Pressionado por aliados a estender o prazo da evacuação de ocidentais e aliados de Cabul, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, decidiu manter o limite da presença de forças americanas no Afeganistão em 31 de agosto.
A decisão foi vazada pela Casa Branca à agência Reuters enquanto o americano se preparava para discutir a situação numa reunião virtual do G7 nesta terça (24), clube das economias mais desenvolvidas do mundo.
Pesou na conta a renovação das ameaças do Talibã, que retomou o poder na esteira da decisão de Biden de cumprir o acordo de paz com o grupo e retirar suas tropas do Afeganistão após 20 anos.
Em uma entrevista coletiva, o porta-voz Zabihullah Mujahid disse que o grupo não toparia a extensão. Nem ele nem os EUA comentaram, mas agências de notícia relataram um encontro na segunda (23) entre o diretor da CIA, William Burns, com o principal líder talibã em Cabul, Abdul Ghani Baradar.
Mujahid reafirmou o tom ameaçador do grupo na véspera e acrescentou que os EUA deveriam parar de ajudar "afegãos com qualificações" a deixar o país. Mais que isso, afirmou que o grupo iria impedir acesso de civis ao aeroporto.
O diálogo travado com os americanos, esperado após duas décadas de guerra, parece insolúvel. Mujahid ainda voltou a prometer que as pessoas aglomeradas perto do aeroporto de Cabul não sofreriam represálias na sua volta para casa. "Nós garantimos sua segurança", disse.
Os talibãs tomaram a capital no domingo retrasado (15), após conquistarem praticamente todo o país em duas semanas.
A saída havia sido ordenada pelo presidente Joe Biden em abril, encerrando os 20 anos da mais longa guerra americana, iniciada para punir o Talibã, que governava o Afeganistão desde 1996 e dava guarida aos terroristas da Al Qaeda que perpetraram os ataques do 11 de Setembro.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, havia convocado a reunião porque queria mais tempo para a retirada. Tinha apoio da Alemanha. Mas já na manhã da terça seu secretário de Defesa, Ben Wallace, havia jogado a toalha e dito que a mudança era improvável.
Enquanto isso tudo se desenhava, as forças ocidentais aceleraram a retirada em Cabul. Segundo o Pentágono, foram 21.600 pessoas evacuadas da segunda até a manhã de terça, 8.900 delas em aviões de países aliados.
Com a ameaça talibã, contudo, parece cada vez mais improvável que civis que trabalharam para os ocidentais ou adversários do grupo consigam todos deixar o Afeganistão.
O aeroporto de Cabul e seu entorno é palco de uma crise humanitária, com um transe de 15 mil pessoas à sua volta, esperando uma oportunidade de participar da caótica evacuação.
Ao menos 21 pessoas já morreram, baleadas, pisoteadas ou mesmo caindo do trem de pouso de um avião em decolagem. É um desastre de imagem que Biden não esperava e que terá dificuldade para contornar.
Ainda nesta terça, a alta comissária das Nações Unidas para direitos humanos, Michelle Bachelet, acusou nesta terça o Talibã de uma série de violações na área, como execuções sumárias e perseguições a adversários e mulheres.
A ex-presidente chilena, contudo, não apresentou provas ou evidências, e sim citou "relatos críveis" em sua fala no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, segundo agências de notícias.
A esta altura da crise no Afeganistão, apenas pouco mais de uma semana da queda do governo e da volta ao poder do grupo fundamentalista islâmico, não haveria de ser muito diferente.
O país ainda tem um pequeno bolsão de resistência ao Talibã, no vale do Panjshir, e a Cabul está submersa no caos do aeroporto.
Como diversos órgãos de mídia, inclusive a Folha, relataram ao longo dos dias, há um clima de terror entre potenciais alvos dos talibãs na capital e outras partes do país, apesar das promessas conhecidas do grupo de anistia geral.
Um jornalista que segue escondido com a família nos arredores da cidade contou, por meio de mensagens eletrônicas, a mesma história dita por Bachelet na Suíça: os talibãs estão fazendo buscas casa a casa atrás de pessoas que colaboraram com os ocidentais, particularmente tradutores, e também de alguns membros do antigo governo.
Por óbvio, a chilena evidenciou o risco para as mulheres, principais vítimas do regime brutal do grupo nos anos 1990, devido à sua leitura estrita e desviante do Alcorão e uma aplicação literal da sharia, a lei islâmica.
"Há graves preocupações pela mulheres, jornalistas e pela nova geração de líderes da sociedade civil", afirmou ela. A assembleia ouviu também Nasir Ahmad Andisha, embaixador do governo deposto junto aos organismos internacionais em Genebra, que reiterou os temores.
Na frente dos adversários americanos na crise, a China nesta terça disse que a confusão em Cabul é responsabilidade dos militares americanos. E o presidente Vladimir Putin disse que nunca empregaria tropas russas no país pois "aprendeu a lição" dos dez anos de ocupação fracassada dos soviéticos no Afeganistão (1979-89).
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta