Joe Biden escolheu a senadora pela Califórnia Kamala Harris como vice na chapa democrata à Casa Branca e selou um dos lances mais esperados da campanha presidencial dos EUA.
Em anúncio feito nesta terça (11), o adversário de Donald Trump uniu o perfil de dois grupos de eleitores que serão determinantes na disputa de 3 de novembro: mulheres e negros.
Líder nas pesquisas, o ex-vice de Barack Obama já havia decidido, em meados de março, nomear uma mulher para ajudá-lo no desafio de derrotar Trump, e os protestos antirracismo após o assassinato de George Floyd -um homem negro asfixiado por um policial branco em Minnesota- fizeram com que a representação da população negra se tornasse imperativa para a sua chapa.
As mulheres são 55% do eleitorado americano, e pesquisas recentes mostram que Biden está até 20 pontos à frente de Trump entre elas -em 2016, Hillary Clinton superou o republicano nesse grupo por apenas 14 pontos percentuais. Entre eleitores negros, Biden tem quase 80% da preferência, mas precisa motivá-los a ir às urnas em novembro, visto que o voto não é obrigatório nos EUA.
Além de acenar para a representatividade exigida pela ala progressista dos democratas, a escolha de uma mulher também teve o objetivo de minimizar as acusações de abuso sexual das quais Biden é alvo por parte de Tara Reade, sua ex-assessora no Senado. Ele nega as acusações sobre um episódio que ocorreu, segundo Reade, em 1993 -ele a teria encurralado na parede e a penetrado com os dedos.
Nos últimos meses, várias políticas figuraram no banco de apostas para vice na chapa democrata, entre elas a deputada Karen Bass e Susan Rice, ex-conselheira de segurança nacional durante o governo Obama.
Todas foram escoltadas pelo lobby de democratas que queriam emplacar sua favorita, e avaliadas por pesquisas para medir o impacto de cada nome -um dos objetivos era que a escolhida não fosse um alvo fácil para Trump, e um consequente calcanhar de aquiles para Biden, visto que levantamentos mostram que a vice não faz muita diferença na escolha do eleitor.
Mesmo assim, Biden fez um cálculo minucioso. Sabia que uma mulher negra poderia ajudá-lo na tão necessária mobilização às urnas de jovens e pessoas negras que foram às ruas nos últimos meses, mas não poderia perder eleitores independentes e moderados que se dizem cansados da retórica agressiva de Trump.
Escolheu então Kamala, considerada mais centrista e, segundo auxiliares do democrata, a opção mais óbvia em um momento em que a campanha não pode errar -Biden está na frente de Trump nos levantamentos nacionais e em estados-chave da disputa.
A expectativa sobre o anúncio era grande também porque, se vencer, Biden será o presidente dos EUA mais velho a tomar posse, com 78 anos em janeiro.
Em 2024, portanto, há dúvida sobre ele concorrer à reeleição, o que deve credenciar a vice na corrida, com possibilidade de se tornar a primeira mulher à frente da Casa Branca.
Assessores de Biden avaliaram que Kamala não abria margem para surpresas: é um perfil conhecido, de um estado importante, atuante na política em Washington, e já passou por grande escrutínio da imprensa e de eleitores com sua pré-candidatura à Casa Branca, encerrada no fim do ano passado. Mais: tem musculatura política suficiente para ser boa arrecadadora de recursos à campanha e se encaixa na mensagem-chave de Biden, experiência e prontidão desde o primeiro dia na presidência.
Aos 55 anos, Kamala é senadora desde 2017, foi procuradora na Califórnia de 2004 a 2011, e concorreu pela nomeação democrata à presidência dos EUA, inclusive contra Biden, com quem travou um duro embate em junho do ano passado.
Ela acusou o ex-vice-presidente de ter trabalhado com políticos racistas e ser contrário ao fim da segregação racial nas escolas, na década de 1970. Agora, como sua companheira de chapa, precisará usar de seu habitual pragmatismo quando tiver que explicar as declarações.
Foi esse episódio que lançou a senadora de forma mais proeminente ao cenário nacional, mas os motivos que levaram à desistência de sua candidatura, ainda em dezembro de 2019, revelam uma de suas principais fragilidades: postura considerada errática diante de temas caros à esquerda, como a proposta de saúde gratuita para todos, sobre a qual já se mostrou a favor e contra.
Além disso, analistas e movimentos progressistas criticam sua atuação como procuradora, sob o argumento de que, quando pressionada a adotar reformas no sistema criminal, não agiu de forma assertiva.
Pelo contrário, defendeu condenações ilegais que foram garantidas por má conduta de oficiais, incluindo adulteração de provas e falso testemunho, e contribuiu para a prisão injusta em diversos casos -principalmente envolvendo réus pobres e negros.
Integrantes da campanha de Biden, por sua vez, dizem que essas críticas são facilmente neutralizadas, visto que o democrata tem sido eficiente em distensionar a relação com a ala mais à esquerda do partido, ao mesmo tempo em que costura o apoio de moderados e independentes.
Filha de imigrantes -uma pesquisadora da Índia e um professor da Jamaica-, Kamala aposta justamente no seu apelo entre progressistas e moderados para tentar catalizar o amplo arco de eleitores de que Biden precisa para vencer Trump.
Em seu primeiro mandato como senadora, é hoje a mais conhecida entre as mulheres negras na política americana -a única no Senado-, com posições críticas ao presidente e bandeiras que vão desde a reforma da polícia -na esteira da atual demanda dos protestos de rua- até o corte de impostos da classe média.
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