Em um movimento para expandir sua influência externa e preservar a segurança interna, o governo da China anunciou nesta segunda-feira (16) que quer estabelecer relações diplomáticas "amistosas e de cooperação" com o novo governo do Talibã no Afeganistão.
Os países dividem uma curta fronteira de 76 quilômetros numa das regiões mais sensíveis da China, a província de Xinjiang, lar da minoria muçulmana uigur, alvo de repressão do governo chinês. Pequim teme que o Talibã ajude a fomentar movimentos separatistas e, por isso, procurou manter relações extraoficiais com o grupo radical que tomou o poder no Afeganistão à força no domingo (15).
No fim de julho, por exemplo, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, se encontrou com o líder do Talibã , o mulá Abdul Ghani Baradar, em Tianjin, com direito a fotos oficiais. Na ocasião, a China conseguiu arrancar do grupo um compromisso de que não apoiaria os militantes uigures, e em troca ofereceu apoio econômico e investimento na reconstrução do país.
Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, afirmou nesta segunda-feira que a China vai manter "a política da boa vizinhança e a cooperação amistosa" entre os dois países, e que Pequim "respeita o direito do povo afegão de determinar de forma independente seu próprio destino".
Os EUA ocupavam o Afeganistão com tropas militares desde 2001, após os atentados terroristas de 11 de setembro, quando os americanos retiraram o Talibã do poder. O grupo fundamentalista governou o país por cinco anos, em um regime marcado pela violência e pelo desrespeito aos direitos humanos.
Após 20 anos de guerra, no entanto, as tropas ocidentais não conseguiram fortalecer o Estado afegão, e bastou o anúncio do governo Joe Biden de que retiraria os militares do país para que, em poucas semanas, o Talibã retomasse o poder, numa ofensiva militar que se concretizou neste domingo.
Além da preocupação com a região de Xinjiang, a saída das forças ocidentais da região é vista com bons olhos pela China, que vê terreno livre para expandir sua influência. O Afeganistão faz parte desde 2016 do projeto do governo chinês de financiamento de grandes obras de infraestrutura mundo afora. Sem segurança para agir no país, entretanto, os investimentos pouco avançaram. Além disso, o país está em uma região rica em mineração.
O Talibã , por sua vez, também precisa da China, já que deve ficar isolado pelas potências ocidentais. No domingo, por exemplo, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, pediu que as nações não reconheçam de forma bilateral a legitimidade do governo do grupo extremista.
Outros dois países desafetos dos americanos também acenaram para o novo governo.
A embaixada da Rússia em Cabul entrou em contato com o Talibã nesta segunda, em "uma conversa absolutamente calma e sem incidentes", disse um representante do órgão à agência Reuters. Ao contrário das potências ocidentais, a Rússia afirmou que não deve evacuar o corpo diplomático do país.
Já o Irã, que faz fronteira com o Afeganistão, afirmou que a retirada das tropas ocidentais deve ser transformada em "oportunidade para a paz" para o Afeganistão.
O governo chinês afirmou nesta segunda que o Talibã prometeu formar um governo inclusivo e garantir a segurança dos afegãos e estrangeiros no país. Segundo a porta-voz Hua Chunying, espera que o novo governo "assegure uma transição suave [de poder], mantenha distância de ações criminosas e terroristas e garanta que o povo afegão não será envolvido em guerras e terá sua terra reconstruída."
Jornais ligados ao Partido Comunista Chinês destacaram a derrota dos americanos no conflito. O China Daily chamou a retirada das tropas de "humilhação", e o Diário do Povo destacou a semelhança das imagens da evacuação da embaixada americana em Cabul com os registros em Saigon, em 1975, quando os Estados Unidos perdeu a Guerra do Vietnã.
A embaixada da China em Cabul permanece funcionando, disse Hua, embora Pequim tenha começado a retirar cidadãos chineses do país nos últimos meses, com a deterioração da segurança do Afeganistão. Em comunicado nesta segunda, a embaixada pediu que os chineses em território afegão "prestem bastante atenção à situação da segurança" e que fiquem em casa, segundo a agência de notícias AFP.
A formação do Talibã remonta aos anos 90, quando mujahideens afegãos e guerrilheiros islâmicos se uniram para combater a ocupação soviética no Afeganistão. A própria CIA (Agência de Inteligência Central) dos Estados Unidos é apontada como uma das apoiadoras da formação do grupo na época.
Entre 1992 a 1996, os combatentes lutaram contra outros grupos mujahideens rivais, até a tomada de Cabul, do então presidente Burhanuddin Rabbani. A partir de então, o grupo controlou 90% do país até 2001.
A queda se deu na esteira dos atentados de 11 de setembro nos EUA. Na época, o governo americano enfrentava outro grupo extremista, a Al-Qaeda, do então líder Osama Bin Laden.
Em 1999, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) adotou uma resolução que vinculou Al-Qaeda ao Talibã como entidades terroristas e impôs diversas sanções contra os grupos.
Em 11 de setembro de 2001, membros da Al-Qaeda sequestram quatro aviões, jogando dois no World Trade Center em Nova York, um no Pentágono em Washington DC e o último em um campo em Shanksville, na Pensilvânia.
O então presidente americano, George W. Bush, declarou "guerra ao terror", prometendo caçar Osama Bin Laden no Afeganistão. O republicano falou diretamente ao Talibã, ao pedir que o grupo "entregasse às autoridades dos Estados Unidos todos os líderes da Al-Qaeda que se escondem em sua terra", ameaçando com "o mesmo destino" a eles, caso não o fizessem.
Suspeitando que o Talibã estivesse abrigando Bin Laden, forças americanas e britânicas bombardearam o país em outubro do mesmo ano. Logo em seguida, em uma incursão terrestre, forçaram a retirada dos talibãs das grandes cidades. Bin Laden, no entanto, conseguiu fugir. A ONU convidou depois as principais facções afegãs para formarem um governo provisório.
O grupo se refugiou nas fronteiras do país com o Paquistão e passou os últimos 20 anos buscando formas de retomar o poder.
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