Israel reagiu bem à primeira onda do novo coronavírus. Fechou rapidamente as fronteiras e estipulou um "semi-lockdown". As 25 mil escolas e jardins de infância do país foram fechadas em 12 de março, logo após o feriado de Purim (espécie de Carnaval judaico). Em dois meses, registrou menos de 300 mortes e a maior parte dos 20 mil infectados estava curada.
Entusiasmado com o sucesso das medidas, que levaram à queda quase total de novos casos em meados de maio, Israel foi um dos primeiros países a reabrir as escolas no dia 17 daquele mês, enviando mais de 2,4 milhões de aluno de volta às aulas com inúmeras restrições e regras de higiene e distanciamento social.
Na época, alguns críticos alertaram que a medida seria precipitada, mas acabaram sendo voto vencido diante da ansiedade do governo e da população em geral em retornar uma certa normalidade e returbinar a economia. Afinal, o desemprego, que era de apenas 3,9% no começo de março, havia alcançado incríveis 27% em apenas um mês.
Em pouco tempo, porém, a euforia foi substituída por preocupação. No mesmo dia em que as crianças voltaram às aulas, uma das mais tradicionais escolas de Jerusalém anunciou um novo caso de coronavírus. O vírus se espalhou e infectou 154 estudantes e 26 funcionários, sem contar parentes e amigos.
Concomitantemente, a chegada do verão levou pais e alunos a reclamarem das duras regras de higiene da volta às aulas. Os alunos com mais de sete anos, por exemplo, tinham que usar máscaras faciais o tempo todo, mesmo durante as classes. Além disso, a regra era deixar janelas abertas, evitando ligar o ar-condicionado. Muitas escolas ignoraram as instruções.
Dezenas de colégios registraram casos da doenças. Cerca de 250 escolas e jardins de infância tiveram que trancar as portas novamente em menos de um mês. Em todo o país, dezenas de milhares de estudantes e professores foram colocados em quarentena. O governo respirou aliviado quando o ano letivo finalmente acabou, em 30 de junho.
Um dos casos mais chocantes foi o da professora de creche Shalva Zalfreund, 64. Preocupada com o fato de que alguns pais estavam enviando filhos doentes para a creche, ela escreveu uma carta pedindo para que tomassem mais cuidado. Duas semanas depois, ela contraiu o vírus e morreu.
"Foi um grande fracasso. Outros países não devem fazer o que fizemos", diz o professor Eli Waxman, líder da equipe que aconselha o Conselho de Segurança Nacional de Israel sobre a pandemia.
Mas alguns defendem que a abertura dos colégios não foi a vilã culpada pela nova onda de casos e mortes, já que na mesma época o governo também relaxou as regras para restaurantes, shoppings, salões de festas e clubes, entre outros.
Às vésperas do começo do ano letivo em 1º de setembro, a segunda onda de Covid-19 é ainda mais severa do que a primeira. Atualmente, Israel registra quase 600 mortes e 1.500 novos doentes por dia.
"Eu não acho que crianças foram o motivo da segunda onda. O número de crianças afetadas não aumentou muito. Acho que foi mais a abertura dos salões de festa e permissão de aglomerações em outros locais", afirma o epidemiologista Ran Balicer, diretor do maior plano de saúde de Israel.
O ministro da Educação, Yoav Gallant, não admite suspender ou adiar o começo do novo ano letivo, mas alguns acreditam que ele está sendo inflexível.
"Se não conseguirmos baixar de novo os números de mortos e infectados, não deveríamos reabrir as escolas porque os riscos são altos demais. Estamos em uma situação pior do que antes", diz Eli Waxman.
Para diminuir drasticamente o número de doentes até 1° de setembro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu defende um lockdown severo e imediato de duas semanas, mas o professor Ronni Gamzu, líder de um grupo especial formado pelo governo para combater o coronavírus, sugere apenas lockdowns regionais, com reabertura de instituições de ensino apenas em municipalidades ou bairros "verdes".
O Conselho de Segurança Nacional sugeriu meta de, no máximo, 400 infectados por dia para reabrir as escolas. Há um certo otimismo no ar porque a média de 2.000 casos, há duas semanas, caiu para 1.500.
Mas o número ainda é alto. Para se ter uma ideia, na primeira onda, a média de novos casos por dia, no auge, era de 750.
Para muitos, enquanto os números não caem, é preciso começar já a fazer uma mudança profunda no sistema educacional para adaptá-lo ao "novo normal", que pode durar muito tempo. A ficha parece ter caído, e o governo israelense aprovou no domingo (2) o plano "Estudando com segurança", de R$ 6,6 bilhões.
O plano prevê que só alunos com menos de dez anos irão à escola todos (ou quase todos) os dias e com muitas restrições, como higienização constante, uso de máscaras dentro e fora das classes, proibição de transferência de material escolar entre alunos, proibição da entrada de pais ou outros nas escolas, entrada parcelada de alunos para evitar aglomeração nos portões e fechamento de cantinas. Já os mais velhos aprenderiam na maior parte do tempo de casa, indo à escola apenas uma ou duas vezes por semana.
A verba será destinada principalmente à contratação de milhares de professores, já que um dos pilares do plano é diminuir o número máximo de alunos a 18 por classe -o número anterior era 35. São as chamadas "cápsulas". A ideia é de que as crianças só entrem em contato com seus colegas de cápsula. Assim, se algum aluno ficar doente, fica mais fácil colocar só a cápsula (e seus parentes) em quarentena, sem ter que fechar a escola toda.
Outro investimento será na compra de 144 mil computadores para crianças que não os têm (principalmente da minoria árabe), além de melhora do acesso à internet. No caso de alunos de família ultraortodoxas (super-religiosas), que não aceitam o uso de tecnologia, serão distribuídos 68 mil "celulares kosher", com limitação de navegação. Outro ponto importante é oferecer aulas aos professores para uso de tecnologia e criação de estúdios de gravação para conteúdo online.
No entanto, a apenas três semanas do começo do ano letivo, muitos acham que é impossível fazer essa mudança profunda tão rapidamente.
"Há anos o Ministério da Educação faz testes de educação online e nunca dá muito certo", diz Menashe Levy, presidente da Associação Israelense de Diretores de Escolas Secundárias. "Além disso, vai demorar meses para distribuir computadores para crianças que não têm. E mais tempo ainda para que todos os professores entendam como é ensinar de longe. Não é só saber usar Zoom".
E mesmo quem não aponta as escolas como responsáveis pela segunda onda alerta que a volta às aulas só deveria ser feita em outros países quando a situação da epidemia estiver controlada e o número de infecções e mortes claramente em viés de queda: "Se a situação não é boa, não é o momento de permitir aglomerações no caso de uma doença que se espalha justamente assim", diz Ran Balicer.
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