A campanha eleitoral de 2024 tem uma nova imagem icônica: Donald Trump, momentos depois de evitar por pouco a morte ou ferimentos graves causados pelas balas de um atirador, de pé com o punho erguido, sangue espalhado pelo rosto, e atrás dele uma bandeira americana tremulando na brisa sob um céu azul.
“Lute! Lute! Lute!”, disse o ex-presidente, quando alguns dos apoiadores, que momentos antes temiam por suas vidas, começaram a aplaudir.
O derramamento de sangue na Pensilvânia deixará uma marca duradoura na psique americana, perfurando a blindagem de segurança em torno dos mais altos níveis da política presidencial — de blindagem magnética, limusines à prova de balas e agentes do Serviço Secreto fortemente armados.
Mesmo ex-presidentes não estão protegidos da violência que pode surgir de repente na vida cotidiana americana.
Foi também um momento dramático na história política americana, que certamente será repetido em videoclipes, fotos e relatos de depoimentos ao longo desta campanha presidencial e nas próximas campanhas.
Em um raro pronunciamento no Salão Oval na noite de domingo (14/07), o presidente Joe Biden pediu aos americanos que baixassem a temperatura em torno do debate político.
“Nunca deve ser transformado num campo de batalha e, Deus não permita, em um campo de extermínio”, alertou. “Não importa quão fortes sejam nossas convicções, nunca devemos descambar em violência.”
O ataque já começou a impregnar o diálogo partidário americano, vários republicanos se manifestaram para condenar o presidente Biden e os democratas por criarem um ambiente retórico propício à violência.
Eles destacam os alertas feitos por democratas sobre a possibilidade de o ex-presidente se tornar um ditador e ameaçar a democracia, como exemplos de linguagem exagerada que pode motivar um assassino.
Em especial, eles citam os comentários vazados que o presidente Biden fez em conversa privada com doadores na semana passada sobre o aumento dos ataques ao ex-presidente e a colocação de um “alvo” sobre ele.
“Eles tentaram matá-lo de muitas outras maneiras, financeiramente, tentaram jogá-lo na cadeia”, disse Donald Trump Jr em uma entrevista na televisão no domingo (14/07). “É quase como se eles adorassem que isso tenha acontecido.”
Pelo menos até agora, no entanto, os motivos e as afiliações políticas do atirador, Thomas Matthew Crooks, morador da Pensilvânia, de 20 anos, não foram totalmente revelados. Em última instância, eles poderão confrontar uma narrativa partidária feita precipitadamente.
O filho mais velho do ex-presidente acrescentou que, após a tentativa de assassinato, os partidários da esquerda não podem mais acusar o ex-presidente de culpa pelo ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA.
Esse episódio violento ocorreu horas depois de o então presidente Trump ter realizado um comício a apenas alguns quarteirões de distância, desafiando os resultados das eleições de 2020.
Suas ações naquele dia levaram à aprovação de seu impeachment pela Câmara dos Deputados (negado depois pelo Senado) e, mais de um ano depois, à acusação formal por um advogado nomeado pelo procurador-geral dos EUA.
Se o ataque a Trump na Pensilvânia neutralizar essa linha de argumento dos democratas, esta será apenas uma das muitas maneiras pela qual o atentado terá remodelado fundamentalmente a campanha presidencial.
Outros efeitos podem ficar mais claros durante a Convenção Nacional Republicana, que começa na segunda-feira (15/07) em Milwaukee.
O ataque fracassado ao ex-presidente tem reflexo em vários temas que a campanha de Trump já estava planejando para a reunião quadrienal, que culminará com o ex-presidente subindo ao palco para aceitar a indicação de seu partido na noite de quinta-feira (17/07).
O primeiro é que isso poderia dar força às alegações de queixa e perseguição, que têm sido o foco central de seus discursos em comícios e postagens nas redes sociais.
“Eles não estão realmente atrás de mim; eles estão atrás é de vocês”, é um refrão comum de Trump, estampado em camisetas, outdoors e adesivos de carros. “Estou apenas no caminho [deles].”
Essa mensagem ganhará nova força depois do ex-presidente e sua multidão de apoiadores terem sido alvo de tiros.
As legiões de fãs de Trump — muitos dos quais o apoiam quase que messianicamente como seu grande herói — terão ainda mais motivos para se identificar com um homem que quase perdeu a vida enquanto estava diante deles.
As imagens que mostram o ex-presidente evitando a morte por milímetros e as que se seguiram com Trump em postura desafiadora com o rosto ensanguentado também se encaixarão no contraste que a campanha de Trump está tentando ressaltar na convenção desta semana — uma imagem em que o candidato e seu partido personificam masculinidade e força robustas, diante da fraqueza de seus oponentes.
A idade e as confusões do presidente Biden têm prejudicado sua campanha há meses — e causaram uma crise de confiança democrata em sua tentativa de reeleição principalmente após um desempenho surpreendentemente ruim no debate presidencial há pouco mais de duas semanas.
O ataque de sábado (13/07) e a resposta de Trump permitirão que os republicanos se utilizem desse contraste nos próximos dias.
Os democratas passaram as últimas duas semanas examinando angustiadamente o futuro político de seu presidente. Agora, eles têm um novo conjunto de preocupações.
De certa forma, a tentativa de assassinato pode acabar fornecendo uma tábua de salvação política para Biden, uma vez que o foco se afastou dramaticamente de suas lutas relacionadas à idade e às tentativas internas de expulsá-lo.
Mas a estratégia de reeleição do presidente - que passa por exibir Trump como um perigo para a nação se ele se tornar presidente novamente — pode ser seriamente prejudicada se o público americano for hostil a críticas novas e pontuais ao ex-presidente.
A campanha de Biden já retirou todas as propagandas negativas dirigidas ao ex-presidente, para que não fossem vistas como inapropriadas, dado o clima nacional. O presidente também remarcou uma viagem ao Texas planejada para segunda-feira (15/07).
No entanto, é apenas uma pausa, pois os democratas precisarão voltar à ofensiva se quiserem reverter a estreita liderança que o ex-presidente tem nas recentes pesquisas.
Essa liderança — pequena, portanto não insuperável, mas ainda assim significativa — se manteve estável por meses, mesmo quando a política nacional foi atingida por um fluxo aparentemente interminável de notícias sem precedentes.
O julgamento e a condenação do ex-presidente, uma série de decisões históricas da Suprema Corte, o fracasso do debate de Biden — nada disso pareceu mover a agulha do medidor de popularidade na política americana na que é, e parece destinada a continuar sendo, uma nação profundamente dividida.
Embora tenha havido muita discussão sobre como essa campanha presidencial foi interrompida pela tentativa de assassinato, não há garantia de que a corrida não retornará ao seu ponto de equilíbrio que quase foi eliminado nos três meses anteriores à eleição.
Só que agora os democratas têm menos tempo, menos vantagens financeiras e menos oxigênio político para reverter a dinâmica eleitoral a seu favor.
O que a tragédia de sábado à noite demonstrou mais claramente, no entanto, é que as expectativas e as narrativas políticas podem mudar em segundos.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta