Enquanto tateia em sua conflituosa relação com a China e a Rússia, o novo governo americano de Joe Biden envia sinais de prontidão militar para os rivais, visando demarcar território.
Não que haja qualquer perspectiva de confronto no curto prazo. Mas novos governos nos EUA costumam ser testados por seus adversários acerca de sua disposição para o jogo usual de provocações mútuas.
Assim, a Força Aérea dos EUA anunciou o envio nesta semana de quatro bombardeiros B1-B para a base de Orland, na Noruega.
Por três semanas, os aparelhos e 200 homens treinarão com a Aeronáutica local bem mais ao norte, no Círculo Polar Ártico, que Moscou considera como uma zona estratégica prioritária sua -cerca de 25% de seu Produto Interno Bruto vem da extração de gás e petróleo dessa região.
Os B1-Bs já voaram na Noruega, mas é a primeira vez serão empregados numa área tão setentrional, o que implica outro recado. O jato é o único bombardeiro estratégico, que carrega armas nucleares, supersônico do arsenal americano, e foi desenhado para penetração rápida no espaço aéreo da antiga União Soviética.
O Ártico é o ponto mais próximo para uma incursão dessas, embora obviamente a presença do equipamento lá seja apenas um lembrete, não uma ameaça direta.
Moscou passou o recibo como em outras ocasiões, anunciando na terça (9) que dois bombardeiros estratégicos Tu-160, modelos similares mas muito maiores que o B1-B, voaram sobre águas entre a Noruega e a Groenlândia. E um avião-radar A-50 passou a operar em Murmansk, a capital do Ártico, dois dias antes.
A Rússia é apontada em um documento do Pentágono de dezembro como uma ameaça militar de primeira linha, não menos pelo fato de manter um arsenal nuclear comparável ao americano. Vive em tensão constante em suas fronteiras com a Otan, aliança militar liderada por Washington.
Logo na largada do governo, Biden sinalizou uma trégua na difícil relação com Moscou ao aceitar a extensão protelada pelo antecessor, Donald Trump, do principal acordo de limitação de mísseis com ogivas atômicas entre os dois países.
Ao mesmo tempo, contudo, elevou o tom de críticas políticas devido à prisão do líder opositor Alexei Navalni, que voltara à Rússia após ser tratado por um envenenamento que ele acusa ter sido obra do Kremlin.
Biden já conversou ao telefone com o presidente Vladimir Putin, e a flexão dessa musculatura militar no Ártico, além das ações já em curso no mar Negro e no mar Báltico, fazem parte dessa dinâmica de não parecer fraco ante o adversário.
O mesmo ocorre com a China, apontada no mesmo estudo não só como uma ameaça militar, mas principalmente estratégica, por rivalizar economicamente com os EUA –algo que a Rússia não está nem perto de fazer.
Também na terça (9), a Marinha americana iniciou um raro exercício com dois grupos de porta-aviões no mar do Sul da China. Pequim considera 85% da região, que concentra suas vitais rotas comerciais marítimas, sua.
Para tanto, militarizou rochas e criou ilhas artificiais em toda a zona. Os EUA costumeiramente desafiam essa noção de soberania, condenada abertamente pela primeira vez em 2020, enviando navios para o que chama de operações de liberdade de navegação.
Como o nome diz, trata-se de asseverar que as águas são internacionais, como determinou as Nações Unidas num julgamento de disputa entre Filipinas e China que Pequim não reconhece.
Há duas semanas, o grupo de porta-aviões liderado pelo USS Theodore Roosevelt já havia entrado no mar do Sul da China, logo depois da posse de Biden. Agora, está acompanhado pelo grupo do USS Nimitz. Ao todo, são os dos gigantes de propulsão nuclear, cada um com cerca de 90 aviões, mais seis navios de guerra.
A última vez em que exercícios militares duplos do tipo aconteceram na região foi em junho passado, no auge das tensões pelas críticas americanas ao que chamam de expansionismo da ditadura comunista. Para completar, um submarino de ataque nuclear francês também opera na área.
Trump criou a chamada Guerra Fria 2.0 contra o governo liderado por Xi Jinping ao longo de seu mandato, estimulando contenciosos em diversas áreas: da prevalência do fornecimento de redes 5G à guerra tarifária, passando pelo manejo da pandemia e a questão da autonomia tolhida de Hong Kong.
Tudo isso foi temperado pelo aquecimento da retórica militar de lado a lado. Os chineses denunciam as atitudes americanas como beligerantes e negam intenções que não sejam de defesa de soberania nacional, ainda que Xi tenha aumentado seu controle sobre as Forças Armadas.
A resposta usual a essas movimentações são os constantes exercícios aeronavais de Pequim na região e a crescente tensão em torno da ilha de Taiwan, que é independente na prática mas considerada uma província rebelde pelos chineses.
Na semana retrasada, o Ministério da Defesa chinês disse claramente que um pedido formal de independência de Taipé significaria guerra, um tom acima do já frequentemente duro aplicado às relações entre os países.
Os EUA, apesar de reconhecerem a política chinesa de considerar só haver uma China, apoiam os taiwaneses com armas e a promessa de defesa em caso de invasão.
Como no caso russo, a movimentação visa dar uma sinalização a Xi de que os EUA manterão a linha dura na região, ainda que mudem o tom belicoso explícito de Trump. Biden disse na sexta (5) à rede CBS que "não havia motivo para ligar" para o líder chinês, mas negou buscar conflitos.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta