Em Washington, uma bandeja de bifes no supermercado dificilmente custa menos de US$ 10 (R$ 54). Um Big Mac, com acompanhamentos e taxas, está na mesma faixa de preço. O governo de Joe Biden tem achado esses valores muito caros, e decidiu intervir para tentar aumentar a competição no mercado de carne.
Desde dezembro de 2020, o preço da proteína bovina para consumo doméstico subiu 14%, a de porco 12,1%, e a de aves, 6,6%, segundo dados do governo americano. Isso impacta a inflação dos alimentos em geral, o que pode atrapalhar a retomada econômica no pós-pandemia.
A Casa Branca apontou os grandes frigoríficos como culpados pela alta. Os quatro principais nomes do setor são as americanas Cargill e Tyson Foods, a JBS, de origem brasileira, e a National Beef, controlada pela também brasileira Marfrig. Juntos, respondem por 55% a 85% do mercado americano de carne, dependendo do tipo de origem animal, e estão aumentando os preços ao cliente final, embora os preços pagos aos fazendeiros tenham se mantido.
"Os processadores de carne estão gerando lucros recordes durante a pandemia, à custa dos consumidores e fazendeiros. O preço do bife subiu muito mais do que o preço de compra dos animais", acusou o governo, em um comunicado.
A gestão Biden também destaca que os frigoríficos dos EUA têm batido recordes históricos nas margens de lucro, que têm chegado a 18%, ante 12% antes da pandemia, e que só a JBS gerou US$ 2,3 bilhões (R$ 12,5 bilhões) em dividendos em 2020.
A Casa Branca anunciou medidas, como o reforço nas investigações e ações judiciais contra empresas suspeitas de combinar preços. Em um desses processos, em fevereiro, o Pilgrim's Pride, parte do grupo JBS, se declarou culpado e teve de pagar uma multa de US$ 107 milhões (R$ 579,6 milhões) por participar de uma conspiração nacional para fixar preços de frango e dificultar a concorrência. A investigação segue em andamento.
Em outra frente, o governo prometeu US$ 1,4 bilhão (R$ 7,6 bilhões) para ajudar pequenos produtores, processadores e distribuidores de carne. Além disso, o Departamento de Agricultura investirá mais US$ 500 milhões (R$ 2,7 bilhões) em recursos para ajudar novos competidores que queiram entrar nesse mercado, a serem gastos em empréstimos e assistência técnica.
Haverá também apoio para produtores afetados por problemas ambientais, como as secas e queimadas que atingem o oeste e o meio-oeste do país.
As empresas dizem que a alta de preços não é culpa da forma como trabalham, mas sim da alta na demanda e da dificuldade em encontrar funcionários para cobrir os turnos nos frigoríficos e fábricas.
"Com a pandemia, tivemos um absenteísmo significativo. Isso gerou queda drástica na capacidade de operar, o que levou a um excesso de oferta de gado e à falta de oferta de bife, enquanto a demanda por produtos de carne estava em uma alta histórica. Com isso, o preço do gado caiu, enquanto o preço do bife subiu", disse Shane Miller, presidente da Tyson Fresh Meats, em uma audiência no Senado dos EUA, no fim de julho, na qual executivos foram chamados para explicar a subida de preços.
Miller ressaltou que o ciclo de criação de gado, do nascimento ao abate, leva cerca de três anos. Assim, se os frigoríficos param de comprar animais subitamente, gera-se um excedente. "Os fornecedores de animais não podem simplesmente 'desligar' o suprimento porque o mercado demanda menos", disse.
O presidente da Tyson disse esperar que a indústria consiga retomar seu ritmo normal à medida que os trabalhadores voltarem a atuar em ritmo normal. Para atrair mais funcionários, as empresas estão pagando a partir de US$ 22 por hora de expediente -o salário mínimo federal é de US$ 7,25 por hora, e oferecendo mais benefícios.
O executivo criticou a ideia de ampliar a participação de frigoríficos menores no mercado. "Trabalhamos com milhares de pequenos negócios, mas ter os americanos dependendo apenas de uma rede de pequenos processadores criaria ineficiência no sistema e as famílias pagariam muito mais por sua carne", alertou Miller.
A JBS também defende o modelo em vigor. "A eficiência do sistema atual, cuja estrutura teve poucas mudanças significativas nos últimos 25 anos, permite aos americanos gastar uma parte menor de sua renda em comida do que em qualquer outro país do mundo e a ter alguns dos menores preços de proteínas entre os países desenvolvidos", disse a empresa, em nota. Procurada pela reportagem, a Marfrig não quis se pronunciar.
"Nos últimos três meses, tivemos encontros com autoridades da Casa Branca e do Departamento de Agricultura, nos quais houve discussões robustas, mas em nenhum deles os funcionários do governo sugeriram que a alta de preços ocorria por causa da estrutura da indústria", disse Julie Anna Potts, presidente do Meat Institute, entidade que reúne empresários do setor de carne, em uma carta pública divulgada na terça (14).
Kevin Grier, consultor do mercado de carne norte-americano há 25 anos, avalia que as medidas do governo Biden não terão efeito nos preços. Para ele, os valores só baixarão conforme houver mudanças na demanda e mais gente se dispor a trabalhar nos frigoríficos, o que pode ocorrer conforme os pagamentos emergenciais criados na pandemia vão sendo retirados.
"Com o dinheiro extra vindo dos auxílios, muitas famílias que compravam coxas de frango passaram a levar bifes. A principal razão para a alta dos preços é a demanda estar muito forte, e as medidas anunciadas pela Casa Branca [para intervir no setor] não terão como mudar isso", avalia.
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