, nesta segunda (16).
Biden disse que não haveria como manter a paz no país sem enviar mais soldados, o que levaria a uma terceira década de conflitos. "Quantas gerações mais teríamos de enviar para lá? Não vou repetir erros do passado, de lutar em guerras sem fim que não tem a ver com os interesses dos EUA."
O presidente disse ainda que a missão atual é tirar os cidadãos americanos e aliados do Afeganistão, e que caso o Talibã tente atrapalhar isso, sofrerá represálias.
Biden estava em silêncio desde sábado (14), quando soltou um comunicado, no qual reafirmou sua decisão pela retirada. No domingo (15), a Casa Branca divulgou uma imagem dele em uma reunião virtual em Camp David, casa de campo presidencial, para tratar da questão.
O democrata estava em Camp David para tirar alguns dias de férias, mas retornou nesta segunda. No fim de semana, a imprensa americana destacou declarações dele, de semanas atrás, que mostravam contradições. Em julho, Biden prometeu que os EUA continuariam dando apoio ao governo afegão e disse acreditar que o Taleban não tomaria o poder à força, como ocorreu no domingo, pois os militares afegãos estariam bem treinados e equipados.
Pesquisas mostram que a maioria dos americanos, dos dois partidos, apoiam a saída dos EUA do país. No entanto, o presidente vem sendo criticado pela forma caótica como a saída vem ocorrendo, como as informações de inteligência do governo estavam erradas e por que seu governo prometia um cenário totalmente diferente do que ocorreu.
Estimava-se que as forças afegãs conseguiriam conter o avanço deles, ou ao menos resistir por alguns meses. Mas o governo local colapsou em semanas, a embaixada dos EUA em Cabul foi fechada às pressas e as cenas de afegãos tentando embarcar de qualquer jeito em aviões para deixar o país -inclusive tentando se agarrar à aeronaves em movimento– reforçam a imagem de que houve uma derrota americana.
Esta guerra, que começou em setembro de 2001, é a mais longa já disputada pelos EUA. Biden questionava há anos a presença americana no Afeganistão: ele defende que os EUA foram ao país para capturar os terroristas responsáveis pelos ataques de 11 de setembro, e não para resolver os problemas locais.
"Permanecer significaria que os soldados americanos teriam baixas. Homens e mulheres americanos no meio de uma guerra civil. E teríamos corrido o risco de ter de enviar mais soldados de volta ao Afeganistão para defender as tropas remanescentes", disse no mês passado. "Eu me oponho a ter forças permanentes no Afeganistão. Nenhuma nação jamais unificou o Afeganistão. Impérios foram lá e não fizeram isso", acrescentou.
No sábado (14), pouco antes da queda definitiva do governo afegão, reafirmou a posição ao dizer que "mais um ou cinco anos de presença militar dos EUA não fariam diferença se os militares afegãos não puderem conter seu próprio país". Apesar das promessas de apoio americano, o presidente Ashraf Ghani achou melhor deixar o país, sob a justificativa de que quer evitar um banho de sangue.
No domingo (15), Biden foi criticado por republicanos e ex-dirigentes militares durante a gestão de Barack Obama. Ryan Crocker, ex-embaixador no Afeganistão, disse que a saída demonstrou uma "total falta de coordenação e planejamento pós-retirada". David Petraeus, ex-diretor da CIA, classificou a situação de catastrófica e um enorme revés para a segurança nacional. "Se você tivesse mantido o status quo, com 2.500 ou 3.500 militares em solo conduzindo operações contra o terrorismo, esta catástrofe não teria que acontecer", disse Liz Cheney, deputada republicana de Wyoming, à TV ABC.
A saída militar havia sido acordada pelo governo anterior, de Donald Trump. Em setembro de 2020, o republicano iniciou uma negociação com o Talibã, apontando para a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021. Biden deu sequência às tratativas e, em 14 de abril, anunciou que colocaria fim à operação no Afeganistão até a simbólica data de 11 de setembro de 2021. Em seguida, antecipou o prazo para 31 de agosto, o que encorajou o Talibã a avançar rapidamente.
O presidente tem tentado indicar que apenas seguiu os planos de Trump, mas é questionado por opositores e especialistas pela falta de planejamento na retirada, que abriu caminho para o grupo fundamentalista retomar o comando do país e que deixou milhares de afegãos que ajudaram os EUA para trás.
O governo americano também precisa definir seus próximos passos, como a forma como se relacionará com o Taleban a partir de agora. A questão mais urgente é lidar com o grande número de afegãos que tenta deixar o país, com medo de que o novo governo retome políticas fundamentalistas, como a proibição de que mulheres possam estudar e trabalhar fora de casa.
Nesta segunda, o secretário de Estado, Antony Blinken, conversou com os ministros de Relações Exteriores de China e Rússia sobre a situação no Afeganistão. Os dois países sinalizaram que planejam ter relações diplomáticas com um governo afegão comandado pelo Taleban.
Em uma tentativa de passar uma imagem de moderação, Suhail Shaheen, porta-voz do Taleban, escreveu em uma rede social que o grupo tem ordem para não atacar a população. "A vida, a propriedade e a honra não podem ser feridas e deverão ser protegidas pelos mujahedins [guerrilheiros islâmicos]", afirmou.
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