Se é verdade que os destinos de Donald Trump e Jair Bolsonaro se espelharam por anos, 2025 tem o potencial de marcar uma clara cisão entre o futuro de ambos.
Trump e Bolsonaro se elegeram à presidência de EUA e Brasil, respectivamente em 2016 e 2018, com agendas populistas de direita. Perderam suas tentativas de reeleição em 2020 e 2022, mas não aceitaram o resultado.
E foram a motivação política por trás de ataques históricos ao coração do poder de seus países, com os assaltos ao Capitólio americano em 6 de janeiro de 2021 e à Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Agora, quando Estados Unidos e Brasil relembram os dois icônicos ataques, Trump está prestes a reassumir a Casa Branca e praticamente livre de constrangimentos judiciais.
Exatos quatros anos após os ataques de seus apoiadores ao Congresso - que naquele dia certificava a vitória do democrata Joe Biden - agora é Donald Trump quem terá seu triunfo eleitoral confirmado pelos congressistas americanos neste 6 de janeiro de 2025.
Já Bolsonaro está inelegível e há poucas semanas foi formalmente indiciado pela Polícia Federal (PF) por suposto envolvimento em uma trama de golpe de Estado, que culminou nos atos daquele dia 8, em Brasília.
É provável que o ex-presidente brasileiro acabe indiciado e enfrente um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda em 2025. Se condenado, a sentença poderá incluir tempo de prisão.
Assim como Bolsonaro, Trump também se viu às voltas com a Justiça depois de encerrado seu primeiro mandato.
Eram quatro casos criminais distintos - e em um deles ele chegou a ser considerado culpado por um tribunal do júri antes das eleições presidenciais americanas de 2024, convertendo-se no primeiro ex-presidente da história do país a ser criminalmente condenado.
Mas, paralelamente aos casos, uma decisão da Suprema Corte garantiu a Trump (e a demais presidentes americanos) imunidade criminal em relação a atos oficiais cometidos durante o mandato.
Somado a essa decisão, o resultado das urnas que confirmou seu retorno à Casa Branca alterou de modo significativo a dinâmica desses processos legais.
O ex-promotor federal Neama Rahmani disse à BBC que, do ponto de vista constitucional, "está bem estabelecido que um presidente em exercício não pode ser processado".
Trump não deve mais enfrentar qualquer julgamento - pelo menos até o final de seu segundo mandato, em janeiro de 2029.
Ele ainda será sentenciado no próximo dia 10 de janeiro, apenas dez dias antes da posse, no caso pelo qual já foi julgado.
O juiz do caso, no entanto, já adiantou que não determinará para Trump tempo atrás das grades e indicou que uma sentença de "dispensa incondicional" – ou seja, sem custódia, multa financeira ou liberdade condicional – seria "a solução mais viável".
No início de 2024, Trump enfrentava quatro casos criminais - dois na esfera federal e dois na estadual (Geórgia e Nova York) - em diferentes estágios de processo investigativo e judicial.
Juntos, os quatro processos representavam mais de 90 acusações criminais diferentes contra o republicano.
O próprio Trump chegou a acusar repetidas vezes os procuradores e promotores de agir politicamente motivados já que parte das acusações e ações das autoridades contra ele só se materializaram em 2024, durante a campanha eleitoral, poucos meses antes que ele fosse escolhido pelos eleitores americanos nas urnas como o próximo presidente do país.
Alguns atrasos nos procedimentos judiciais contra Trump se explicam por motivos diferentes em cada caso.
Mas mesmo considerando-se as particularidades de cada ação, é difícil dizer que os casos contra Trump foram mais morosos ou mais céleres que a média.
Uma pesquisa da Universidade de Syracuse com dados de 2022 mostrou que casos de colarinho branco, como os de Trump, levam em média 3,6 vezes mais tempo para serem processados do que os demais processos judiciais federais. Na média, são 452 dias entre os procedimentos de investigação e de acusação formal.
Os dois casos federais contra Trump, liderados pelo Conselheiro Especial do Departamento de Justiça, Jack Smith - cuja atuação é semelhante à de um procurador - levaram cerca de 490 dias para se completarem, muito próximos à média aferida pela pesquisa.
No Brasil, em que pese o indiciamento de Bolsonaro pela PF, o ex-presidente ainda não foi formalmente denunciado por nenhum dos crimes de que é acusado pelo departamento.
Procuradores tentam finalizar os casos antes do fim de 2025, para evitar que um eventual julgamento criminal avance para 2026, ano eleitoral.
Já a inelegibilidade de Bolsonaro foi resultado de um processo no âmbito da Justiça Eleitoral, reconhecidamente mais rápida que a criminal. A instituição da Justiça Eleitoral não existe nos EUA.
Em seu primeiro processo criminal federal, Trump era investigado por supostamente conspirar para reverter a derrota eleitoral à presidência em 2020 - incluíndo-se aí o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro.
O ineditismo da situação levou a um debate entre o FBI e o Departamento de Justiça sobre se e quando Trump e seus auxiliares deveriam ser diretamente investigados pela insurreição de trumpistas no Capitólio.
A atuação do Departamento de Justiça, responsável por investigar ex-presidentes nos EUA, também teria sido impactada pela sensibilidade política da ação e pelo histórico recente de acusações de uso político do órgão, como no caso da investigação de possível interferência russa nas eleições presidenciais de 2016 ou do inquérito sobre o uso de servidores privados por Hillary Clinton, ex-secretária de Estado e candidata democrata à presidência em 2016, para troca de informações governamentais sensíveis.
Segundo investigação do jornal americano The Washington Post, transcorreu-se mais de um ano desde o 6 de janeiro até que Trump entrasse formalmente na mira dos investigadores.
As autoridades americanas optaram por - em um primeiro momento - investigar, denunciar e julgar aqueles fisicamente envolvidos no ataque e na depredação do Congresso.
Em março de 2022, Guy Wesley Reffitt, um homem de 49 anos do Texas, se tornou o primeiro condenado por participação no ataque ao Congresso. De lá pra cá, mais de mil pessoas já foram indiciadas e se declararam culpadas no episódio de ataque ao Capitólio.
Ao longo da campanha, Trump prometeu perdão judicial a todos eles.
Além disso, foi apenas em dezembro de 2022 que a comissão da Câmara dos Representantes que investigava o 6 de janeiro indicou que Trump deveria ser formalmente investigado e processado pelo Departamento de Justiça.
O julgamento do ex-presidente jamais chegou a ser agendado.
No segundo caso federal contra Trump, ele foi acusado de descumprir a Lei de Segurança Nacional ao levar para sua residência particular, no resort de Mar-a-Lago, documentos classificados como secretos ou ultrassecretos da presidência dos EUA.
O Arquivo Nacional dos EUA levou mais de um ano para descobrir - e reportar às autoridades - que a documentação oficial do período Trump estava incompleta.
A recuperação de parte das dezenas de caixas de documentos envolveu uma operação de busca e apreensão do FBI, a polícia federal americana, na casa do ex-presidente, em agosto de 2022 - mais de um ano e meio depois da saída de Trump do poder.
Nos dois casos, Trump sempre sustentou que era alvo de perseguição judicial politicamente motivada e que não havia nada de ilegal em suas condutas.
Já nas esferas estaduais, Trump chegou a ser levado ao Tribunal do Júri pela promotoria de Nova York, acusado de fraudar registros contábeis de campanha ao lançar como honorários advocatícios o pagamento, em 2016, pelo silêncio da atriz pornô Stormy Daniels, que ameaçava tornar público um suposto episódio íntimo entre ambos.
O republicano sempre negou o envolvimento com Daniels e os pagamentos irregulares, mas, por unanimidade, os jurados decidiram, em maio de 2024, que Trump era culpado.
Este é o caso mais antigo contra o presidente, cujos detalhes já eram extensamente conhecidos desde 2018.
Mas a promotoria de Nova York evitou seguir com o processo enquanto Trump estava no poder e, depois de sua partida da Casa Branca, o promotor responsável pela acusação optou por não denunciá-lo.
Em parte, segundo uma reportagem investigativa do jornal The New York Times, a promotoria nova-iorquina teria dúvidas sobre a validade da colaboração de Michael Cohen, um importante ex-auxiliar de Trump que ajudava a dar sustentação à denúncia contra ele.
Cohen não apenas confirmava as acusações da promotoria contra Trump, como dizia que ele próprio havia feito o pagamento - então de US$130 mil - a Daniels, por ordem do republicano.
Cohen, porém, já havia sido condenado por fraude bancária e fiscal e era visto como uma figura de baixa credibilidade pelos investigadores, já que ele mesmo confessara ter mentido antes em depoimentos.
A mudança na titularidade da promotoria de Nova York, em janeiro de 2022, no entanto, abriu novos debates dentro da procuradoria e ressuscitou o caso contra o ex-presidente, denunciado em março de 2022.
O Tribunal de Júri levaria mais um ano e dois meses para acontecer - e confirmar a condenação.
O anúncio da sentença, no entanto, só será feito no próximo dia 10 de janeiro.
O último caso estadual contra Trump, na Geórgia, o acusa de tentar reverter o resultado da eleição presidencial de 2020 naquele Estado.
O estopim foi o vazamento de um telefonema no qual o ex-presidente pedia ao principal funcionário eleitoral da Geórgia que "encontrasse 11.780 votos" a seu favor, o suficiente para reverter a estreita margem de vitória de Biden e virar o jogo para o republicano no Colégio Eleitoral.
O ex-presidente sempre negou que houvesse qualquer irregularidade na ligação telefônica. Embora tenha sido indiciado, uma data de julgamento jamais chegou a ser agendada.
A vitória de Trump nas urnas significou não apenas um triunfo político mas também uma reviravolta na situação judicial dele.
Algumas horas depois do anúncio do resultado da eleição de 5 de novembro, Gregory Germain, professor de Direito da Universidade de Syracuse, fazia a previsão, em um artigo na página da universidade: "É claro que os processos federais movidos por Jack Smith não continuarão, mesmo que Trump não conceda a si mesmo o perdão presidencial ou substitua Smith no cargo por uma alternativa leal à ele (o que Trump disse textualmente que faria)".
Foi exatamente o que aconteceu. Antes do fim de novembro, Smith requisitou que os dois casos fossem arquivados pelo Judiciário, mas com a possibilidade de serem reapresentados depois que Trump terminar seu segundo mandato como presidente.
"Este resultado (o arquivamento) não se baseia no mérito ou na força do caso contra o réu", escreveu Smith em sua petição no caso da tentativa de golpe eleitoral, indicando que segue vendo Trump como artífice de uma trama golpista.
Segundo Germain, o posicionamento de Smith estaria justificado e alinhado a dois pareceres do Departamento de Justiça, um de 1973 e outro de 2000, que determinaram que um presidente em exercício não pode ser indiciado, processado ou preso por uma ação criminal enquanto estiver no cargo.
O Departamento baseou ambas as decisões nos princípios constitucionais da separação de poderes – sustentando que a investigação, acusação ou prisão de um presidente em exercício permitiria que um dos poderes do governo (o Judiciário) interferisse diretamente em outro (o Executivo).
"Os posicionamentos se aplicam igualmente a processos federais e estaduais", opina Germain, embora a Constituição não seja explícita sobre isso.
Em meados de 2024, motivada por um questionamento de Trump, a Suprema Corte também determinou que o ex-presidente não poderia ser processado por "atos oficiais" praticados durante o mandato.
Os advogados do republicano sustentam que o telefonema às autoridades eleitorais da Geórgia seria um exemplo de ato pelo qual ele teria total imunidade.
Em que pese o fato de que ex-aliados do republicano tenham se declarado culpados no caso de tentativa de subversão eleitoral da Geórgia, o processo está atualmente paralisado e é altamente improvável que Trump enfrente julgamento até o final de seu próximo mandato.
Em meados de dezembro, a promotora responsável pela acusação foi retirada da ação sob alegações de conflito de interesse, em uma nova vitória para Trump.
Dos quatro casos que o republicano enfrentava, somente um foi julgado.
E na última sexta-feira, o juiz Juan Merchan, responsável pela ação, decidiu que dará a sentença a Trump em 10 de janeiro, apenas 10 dias antes da posse. Mas já assegurou que não deve condenar Trump a qualquer pena de prisão, embora esta fosse originalmente uma possibilidade.
Uma sentença de "dispensa incondicional" – ou seja, sem custódia, multa ou liberdade condicional – foi recomendada pelo juiz Merchan como "a solução mais viável".
Para Germain, além das vitórias judiciais em si, o resultado também deve trazer a Trump vantagem narrativa para moldar a percepção para o público americano em geral de ter sido alvo de uma caça às bruxas, o que o republicano repetiu à exaustão nos últimos anos.
As autoridades investigativas sempre negaram qualquer motivação política em seus atos.
Steven Cheung, um dos porta-vozes de Trump, disse em um comunicado em dezembro que a eleição de Trump foi um "mandato" do povo americano, que "exigiu o fim imediato da transformação política de nosso sistema de justiça em armas e uma rápida rejeição de todas as caças às bruxas contra ele".
Em mais um sinal de força narrativa política, quatro anos após as cenas históricas de insurreição no Capitólio dos EUA, alguns dos condenados que atualmente cumprem pena pelos atos já chegaram a pedir à Justiça sua libertação condicional para participarem in loco da posse de Trump, no mesmo prédio, em 20 de janeiro.
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