Pesquisadores da Universidade de Rockfeller, em Nova York, nos Estados Unidos, identificaram duas pessoas que foram infectadas com variantes do coronavírus mesmo após receber as duas doses da vacina contra Covid-19.
Os casos foram descritos na última edição da revista NEJM (The New England Journal of Medicine).
A detecção das infecções com novas variantes só foi possível por causa da testagem conduzida no campus da universidade no início de março para o retorno às atividades presenciais, onde cerca de 1.400 funcionários e professores foram testados semanalmente.
Os cientistas descrevem que, nos dois casos, os sintomas foram brandos e passaram em três a seis dias após o início da infecção. Ainda, eles não descartam que os casos podem ter ocorrido entre a primeira dose e a dose de reforço, o que só reafirma a importância das duas doses para ter uma imunização completa.
Já é sabido que pessoas vacinadas podem ainda contrair o vírus e até mesmo desenvolver sintomas, mas as vacinas contra Covid-19 utilizadas em todo o mundo apresentam alta eficácia para proteção contra casos graves e óbitos, isto é, mesmo se não forem 100% eficientes contra a infecção (nenhuma é), a chance de desenvolver um quadro grave, ser hospitalizado e morrer após a vacinação é muito baixa.
Em ambos os casos identificados, essa chance era menor ainda, pois as duas vacinas utilizadas foram a da Moderna e da Pfizer/BioNTech, as duas com as taxas de eficácia global mais altas e com eficácia de 100% contra casos graves.
A primeira paciente, uma mulher de 51 anos sem nenhuma condição preexistente de maior risco para Covid-19, recebeu a primeira dose da vacina da Moderna no dia 21 de janeiro e, a segunda dose, em 19 de fevereiro.
De acordo com o estudo, ela seguiu os protocolos rígidos de medidas sanitárias e distanciamento. No dia 10 de março, 19 dias após receber a segunda dose, ela sentiu dor de garganta, dor de cabeça e congestão nasal. O teste com o resultado positivo saiu no mesmo dia e, no dia seguinte, ela já havia perdido o olfato.
Um exame de sangue da paciente tirado quatro dias depois do início dos sintomas apontou altos índices de anticorpos neutralizantes –provavelmente induzidos pela vacina, e não pela infecção.
A análise genética do vírus apresentou uma combinação das mutações E484K, del144 e D614G; a primeira mutação está presente também nas variantes sul-africana (B.1.351) e P.1, a segunda é compartilhada com a variante britânica (B.1.1.7), e a terceira foi a primeira mutação identificada em uma variante do vírus na China ainda em 2020.
Ainda, segundo uma análise filogenética feita pelos autores, a primeira paciente foi infectada com uma variante que fica entre a B.1.1.7 e a B.1.526 na árvore evolutiva do Sars-CoV-2.
No caso da paciente 2, uma mulher de 65 anos também sem histórico de doenças, ela recebeu as duas doses da vacina da Pfizer/BioNTech e apresentou os primeiros sintomas 36 dias após a segunda dose. Ela teve um quadro leve de Covid, apenas com congestão nasal, dor de cabeça e fadiga. A principal mutação identificada na análise foi a S477N, presente na variante de preocupação (VOC, na sigla em inglês) nova-iorquina, ou B.1.526.
Não foi possível determinar a relação da variante presente na paciente 2 com as demais variantes do vírus em circulação devido à baixa quantidade de material genético, o que dificulta uma análise do genoma completo.
Segundo os autores, a pesquisa tem o mérito de corroborar as hipótese de que uma infecção por novas variantes ainda é possível mesmo após a vacinação, especialmente considerando as variantes que conseguem fugir da proteção dada por anticorpos específicos para a proteína S do Spike (ou espícula, estrutura usada pelo vírus para entrar nas células e principal alvo das vacinas de mRNA), como é o caso das variantes B.1.351 e B.1.526.
Ainda, de acordo com os cientistas, a paciente 1 tinha uma taxa elevada de anticorpos neutralizantes e, mesmo assim, se infectou e desenvolveu sintomas que duraram alguns dias.
As duas variantes não coincidiram com nenhuma das linhagens atualmente conhecidas do Sars-CoV-2, o que pode indicar a constante evolução do vírus mesmo naqueles indivíduos protegidos contra as formas originais.
Em um artigo de perspectiva publicado recentemente na revista Jama (Journal of the American Medical Association), os pesquisadores atribuem os atrasos na vacinação e o descontrole de casos de Covid em alguns lugares como cenário ideal para o surgimento desses novos mutantes, especialmente se eles contêm mutações que escapam dos anticorpos produzidos naturalmente ou por vacina.
A presença de mutações encontradas em três linhagens distintas na paciente 1 (britânica, nova-iorquina e chinesa) podem ainda indicar uma possível recombinação do vírus, isto é, duas formas se misturam durante a replicação e criam uma terceira variante. Pode, alternativamente, ser resultado de convergência evolutiva (quando a mesma mutação aparece em linhagens distintas e não-relacionadas entre si).
A pesquisa, assim, sustenta a ideia de que uma terceira dose vacinal pode ser necessária para combater infecções por novas variantes conhecidas ou por vir. Em janeiro, a Moderna anunciou que já iniciou pesquisas para adaptar a sua vacina para as variantes do vírus.
Por fim, o achado ainda reforça a importância de manter as medidas sanitárias e de proteção individual, incluindo a testagem de indivíduos assintomáticos para identificar possíveis infecções e ainda o sequenciamento do maior número de amostras possíveis para detectar rapidamente novas variantes que possam aparecer.
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