A quarta onda que assusta a Europa neste final de ano pode chegar ao Brasil daqui a alguns meses? Brasileiros podem tirar alguma ligação da situação europeia e evitar que o país vá pelos mesmos trilhos?
A primeira lição, segundo especialistas, é a de que, assim como o continente europeu, o Brasil tem grande diversidade regional e nenhuma conclusão ou medida valerá para todos.
"É preciso acompanhar o mais de perto possível cada região, para perceber um aumento no contágio, entender o que o está causando e agir de forma apropriada", afirmou nesta quinta (25) o diretor-executivo da OMS (Organização Mundial da Saúde), Michael Ryan.
Segundo ele, a capacidade de analisar com rapidez os microdados é uma das armas que está permitindo ao Reino Unido evitar restrições gerais mais duras, como as adotadas recentemente na Holanda e na Áustria.
Outra ação fundamental para barrar maiores estragos da pandemia é ampliar o máximo possível a porcentagem de vacinados e, onde a campanha já está avançada, reforçar a imunização da população a cerca de seis meses depois da vacinação completa, diz Raghib Ali, pesquisador clínico sênior da Unidade MRC de Epidemiologia da Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Nesse ponto, diz ele, os próprios governos europeus já poderiam ter aprendido a lição com Israel, "que sofreu uma forte quarta onda há alguns meses, controlada com os reforços de vacinação", em agosto deste ano.
Diferentemente de alguns países europeus onde os cidadãos relutam em tomar as injeções contra Covid, Israel tinha uma porcentagem considerável de imunizados, mas mesmo 20% ou 30% restantes são suficientes para manter a circulação do patógeno, principalmente da variante delta, mais contagiosa.
Além disso, as evidências apontam que a proteção contra infecção oferecida pela vacina cai consideravelmente com o tempo, pondera Ali.
Essa redução varia de acordo com o fabricante - no caso da Pfizer, por exemplo, a proteção contra o contágio cai para 20% após cinco meses, segundo o pesquisador.
É isso que explica o repique de casos mesmo em países que superaram 75% da população total completamente imunizada, como a Bélgica e a Irlanda, afirma ele.
A vacinação de crianças a partir de 5 anos de idade, autorizada nesta quinta (25) pela agência regulatória europeia, também pode ajudar a conter a pandemia, diz Jeremy Rossman, professor de virologia da Universidade de Kent (Reino Unido).
"Embora seja improvável que esta onda esteja sendo causada por crianças, estamos vendo um número recorde delas infectadas. Embora, em comparação com adultos, os pequenos tenham menor risco de infecção, uma vez contaminadas podem transmitir o vírus", diz o professor.
Ali também levanta a hipótese de que países que sofreram mais durante a primeira onda de Covid, como Itália e Espanha, possam estar agora se beneficiando também da imunidade natural desenvolvida pelos que se recuperaram da doença - o que, em tese, pode acontecer também no Brasil.
O efeito, porém, é difícil de estimar, porque apenas o Reino Unido faz esse acompanhamento de forma sistemática. O levantamento do último mês indicou que 97% dos habitantes do país possuem anticorpos contra o Sars-Cov-2, parte deles por terem entrado em contato com o patógeno, diz Ali.
Outra lição para governantes que querem evitar uma quarta onda é não retirar de forma abrupta as restrições à circulação e ao contato quando o número de casos e mortes estiver baixando, afirma a líder técnica da OMS Maria van Kerkhove.
"As medidas precisam ser ajustadas lentamente, levando em conta todas as informações epidemiológicas, a porcentagem de vacinados, a proteção dos mais vulneráveis e, principalmente, comunicando-se de forma clara com a população", afirma ela.
O relaxamento das regras não pode significar também uma redução da vigilância, diz Van Kerkhove. "A pandemia é dinâmica, o coronavírus está à espreita para aproveitar novas brechas, e, se isso acontecer, é preciso detectar e corrigir os rumos."
"No geral, o que o Brasil pode aprender com a experiência atual da Europa é que você não pode contar apenas com a proteção da vacinação e da infecção prévia", afirma Rossman. Segundo ele, medidas adicionais de saúde pública ainda são necessárias e, sem elas, a chance de outra onda de infecções cresce - uma recomendação também defendida pela Organização Mundial da Saúde.
"Da mesma forma que colocamos o cinto de segurança ao dirigir, devemos rotineiramente lavar as mãos, usar máscara em espaços fechados ou lotados, cobrir tosses e espirros e manter distância de outras pessoas para proteger uns aos outros", afirmou a entidade.
Reduzir o contágio, e não só as hospitalizações, é importante para evitar o risco de mutações, de casos de Covid longa, ainda não suficientemente estudados, e de doenças graves ou mortes dos que não podem ser vacinados - o que inclui crianças, que, apesar do menor risco, também podem adoecer gravemente.
Rossman afirma que há evidências de que o uso de máscaras faciais em ambientes internos "é muito eficaz na minimização da infecção" e evita fechamentos e confinamentos, mas todas essas práticas levam algum tempo para mostrar resultados.
"Começar cedo a combinação de vacinação, testes, uso de máscaras, restrição a aglomeração e comunicação permite evitar o pico de infecções e eliminar a necessidade de bloqueios", diz o professor.
Rossman diz que, embora a taxa de vacinação do Brasil não seja baixa e o país já esteja aplicando doses de reforço, não há ainda garantias de que se evite uma quarta onda sem medidas adicionais de proteção. Além disso, há o risco de uma mutação que escape do efeito da imunização.
"Simplesmente não podemos confiar em apenas uma medida. Quanto mais camada preventivas sobrepusermos e quanto mais reconhecermos que a pandemia ainda continua, melhor será", afirma Rossman.
1 - Medidas de saúde pública
2 - Medidas individuais
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