Em mais uma provocação direta em um dos temas mais sensíveis da política externa chinesa, sua relação com Taiwan, os EUA anunciaram que vão vender uma nova rodada de armamentos para a ilha que Pequim considera sua.
"A venda tem de ser cancelada e os laços militares, rompidos", afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Zhao Lijian.
Nenhuma das duas coisas vai acontecer, como Pequim sabe, mas o tom de confronto está estabelecido.
A venda foi notificada pela Casa Branca ao Congresso, que precisa autorizá-la, na terça (13). É um verdadeiro kit contra uma invasão anfíbia, o grande temor de Taipé e a ameaça constante de Pequim.
Por US$ 2,2 bilhões (R$ 12,3 bilhões no câmbio desta quarta), os EUA fornecerão drones de vigilância e ataque MQ-9 Reaper, mísseis antinavio Harpoon, lançadores de foguetes e sensores eletrônicos para serem usados na frota de caças F-16 da ilha.
O objetivo desse tipo de armamento é interditar o estreito de Taiwan, a separação com largura média de 180 km entre a ilha e a China continental.
Pequim defende a absorção de Taiwan pacificamente, mas treina para fazê-lo à força com frequência. A ilha sediou o governo derrotado pelos comunistas em 1949.
O truque de sobrevivência de Taipé é duplo. Primeiro, busca armar-se até os dentes para, no mínimo, vender caro uma invasão. Segundo, conta com o apoio norte-americano em caso de ataque, embora a maioria dos analistas militares considere a hipótese remota na prática.
Ele está implícito no Ato de Relações com Taiwan, de 1979. Ele foi um instrumento do governo de Jimmy Carter que buscou aplacar a reação negativa no Congresso ao estabelecimento de relações diplomáticas com a China.
Negociado desde o início daquela década, o reconhecimento da China comunista implicou jogar Taiwan num limbo diplomático. Assim, os EUA admitiram implicitamente a política de Pequim de considerar tudo uma só nação, mas também forneceram proteção militar e armamentos à ilha.
Com a Guerra Fria 2.0 estabelecida por Donald Trump, a questão voltou a ser exacerbada. A disputa de Washington com os chineses inclui um pouco de tudo, de relações comerciais ao novo coronavírus, passando pelas redes de 5G no mundo e a repressão em Hong Kong.
Os EUA buscam turbinar uma aliança anti-China com Japão, Austrália e Índia, no chamado grupo Quad. Mesmo que Trump perca as eleições em novembro, a expectativa é de que o democrata Joe Biden mantenha uma política dura com Pequim.
E Taiwan é um ponto especialmente nevrálgico, justamente por sua história e pelo que significa para o Partido Comunista Chinês. Desde agosto, Washington enviou duas altas autoridades para a ilha, levando os chineses a ameaçarem militarmente Taipé, enviando aviões e navios em atitudes de confronto no estreito.
Isso elevou uma tensão militar já evidente no mar do Sul da China, que Pequim diz ser 85% seu, algo que os americanos afirmam ser ilegal. Se lá o risco é de um confronto acidental entre os chineses e americanos ou aliados, no estreito a questão é ainda mais séria.
Houve um aumento brutal na atividade militar em toda a região ao longo deste ano, o que trouxe problema práticos para os taiwaneses.
Segundo divulgou o Ministério da Defesa em setembro, o país já havia gasto US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) no ano só para mobilizar caças para interceptar aviões chineses perto de seu espaço aéreo.
O país vive de sua indústria de alta tecnologia e tem feito muitas compras militares dos americanos. De 2017 para cá, foram US$ 15 bilhões (R$ 84 bilhões) gastos, pouco mais do total dispendido na década anterior a esse período.
Há ainda um megacontrato sendo negociado que pode custar até US$ 62 bilhões (R$ 347 bilhões) em dez anos com a compra de novos F-16.
O orçamento de defesa para 2021 recebeu um aumento de 10% e chegou a recordistas US$ 15 bilhões, ainda uma fração (menos de 10%) do que a China gasta. Os EUA são líderes incontestes no mundo, deixando Pequim em segundo lugar com uma despesa quase quatro vezes maior.
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