Gaza ao sul, Cisjordânia a leste e Líbano ao norte.
Israel tem frentes de batalha abertas em quase todas as suas fronteiras, além de ter se envolvido em uma perigosa escalada com o Irã e as suas milícias aliadas.
Para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e os seus apoiadores, a possibilidade de alterar o equilíbrio de poder e delinear um novo mapa político do Oriente Médio está mais próxima do que nunca.
Mas os especialistas consultados pela BBC acreditam que existe outro mapa que o governo israelense pode estar tentando redesenhar: o do seu próprio território.
Em Gaza, o exército israelense combate o Hamas e forçou o deslocamento de 90% dos seus 2,2 milhões de habitantes. A ofensiva começou após os ataques do grupo palestino a Israel em 7 de outubro de 2023, que deixaram cerca de 1,2 mil mortos, segundo as autoridades israelenses.
Ao mesmo tempo, tem havido apelos dentro do governo israelense para que Israel reocupe a Faixa. O número de mortos está agora se aproximando de 42 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.
Na Cisjordânia, o governo liderado por Netanyahu aprovou este ano a maior apreensão de terras palestinianas em três décadas e permitiu que colonos judeus extremistas tomassem violentamente o território palestino a um ritmo nunca antes visto.
No sul do Líbano, Israel já destacou cerca de 15 mil soldados, segundo estimativas dos meios de comunicação locais, e forçou a evacuação de uma centena de aldeias da região, uma área equivalente a 25% do território do país, segundo a ONU.
"Acho que está claro que eles estão tentando estabelecer a soberania total sobre todo o território palestino-israelense", explica Roxane Farmanfarmaian, professora de Política Internacional do Oriente Médio e Norte da África na Universidade de Cambridge, à BBC Mundo.
Segundo a pesquisadora, Israel "está claramente tentando avançar na Cisjordânia" e está assumindo o controle da Faixa "simplesmente destruindo a área de Gaza e agora parece estar fazendo o mesmo no sul do Líbano".
Os ministros mais radicais do governo de coligação liderado por Netanyahu, que defendem o domínio israelense total do território entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, não esconderam as suas intenções.
Mas esta retórica já não se limita aos círculos extremistas, sendo cada vez mais comum.
Durante seu discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, horas antes de um intenso bombardeio israelense matar o líder do Hezbollah em Beirute, Netanyahu mostrou à comunidade internacional dois mapas da região com os países vizinhos de Israel e uma ausência notável: nenhum dos mapas mostrava os territórios palestinos.
Essa atitude por parte do premiê não é nova. No ano anterior, também na sede da ONU, Netanyahu exibiu outro mapa intitulado "O Novo Médio Oriente", com os países que assinaram acordos de paz ou que estavam em negociações para normalizar as suas relações com Israel. Nem a Cisjordânia, nem Gaza estavam lá.
Apenas duas semanas depois, o Hamas lançou o maior ataque já sofrido por Israel em toda a sua história, deixando 1.200 mortos e 251 reféns.
Yezid Sayigh, pesquisador do think tank Carnegie Middle East Center, explicou a Alaa Ragaie, do serviço árabe da BBC, que "o novo Médio Oriente que Netanyahu está a tentar impor neste momento consiste em permitir que Israel colonize o resto dos territórios palestinos."
Israel tem atualmente o governo mais conservador da sua história, uma coligação da direita tradicional do Likud, o partido de Netanyahu, com alianças com grupos de extrema-direita que já foram descritos como supremacistas judeus e anti-árabes.
Entre eles está Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, que em um vídeo publicado nas suas redes sociais em junho afirmou que a única solução para Gaza é "ocupar todo o território, colonizar todo o território e encorajar a migração voluntária para outros países do máximo de pessoas (palestinos) possível."
O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que tem autoridade sobre as políticas governamentais de assentamentos e que considera a Cisjordânia parte da "Grande Israel", é da mesma opinião:
"Sem assentamentos não há segurança", disse numa conferência em janeiro, na qual participaram 12 ministros do governo, e que apelou ao restabelecimento dos assentamentos em Gaza quase duas décadas depois de terem sido desmanteladas pelo governo de Ariel Sharon.
Tanto Smotrich como Ben-Gvir fazem parte dos 700 mil israelenses que vivem em cerca de 300 assentamentos construídos em territórios palestinos entre a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, segundo dados do B'Tselem, o Centro de Informação Israelita para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados.
Todos estes assentamentos são, segundo o direito internacional, ilegais.
Desde o início da guerra em Gaza, há um ano, a construção destas comunidades israelenses na Cisjordânia, que muitas vezes começa com a instalação de uma caravana ou de uma casa pré-fabricada em terras privadas palestinas, acelerou, provocando também uma nova onda de violência.
Grupos de colonos extremistas conduziram uma campanha de terror contra as populações da Cisjordânia, que foram forçadas a abandonar as suas terras.
O mesmo chefe do Shin Bet, o serviço de inteligência interno de Israel, disse em agosto que estes extremistas judeus estavam causando “danos indescritíveis” ao país e descreveu as suas ações como terroristas.
O aumento dos assentamentos israelenses nos territórios palestinos também dificulta a possibilidade de uma futura solução de dois Estados para o conflito.
"Há vários ministros no governo israelense de direita que não acreditam em uma solução de dois Estados, e agora parecemos estar mais o longe de um Estado palestino desde os Acordos de Oslo de 1993, mas não creio que os Estados Unidos aprovarão estes mapas israelenses, que não incluem os territórios palestinos", disse David Schenker, pesquisador do Instituto de Política para o Oriente Próximo de Washington, ao serviço árabe da BBC.
Alguns analistas alertam que esta política expansionista também poderá tomar forma na fronteira norte de Israel.
O Exército israelense iniciou uma invasão terrestre no sul de Israel em 30 de setembro, depois de trocar tiros durante um ano com a milícia libanesa Hezbollah.
A explosão de milhares de pagers e walkie-talkies pertencentes a membros da organização e o assassinato do seu líder, Hassan Nasrallah, enfraqueceu o grupo xiita, um momento que Israel aproveitou para escalar a sua operação.
O que começou como uma incursão terrestre “limitada, localizada e focada” tornou-se uma invasão que já ocupa 25% do território libanês e forçou o deslocamento de 1,2 milhão de pessoas, segundo a ONU.
Israel garante que a invasão é temporária e que o seu objetivo é a destruição dos arsenais e infraestruturas do Hezbollah para proteger os civis no norte de Israel da ameaça da milícia xiita. Dezenas de milhares de israelenses foram deslocados das suas casas durante um ano devido aos contínuos disparos de foguetes do Hezbollah.
Mas para Dahlia Scheindlin, analista do think tank Century Foundation, “é difícil distinguir entre a retórica do governo e o que este fará no terreno”.
"Este governo também tem forças religiosas que defendem, não uma estratégia, mas uma visão cósmica de conquista. E, portanto, não podemos descartar a existência de um clima expansionista", disse Scheindlin à BBC.
Não é a primeira vez que Israel invade o Líbano.
Após a invasão de 1982, as Forças de Defesa de Israel permaneceram no território durante 20 anos e a ONU estabeleceu uma zona de segurança em ambos os lados da fronteira.
A situação é diferente agora, diz Roxane Farmanfarmaian: "O que estamos vendo hoje é uma tentativa de mover a fronteira do Líbano para norte e até para além do rio Litani, que era a fronteira terrestre do acordo anterior da ONU."
Para a professora de Cambridge, o que estamos testemunhando hoje é como "as fronteiras de Israel estão sendo redesenhadas e, nesse sentido, mudando a forma do Oriente Médio".
O Hezbollah, no norte, é talvez o inimigo mais imediato de Israel, mas não o maior.
Israel considera o Irã, com o qual está atolado em uma guerra paralela há anos - mas que se transformou em um conflito aberto nas últimas semanas -, a sua maior ameaça regional.
"Israel não procura impor um novo Oriente Médio, mas sim garantir que o regime dos mulás no Irã não defina a ordem regional", disse Miri Eisen, especialista em segurança e oficial reformada dos serviços secretos israelenses, ao Serviço Árabe da BBC.
Há anos que Teerã arma e apoia o chamado “eixo de resistência”, um coletivo de milícias aliadas que inclui os houthis do Iêmen, facções armadas xiitas do Iraque e o próprio Hezbollah. Até agora, o Irã não tinha confrontado Israel diretamente, mas apenas por meio destes aliados.
"Penso que é uma perspectiva muito ocidental que o Irã seja um país agressivo. Não é. É um país muito pragmático, que queria ir para a guerra. A aposta não aumentou todas as vezes durante esta guerra paralela entre Israel e o Irã, a maioria dos golpes veio de Israel, não do Irã", explica Farmanfarmaian, que é especialista na República Islâmica.
Mas os assassinatos do líder do Hezbollah no mês passado em Beirute e o do então líder do Hamas, Ismail Haniya, em um ataque no final de julho em Teerã, somaram-se ao atentado com bomba contra o consulado iraniano em Damasco, no qual Israel matou vários comandantes seniores da Guarda Revolucionária, em abril passado, provocando uma resposta direta do Irã, que considerou que Israel cruzou a linha vermelha invisível que estava bloqueando um conflito maior.
O Irã lançou quase 200 mísseis balísticos contra Israel em 1º de outubro. Israel afirmou que a resposta será, nas palavras do ministro da Defesa, Yoav Gallant, “mortal, precisa e, acima de tudo, surpreendente”, mas ainda não detalhou qual será o seu objetivo.
Washington, por sua vez, também estabeleceu limites para o seu aliado no Oriente Médio: nem as instalações nucleares, nem as instalações petrolíferas do Irã devem ser alvo.
A administração de Joe Biden teme que Israel acabe por arrastar os Estados Unidos para um confronto com o Irã, algo que não quer e que não lhe é conveniente a poucas semanas das eleições presidenciais americanas.
Mas o primeiro-ministro israelense, observam muitos analistas, sabe aproveitar o momento.
"Acho que Netanyahu tem muito claro que pode fazer mais ou menos o que quiser neste momento e que não haverá muita resistência por parte dos Estados Unidos porque nenhum dos candidatos está interessado em entrar em uma guerra agora e também sofrer o impacto econômico que isso representaria para os EUA", analisa Farmanfarmaian.
Independentemente de quem vença, "qualquer administração dos EUA que forneça 10 bilhões de dólares para apoiar as operações militares de Israel terá influência", disse Robert S. Ford, antigo embaixador dos EUA na Síria e no Iraque.
"A questão é se há algum político americano numa posição de autoridade real que esteja disposto a absorver o custo político interno do uso dessa influência. Atualmente não há nenhum em nenhum dos partidos", disse o diplomata à BBC.
Washington não quer a guerra, mas nos últimos anos deu um impulso diplomático que ajudou a normalizar as relações de vários países árabes com Israel e, desta forma, a redesenhar o equilíbrio de forças no Oriente Médio.
Como explica Alaa Ragaie, do serviço árabe da BBC, os EUA ofereceram incentivos econômicos e militares e promoveram a ideia de que Israel não é uma ameaça regional para os árabes, mas, pelo contrário, um parceiro estratégico para confrontar o Irã.
Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Bahrein já assinaram os Acordos de Abraham em 2020 para estabelecer relações com Israel. E a Arábia Saudita, que se opõe à crescente influência do Irã na região, estava em negociações para chegar a um acordo semelhante.
O ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a subsequente guerra entre Israel e Gaza paralisaram as negociações e Riade declarou oficialmente em um artigo no Financial Times que não estabelecerá relações diplomáticas com Israel até que os palestinos tenham um Estado.
Mas isso, pelo menos neste momento, não está entre os planos do atual governo israelense.
*Reportagem adicional de Alaa Ragaie, da BBC Árabe.
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