Sexta, 29 de outubro, 2h46: "O avião do presidente pousou em Roma às 2h24. Ele desembarcou às 2h36. Vestia um terno escuro e uma gravata azul. A primeira-dama usava um vestido vermelho e calçava sapatos de salto da mesma cor. Antes de entrar no carro, o presidente conversou com auxiliares que o esperavam na pista".
Sexta, 29 de outubro, 16h22: "Presidente, o papa abençoou seu rosário? / Sim / O que falaram sobre clima? / Sobre a necessidade e a responsabilidade moral que temos de lidar com isso / A questão do aborto surgiu? / Surgiu. Ele disse que estava feliz por eu ser um bom católico e eu deveria continuar recebendo a comunhão. / O papa lhe deu comunhão hoje? / Não".
Sábado, 30 de outubro, 14h58: "Informação de contexto: Todos os líderes se manifestaram em apoio a um imposto mínimo global. O presidente mencionou que, embora não concordemos em todas as questões, podemos abordar os interesses comuns".
Domingo, 31 de outubro, 19h23: "Lembrete: daqui a dois minutos começa a entrevista coletiva do presidente".
Segunda, 1º de novembro, 10h40: "Na partida, o presidente foi recebido no aeroporto por diplomatas. Acenou do topo da escada e embarcou às 9h08. Estamos rumando para a decolagem às 9h16".
Do momento em que o americano Joe Biden desembarcou do Air Force 1 em Roma, na madrugada da última sexta (29), àquele em que voltou ao avião presidencial, na manhã de segunda (1º), jornalistas inscritos na lista de informações da Casa Branca receberam 73 e-mails dos assessores para orientá-los na cobertura.
Durante a cúpula do G20, que aconteceu na capital italiana neste final de semana, a relação do governo dos EUA com a mídia --e com a opinião pública-- contrastou com a do governo brasileiro.
Agendas detalhadas, resumos de encontros e reuniões bilaterais, transcrições de entrevistas e até o cardápio das refeições era compartilhado com os repórteres a uma média de quase uma nova informação por hora.
No mesmo período, 11 mensagens de Whatsapp foram enviadas aos jornalistas brasileiros que viajaram a Roma para cobrir a viagem do presidente Jair Bolsonaro.
Dessas, apenas uma tratava de algo que tivesse sido dito por ele: um link para o texto do discurso da abertura da cúpula no sábado, publicado no site do governo algumas horas depois de ter sido lido pelo presidente.
A escassez de informação refletiu tanto a ausência de encontros importantes --durante o G20, Bolsonaro não teve nenhuma reunião bilateral com os líderes das 19 maiores economias do mundo ou com a União Europeia-- quanto a decisão do presidente de não se submeter a perguntas dos jornalistas.
A Presidência não agendou nenhuma entrevista coletiva formal ou informal durante o evento em Roma, um procedimento comum em viagens desse tipo, inclusive nas do próprio Bolsonaro no começo de seu governo.
Além da Itália, que sediou o G20, Canadá, Reino Unido, França e Espanha são alguns dos países que reservaram salas especiais para que seus líderes respondessem às perguntas dos jornalistas. Mesmo presidentes autoritários, como Recep Erdogan, da Turquia, prestaram contas: a coletiva do líder turco aconteceu às 17h30 do domingo, na sala Shakespeare.
O premiê canadense fez duas rodadas. "Nossas empresas gastam muito dinheiro para nos mandar aqui, e há uma expectativa de que o premiê esteja acessível para responder às perguntas feitas em nome da população canadense", afirmou o repórter Glen McGregor, da emissora CTV.
Segundo ele, é praxe que o líder de seu país faça ao menos uma entrevista coletiva formal ao final de eventos como estes, para explicar compromissos feitos e posições tomadas.
O presidente francês, Emmanuel Macron, que também responderia a perguntas da mídia na tarde de domingo, após a coletiva do italiano Mario Draghi, também fala rapidamente com os jornalistas todos os dias, segundo Olivier de Galzain, da Radio France.
Já Bolsonaro, além de duas frases ditas na chegada à embaixada em Roma, onde se hospedou, parou apenas uma vez para falar com parte dos repórteres que faziam plantão no local. Os outros, sem informação completa sobre a agenda do presidente, tentavam sair do local onde ocorria o G20, a 10 km de distância dali.
Houve duas outras conversas com jornalistas, mas uma foi para italianos. Na noite de sexta, ele fez um convite informal para jantar na embaixada aos repórteres das emissoras Record e CNN Brasil.
No domingo, enquanto os principais líderes europeus se reuniam na Fontana di Trevi, deu entrevista ao canal italiano SkyTV24, na qual atacou seu principal rival nas próximas eleições, o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Jornalistas brasileiros tentaram entrevistar o presidente quando ele saiu para caminhar pelas ruas de Roma na noite de domingo, mas foram afastados e agredidos por agentes de segurança à paisana, que não quiseram se identificar.
"Não te devo satisfação, rapaz", respondeu ao repórter do UOL que questionou sobre sua ausência na COP26, conferência climática considerada a mais importante desde o Acordo de Paris, em 2015.
Durante os três dias em que Bolsonaro esteve em Roma, a Secretaria de Comunicação da Presidência não respondeu a pedidos dos repórteres de que o presidente desse uma entrevista coletiva organizada, nem ao menos de que desse uma declaração sobre suas impressões das reuniões em que representou o Brasil.
A dificuldade de comunicação dos brasileiros destoa da de outras delegações. "Claro que há sempre uma tensão entre os jornalistas e a assessoria sobre quanto acesso os repórteres conseguem ter a ele. Jornalistas sempre querem mais. Mas a assessoria entende que precisa providenciar ao menos um acesso razoável a ele e a alguns de seus ministros", diz o canadense McGregor.
Segundo ele, há assessores encarregados de facilitar o acesso dos jornalistas ao premiê. Eles fornecem a agenda detalhada com dois dias de antecedência e fazem resumos das reuniões e conversas, embora muitos sejam considerados pelo repórter como "decepcionantes pela falta de detalhes". "Nessas horas, comparamos com o resumo feito pela equipe do líder com quem ele se encontrou."
O francês De Galzain afirma que, caso falte alguma informação sobre agenda ou posicionamento de Macron, seus assessores sempre respondem a pedidos de esclarecimento. "E fazem isso com rapidez."
No caso brasileiro, ao menos seis perguntas do jornal Folha de S.Paulo feitas diretamente à Secom --de detalhes da agenda a pronunciamentos sobre questões específicas-- foram ignoradas e telefonemas não foram atendidos.
Uma questão sobre quem eram os agentes que faziam a segurança do presidente quando jornalistas foram agredidos e sobre se o governo gostaria de se pronunciar sobre isso está sem resposta desde as 20h28 deste domingo.
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