SÃO PAULO - A chefe do banco do Brics, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), voltou a atacar a hegemonia do dólar em transações internacionais durante reunião com o líder russo, Vladimir Putin, nesta quarta (26).
Tocando em dueto com o chefe do Kremlin no encontro realizado em São Petersburgo, ela defendeu o uso de moedas locais, como o yuan chinês, em trocas entre países emergentes – termo genérico que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, cujas iniciais formam o acrônimo Brics.
Antes da reunião, às margens da cúpula entre Rússia e países africanos que começa na quinta-feira (27), Dilma contudo rejeitou a especulação de que o banco do Brics pudesse fazer novos empréstimos a Moscou, acossada pelas sanções internacionais do Ocidente devido à invasão da Ucrânia em 2022.
"O NDB [Novo Banco de Desenvolvimento, na sigla inglesa do órgão] reiterou que não está considerando novos projetos na Rússia e que opera em conformidade com as restrições aplicáveis nos mercados internacionais", afirmou a ex-presidente brasileira na plataforma X, como o Twitter foi rebatizado.
O discurso contrário ao dólar, denunciado como "arma geopolítica" pela mesma Dilma em palestra em Pequim no começo do mês, é frequente entre países rivais dos Estados Unidos na Guerra Fria 2.0, como China e Rússia, e entre os que buscam não ser alinhados automaticamente, como o Brasil.
As motivações variam. Putin tem o exemplo caseiro: cerca de US$ 300 bilhões (R$ 1,5 trilhão) em reservas internacionais da Rússia foram congelados em bancos no exterior devido às sanções. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visa a uma posição de maior autonomia ante Washington, o que é visto pelo governo de Joe Biden como ingratidão após o apoio dado à transição de governo no Brasil.
Putin, visivelmente enfastiado durante a declaração que deu ao lado de Dilma após o encontro, foi econômico. Criticou mais abertamente o uso do dólar como moeda internacional e não entrou nos detalhes da conversa com a brasileira. "Sabemos que há dúvidas sobre a liquidez do banco, que há algumas ideias de seu pessoal sobre isso, e vamos apoiá-los", afirmou, sobre uma preocupação corrente no mercado. "As relações dos países do Brics estão se desenvolvendo em moedas nacionais, parece-me que o banco pode desempenhar um papel significativo."
Dilma foi mais eloquente. Lembrou que o NDB tem como meta de 2022 a 2026 fazer 30% de suas captações em moedas locais. "Não há justificativa para que países em desenvolvimento não possam estabelecer trocas em moedas locais", afirmou. Também defendeu outra bandeira de Putin, um "mundo mais multilateral e multipolar", e elogiou Moscou como "grande parceira no Brics e no NDB".
Ela ainda saudou a reunião com os países africanos. "É importante para todos que têm compromisso com o desenvolvimento do Sul Global", disse, usando o jargão mais recente para os ditos emergentes.
A viagem de Dilma, que participará da cúpula de Putin com 17 chefes de Estado africanos, não foi comunicada ao governo brasileiro. No Itamaraty, o movimento foi visto como normal, dado que ela pode estar alinhada com Lula e dever a ele sua indicação ao NDB, mas não trabalha para o petista.
Para diplomatas, melhor assim: a relação de Lula com a Rússia tem dado muita dor de cabeça ao país, devido aos termos com que o presidente brasileiro se refere à Guerra da Ucrânia. Lula vê Kiev tão culpada quanto Moscou pelo conflito e já foi criticado por ucranianos, europeus e americanos por essa postura.
Na prática, é a posição tradicional brasileira de não alinhamento, que não dispensou a crítica à invasão em votações da ONU, embora em termos econômicos Brasília só tenha elevado seu elo com Moscou desde então. Parceiros sul-americanos, como o chileno Gabriel Boric, entraram em colisão com Lula por isso.
Para o russo, mesmo sem dinheiro novo, a presença de Dilma amplia a sensação reduzida de apoio da cúpula. Na sua primeira edição, em 2019, havia 43 chefes de Estado. Um deles, presente nas duas reuniões, é o sul-africano Cyril Ramaphosa, que sediará no mês que vem a cúpula do Brics.
Nela, Putin só vai participar em vídeo, já que a ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra, negados pelo Kremlin, vale na África do Sul. Dilma falou sobre a reunião, dizendo ser a favor da expansão do bloco e do NDB, órgão que já tem membros de fora do Brics, como o Egito. Nenhuma palavra, porém, sobre a pretensão da Belarus, ditadura aliada à Rússia, de entrar no grupo.
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