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Como usuários do X ganham milhares de dólares espalhando fake news sobre eleição dos EUA

Como usuários do X ganham milhares de dólares espalhando fake news sobre eleição dos EUA

As contas fazem parte de redes pró-Trump e pró-Harris que compartilham o conteúdo umas das outras várias vezes ao dia.

Publicado em 30 de outubro de 2024 às 14:53

Ícone - Tempo de Leitura 9min de leitura
Imagem BBC Brasil
As contas fazem parte de redes pró-Trump e pró-Harris que compartilham o conteúdo umas das outras várias vezes ao dia. (BBC)

Marianna Spring

Alguns usuários do X (antigo Twitter) que passam os dias compartilhando conteúdo que inclui desinformação eleitoral, imagens geradas por inteligência artificial (IA) e teorias de conspiração infundadas dizem que estão ganhando "milhares de dólares" pela plataforma de rede social.

A BBC identificou redes de dezenas de contas que compartilham o conteúdo umas das outras várias vezes ao dia — incluindo uma mistura de material verdadeiro, infundado, falso e forjado — para aumentar seu alcance e, portanto, a receita na plataforma.

Vários dizem que os ganhos de suas próprias contas e de outras contas variam de algumas centenas a milhares de dólares.

Eles também dizem que coordenam o compartilhamento das publicações uns dos outros em fóruns e bate-papos em grupo. "É uma forma de tentar ajudar uns aos outros", afirmou um usuário.

Algumas destas redes apoiam Donald Trump, outras Kamala Harris — e algumas são independentes. Vários destes perfis — que dizem não estar ligados a campanhas oficiais — foram contatados por políticos dos EUA, incluindo candidatos ao Congresso, em busca de postagens de apoio.

Em 9 de outubro, o X alterou suas regras para que os pagamentos feitos para contas certificadas com alcance significativo sejam calculados de acordo com a quantidade de engajamento de usuários premium — curtidas, compartilhamentos e comentários —, em vez do número de anúncios em suas postagens.

Muitas plataformas de rede social permitem que os usuários ganhem dinheiro com suas postagens ou compartilhem conteúdo patrocinado. Mas elas geralmente têm regras que permitem desmonetizar ou suspender perfis que publicam desinformação. O X não possui diretrizes sobre desinformação nos mesmos moldes.

Embora o X tenha uma base de usuários menor que a de algumas plataformas, ele tem um impacto significativo no discurso político. Isso levanta questionamentos sobre se o X está incentivando os usuários a publicar alegações provocativas, sejam elas verdadeiras ou não, em um momento altamente sensível para a política dos EUA.

A BBC comparou os ganhos aproximados informados por alguns desses usuários do X com o valor que se esperaria que eles ganhassem, com base no número de visualizações, seguidores e interações com outros perfis, e concluiu que eles eram confiáveis.

Entre as publicações enganosas compartilhadas por algumas destas redes de perfis, estavam alegações sobre fraude eleitoral que haviam sido refutadas pelas autoridades, e alegações extremas e infundadas de pedofilia e abuso sexual contra os candidatos à presidência e vice-presidência.

Algumas postagens enganosas e falsas que se originaram no X também se espalharam para outras plataformas de rede social com um público maior, como Facebook e TikTok.

Em um exemplo, um usuário do X com poucos seguidores diz que criou uma imagem adulterada que pretendia mostrar Kamala Harris trabalhando no McDonald's quando jovem. Em seguida, outros usuários divulgaram alegações sem provas de que o Partido Democrata estava manipulando imagens da sua candidata.

Teorias de conspiração infundadas do X sobre a tentativa de assassinato de Donald Trump, em julho, também foram propagadas em outros sites de rede social.

O X não respondeu a perguntas sobre se o site está incentivando os usuários a fazer esse tipo de publicação, nem a pedidos de entrevista com o dono da plataforma, Elon Musk.

'Ficou muito mais fácil ganhar dinheiro'

A base de criação de conteúdo da Freedom Uncut — onde seu fundador produz e transmite vídeos — é decorada com luzes no formato de uma bandeira americana. Free — como seus amigos o chamam — diz que é independente, mas prefere que Donald Trump se torne presidente do que Kamala Harris.

Ele conta que é capaz de passar até 16 horas por dia em sua base postando no X, interagindo com a rede de dezenas de criadores de conteúdo da qual faz parte, e compartilhando fotos geradas por inteligência artificial.

Ele não compartilha seu nome completo ou identidade real porque diz que as informações pessoais de sua família foram expostas online, levando a ameaças.

Ele não é, de forma alguma, um dos postadores mais radicais — e concordou em se encontrar comigo para explicar como essas redes operam no X.

Free diz que teve 11 milhões de visualizações nos últimos meses, desde que começou a postar regularmente sobre a eleição nos EUA. Ele mostra várias delas na tela enquanto conversamos em sua casa em Tampa, na Flórida.

Imagem BBC Brasil
O homem por trás da conta Freedom Uncut diz que pode ganhar 'alguns milhares de dólares' com o X. (BBC)

Algumas são obviamente sátiras — Donald Trump parecendo um personagem do filme Matrix enquanto afasta projéteis, ou o presidente Joe Biden como um ditador.

Outras imagens de IA são menos fantasiosas — incluindo a de uma pessoa no telhado de uma casa inundada enquanto caças de combate passam sobre ela, com o comentário: "Lembre-se de que os políticos não se importam com você em 5 de novembro".

A imagem ecoa a alegação de Trump de que não havia "helicópteros, nenhum resgate" para as pessoas na Carolina do Norte após o furacão Helene. A alegação foi refutada pela Guarda Nacional da Carolina do Norte, que diz ter resgatado centenas de pessoas em 146 missões de voo.

Freedom Uncut afirma que vê suas imagens como "arte", que despertam uma conversa. Ele diz que "não está tentando enganar ninguém", mas que pode "fazer muito mais usando IA".

Desde que seu perfil foi monetizado, ele conta que pode ganhar "alguns milhares de dólares” por mês com o X: "Acho que ficou muito mais fácil para as pessoas ganharem dinheiro".

Ele acrescenta que alguns usuários que ele conhece estão ganhando mais de cinco dígitos — e afirma que pode confirmar isso ao ver o alcance de suas postagens: "É nesse ponto que isso realmente se torna um trabalho".

Ele diz que são as coisas "polêmicas" que tendem a ter mais visualizações — e compara isso à mídia tradicional "sensacionalista".

Imagem BBC Brasil
Freedom Uncut publica imagens geradas por IA, muitas vezes satíricas, em apoio a Donald Trump ou criticando os democratas. (BBC)

Embora ele publique "coisas provocativas", ele diz que "geralmente são baseadas em alguma versão da realidade". Mas ele sugere que outros perfis que ele vê gostam de compartilhar publicações que sabem não ser verdadeiras. Isso, segundo ele, é uma "forma fácil de ganhar dinheiro".

Freedom Uncut rejeita as preocupações sobre as declarações falsas que influenciam a eleição, alegando que o governo "espalha mais desinformação do que o resto da internet combinada".

Ele também diz que é "muito comum" que políticos locais entrem em contato com contas como a dele no X para obter apoio.

E conta que alguns deles conversaram com ele sobre a possibilidade de aparecer em suas transmissões ao vivo, e falaram com ele sobre a possibilidade dele criar para eles e compartilhar com ele, imagens de IA e artes.

Será que alguma destas postagens — enganosas ou não — podem ter um impacto tangível nesta eleição?

"Acho que você já está vendo isso atualmente. Acho que muito do apoio a Trump vem disso", ele diz.

Na opinião de Free, há "mais confiança na mídia independente" — incluindo contas que compartilham imagens geradas por IA e desinformação —, do que em "algumas empresas de mídia tradicionais".

'Não há como chegar à verdade'

No confronto direto com as contas pró-Trump descritas por Freedom Uncut, estão perfis como o de Brown Eyed Susan, que tem mais de 200 mil seguidores no X.

Ela faz parte de uma rede de contas "obstinadas" que publicam conteúdo várias vezes a cada hora em apoio à candidata democrata Kamala Harris. Embora use seu primeiro nome, ela não compartilha seu sobrenome devido a ameaças e abusos que recebeu online.

Falando comigo de Los Angeles, Susan diz que nunca teve a intenção de começar a ganhar dinheiro com suas postagens — ou que o alcance de sua conta "explodisse". Às vezes, ela posta e compartilha novamente mais de 100 mensagens por dia — e suas postagens individuais alcançam muitas vezes mais de 2 milhões de usuários cada.

Ela diz que só ganha dinheiro com suas postagens porque recebeu um selo azul de verificação, que marca usuários da versão paga do site e algumas contas de destaque.

"Eu não pedi por isso. Não posso esconder, e não posso devolver. Então cliquei em monetizar", ela me conta, estimando que pode ganhar algumas centenas de dólares por mês.

Imagem BBC Brasil
Susan disse à BBC em uma videochamada que a rede de contas com as quais ela interage amplifica as postagens umas das outras para ajudar Kamala Harris a vencer a eleição. (BBC)

Além de postar sobre política, algumas de suas postagens mais virais — com mais de três milhões de visualizações — promoveram teorias da conspiração infundadas e falsas, sugerindo que a tentativa de assassinato, em julho, foi encenada por Donald Trump

Ela reconhece que um membro da multidão e o atirador foram mortos, mas diz que tem dúvidas genuínas sobre o ferimento de Trump, as falhas de segurança e se o incidente foi devidamente investigado.

"Não há como chegar à verdade disso. E se eles quiserem chamar de conspiratório, eles podem", diz ela.

Susan também compartilha memes, alguns dos quais usam inteligência artificial, visando o candidato republicano. Vários exemplos mais convincentes fazem com que ele pareça mais velho ou doente. Ela diz que eles "ilustram sua condição atual".

Outros o mostram parecendo um ditador. Ela afirma que todas as suas imagens são fakes "óbvios".

Assim como Freedom Uncut, ela diz que políticos, inclusive candidatos ao Congresso, entraram em contato com ela para pedir apoio, e ela afirma que tenta "espalhar o máximo de conscientização" possível sobre eles.

'Eles querem que seja real'

Após uma discussão sobre se Kamala Harris já trabalhou no McDonald's, uma imagem adulterada dela usando o uniforme da rede de fast food foi compartilhada no Facebook por seus apoiadores — e viralizou.

Quando algumas contas pró-Trump perceberam que era uma foto editada de uma mulher diferente usando o uniforme, isso desencadeou acusações infundadas de que a imagem tinha vindo do próprio Partido Democrata.

Uma conta chamada "The Infinite Dude" no X pareceu ser a primeira a compartilhar a imagem com a legenda: "Isso é falso".

A pessoa por trás da imagem me disse que seu nome é Blake, e que ele a compartilhou isso como parte de um experimento. Seu perfil não tem tantos seguidores quanto as outras contas com as quais tenho conversado.

Quando pedi evidências de que ele havia adulterado a imagem, ele me disse que tinha "os arquivos originais e os registros de data e hora de criação", mas não os compartilhou comigo, pois disse que as provas não importam.

"As pessoas compartilham conteúdo não porque é real, mas porque querem que seja real. Ambos os lados fazem isso igualmente — eles apenas escolhem histórias diferentes para acreditar", diz ele.

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Blake diz que adulterou esta imagem para fazer parecer que Kamala Harris estava usando um uniforme do McDonald's na juventude. (BBC)

Sua fidelidade política não está clara — e ele diz que "não se trata de política".

O X afirma online que sua prioridade é proteger e defender a voz do usuário. O site adiciona rótulos de mídia manipulada a alguns vídeos, áudios e imagens gerados por IA e adulterados. Também possui um recurso chamado Notas da Comunidade, que faz a verificação de fatos por meio da colaboração coletiva dos usuários.

Durante a eleição no Reino Unido, o X tomou medidas sobre uma rede de contas que compartilhavam vídeos falsos que eu investiguei.

Na campanha eleitoral dos EUA, no entanto, não recebi nenhuma resposta às minhas perguntas ou solicitações para entrevistar Elon Musk.

Isso é importante, porque empresas de rede social como a dele podem afetar o que acontece quando os eleitores vão às urnas.

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