A partir de março, entrarão em vigor novas regras de imigração no Reino Unido.
O governo britânico tem como meta reduzir a migração legal, após estatísticas oficiais terem mostrado que o saldo migratório — a diferença entre o número de imigrantes e emigrantes — atingiu 745.000 em 2022, um recorde. Ou seja, o país "ganhou" 745.000 estrangeiros no ano passado.
Isso acendeu o alerta vermelho no governo conservador, cuja política central tem sido de combater a imigração para o país.
Em artigo ao tabloide inglês The Sun, o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, escreveu "Se você não pode contribuir para o Reino Unido, você não virá para o Reino Unido".
O número de brasileiros que imigra legalmente para o Reino Unido é baixo, em comparação a outras nacionalidades. Mas os brasileiros estão entre os afetados pelas novas regras.
De janeiro a setembro deste ano, segundo dados do Ministério do Interior britânico (Home Office), cerca de 4 mil vistos foram concedidos a cidadãos brasileiros. Esse número inclui todo o tipo de visto, como o de trabalho, de estudante e de família.
As regras também impactam aqueles que já vivem legalmente no país e pretendem, por exemplo, trazer cônjuges ou parentes para morar com eles.
Confira abaixo perguntas e respostas sobre as novas regras de imigração do Reino Unido.
A principal mudança é o aumento do salário mínimo — tanto para conseguir um visto de trabalho quanto para trazer um dependente: 38.700 libras brutas por ano (ou cerca de R$ 240 mil, na cotação atual).
Esse patamar é "irreal" na opinião da advogada de imigração brasileira Vitoria Nabas, que assessora empresas de pequeno e médio porte no processo de tramitação de vistos de trabalho.
"Estou estarrecida com tudo e extremamente frustrada como advogada atuante nesta área há mais de 20 anos. Não há dúvida de que o governo está tentando fechar as portas cada vez mais para a imigração", diz ela.
Muitos especialistas concordam com Nabas e criticaram o anúncio do governo (ler mais abaixo). Eles demonstraram preocupação sobretudo com o impacto na economia do Reino Unido, que deve crescer apenas 0,4% neste ano.
Para se ter uma ideia, segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais (ONS, na sigla em inglês), o IBGE britânico, o salário anual bruto médio para quem trabalha em tempo integral no Reino Unido era de 34.963 libras em abril deste ano.
No caso específico dos brasileiros, Nabas diz acreditar que os mais afetados serão aqueles que já vivem no Reino Unido e querem trazer cônjuges e outros membros da família para morar com eles.
"Imagine, por exemplo, um entregador de delivery que viva legalmente no Reino Unido e queira trazer a esposa e os filhos para viver com ele aqui. Ou o restante de sua família. A maioria deles não ganha um salário de 38,7 mil libras por ano", diz.
Nabas lembra ainda que muitos trabalhadores autônomos tampouco declaram o rendimento real ao fisco, o que é contra a lei, para evitar pagar mais imposto.
A especialista também destaca que, em sua visão, esse nível salarial é superior ao que a maioria das empresas a quem presta assessoria oferece.
Segundo ela, as ofertas de emprego que pagam salários na casa das 40 mil libras por ano são raras, mesmo para trabalhadores qualificados.
Outros destaques das novas regras de imigração são: estudantes não vão mais poder imigrar com dependentes, exceto se estiverem fazendo cursos de pós-graduação designados como "programas de pesquisa".
Além disso, também não vão mais poder mudar seu visto de estudante para um de trabalho antes da conclusão dos estudos.
Vale lembrar que todo estrangeiro precisa de visto para trabalhar no Reino Unido.
Antes do Brexit, como ficou conhecida a saída do Reino Unido da União Europeia, cidadãos europeus (incluindo brasileiros com dupla cidadania) podiam trabalhar livremente no país sem a necessidade do documento.
A maioria das pessoas que deseja trabalhar no Reino Unido ainda terá que solicitar um visto por meio de um sistema baseado em pontos (PBS, na sigla em inglês).
Mas a partir de março de 2024, elas terão que receber uma oferta de emprego com salário mais alto para conseguirem um visto de trabalho.
Elas precisarão ganhar pelo menos 38.700 libras (R$ 240 mil) por ano — um aumento de quase 50% em relação ao salário mínimo atual de 26.200 libras (R$ 162 mil) por ano.
Esse limite não se aplicará a alguns empregos — como nas áreas da saúde e da assistência social.
Mas nesse setor, os cuidadores não poderão trazer dependentes familiares.
Um sistema de pontos foi adotado pela primeira vez pelo governo britânico em 2008, quando o país era governado pelo Partido Trabalhista, que faz oposição ao atual governo, comandado pelo Partido Conservador.
Naquela ocasião, o sistema se aplicava a migrantes de países não pertencentes à União Europeia. Ele foi então revisado pelos conservadores após a votação do Brexit.
O PBS atual — que abrange migrantes da União Europeia e de outros países — passou a vigorar no final de 2020.
Os candidatos precisam de pontos suficientes para se qualificarem para um visto de trabalhador qualificado.
Todos os candidatos precisam obter os 50 pontos iniciais por terem uma oferta de emprego acima de um nível mínimo de habilidade e falarem inglês.
Os 20 pontos restantes podem advir de uma combinação de salário, de trabalho numa ocupação escassa ou de possuir uma pós-graduação relevante.
A taxa padrão para um visto qualificado varia geralmente entre 719 e 1.500 libras (R$ 4.450 e R$ 9.270) e os requerentes também precisam pagar uma sobretaxa de saúde de 624 libras (R$ 3.900) para cada ano de estadia.
A sobretaxa de saúde aumentará agora para 1.035 libras (R$ 6.400) por ano.
Existe uma "lista de ocupações escassas" para ajudar os empregadores a preencher determinadas funções.
Esses empregos têm um limite salarial mais baixo, tornando mais fácil para os candidatos obterem o número necessário de pontos para obter um visto.
Entre os empregos atualmente na lista, estão:
Pelas regras atuais, os empregadores podiam pagar aos trabalhadores estrangeiros 80% da "taxa normal" do trabalho para preencher esses cargos. Isso será abolido a partir da próxima primavera.
Além disso, os prestadores de cuidados estrangeiros não poderão mais trazer consigo familiares dependentes.
O governo afirma que também revisará a lista de escassez de ocupações e reduzirá o número de ocupações nela contidas.
O governo vai aumentar salário mínimo para aqueles que trazem familiares para o Reino Unido com visto de família para 38.700 libras (R$ 240 mil) por ano a partir de março de 2024.
A renda mínima exigida atualmente é de 18.600 libras (R$ 115 mil) por ano.
Estima-se que 70 mil pessoas vieram para o Reino Unido com vistos de família no ano que terminou em junho de 2023.
No ano que terminou em junho de 2023, 1.180.000 pessoas vieram para o Reino Unido com a expectativa de permanecer pelo menos um ano, e cerca de 508.000 partiram.
Isso significa que o saldo migratório — a diferença entre o número de pessoas que chegam e que partem — foi de 672 mil.
Em 2022, o saldo migratório atingiu um recorde de 745.000.
A grande maioria das pessoas que chegou ao Reino Unido era proveniente de países fora da União Europeia.
Os números mais recentes revelam que 968 mil vieram de países não pertencentes à União Europeia.
O estudo (39%) foi o principal motivo da vinda de migrantes de fora da União Europeia, seguido pelo trabalho (33%) e por razões humanitárias (9%), segundo o comunicado do ONS.
As cinco principais nacionalidades não pertencentes à UE foram:
A coleta oficial de dados sobre imigração foi interrompida durante a pandemia de covid-19 e houve mudanças significativas na forma como ela passou a ser feita.
Nos 12 meses até ao final de setembro de 2023, o governo emitiu 486.107 vistos de estudo.
Metade deles foi concedida a cidadãos indianos e chineses.
Os estudantes da Nigéria foram a segunda nacionalidade mais comum entre os portadores de visto de estudante, seguidos pelo Paquistão e pelos Estados Unidos.
Estudantes de cursos de pós-graduação também podiam solicitar vistos para dependentes qualificados: marido, esposa, companheiro(a) civil ou solteiro e quaisquer filhos menores de 18 anos.
No ano encerrado em setembro de 2023, foram emitidos 152.980 vistos para dependentes.
Mas a partir de janeiro de 2024, o governo retirará o direito dos estudantes internacionais de trazerem dependentes, a menos que estejam em cursos de pós-graduação designados como "programas de pesquisa".
Ou seja, muitos estudantes estrangeiros perderão o direito de trazer família para o Reino Unido.
Estudantes que já concluíram a graduação podem permanecer no Reino Unido por dois anos (três anos para quem tem doutorado) para trabalhar com visto de pós-graduação.
No ano encerrado em setembro de 2023, foram emitidos 104.501 desses vistos, excluindo dependentes.
Antes do Brexit, os cidadãos da União Europeia e do Reino Unido tinham a liberdade de viver, trabalhar ou estudar em qualquer país do bloco sem necessitar de visto de trabalho.
No entanto, essa livre circulação de pessoas terminou em 1º de janeiro de 2021.
Nos 12 meses até junho de 2023, a migração líquida para a UE foi de 86 mil negativos. Ou seja, mais cidadãos da União Europeia deixaram o Reino Unido do que chegaram.
A migração líquida de nacionais de países terceiros — a diferença entre os que chegam e os que partem — foi de 768.000.
A migração líquida de cidadãos britânicos foi de 10 mil negativos. Ou seja, mais britânicos deixaram o Reino Unido do que voltaram.
Yvette Cooper, do Partido Trabalhista, de oposição ao governo, disse que o anúncio de segunda-feira foi "uma admissão de anos de fracasso [do partido governista] conservador tanto no sistema de imigração quanto na economia".
Ela disse que embora o saldo migratório "deva diminuir", os conservadores "não conseguiram introduzir reformas mais substanciais que vinculem a imigração à formação e aos requisitos de remuneração justa no Reino Unido, o que significa que muitos setores continuarão a ver um número crescente de vistos de trabalho devido à escassez de competências".
Já Christina McAnea, secretária-geral do Unison, o sindicato dos funcionários públicos do Reino Unido, disse que "os planos cruéis significam um desastre total para o NHS (sistema de saúde público do Reino Unido) e a assistência social".
"Os trabalhadores migrantes foram encorajados a vir para cá porque ambos os setores têm uma escassez crítica de pessoal. Hospitais e asilos simplesmente não poderiam funcionar sem eles", disse.
A cientista política Madeleine Sumption, diretora da ONG Migration Observatory, especializada em migração, disse que a decisão de aumentar o limite do salário mínimo para 38.700 libras foi "a maior surpresa do dia".
Em sua avaliação, isso significa que as pessoas podem ser impedidas de trazer os seus familiares para permanecer no Reino Unido em determinadas circunstâncias.
"A migração familiar representa uma pequena parcela do total, mas aqueles afetados por ela podem ser impactados de forma muito significativa", disse.
"Os maiores impactos recairão sobre os cidadãos britânicos de baixa renda, e particularmente sobre as mulheres e os jovens que tendem a ganhar salários mais baixos", acrescentou.
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