Pesquisadores do Imperial College de Londres divulgaram nesta terça-feira (27) um estudo que aponta uma queda de anticorpos contra o coronavírus Sars-CoV-2 na população inglesa após três meses. Mais de 365 mil voluntários foram avaliados.
O artigo, ainda em pré-print, ou seja, sem revisão por pares, descreve as três fases de um estudo realizado na Inglaterra para medir a parcela da população que já teve contato com o vírus e apresenta anticorpos no sangue.
A queda de anticorpos na população, segundo os autores, sugere perda da imunidade contra o novo coronavírus em poucos meses, mas não se sabe ainda com certeza quanto tempo e como dura a resposta protetora ao Sars-CoV-2 no organismo.
Realizadas nos meses de junho a setembro, as três etapas consistiram na autoavaliação, por meio de teste rápido, de 100 mil, 106 mil e 159 mil ingleses, respectivamente. Do total de voluntários analisados, 17.576 tiveram anticorpo IgG (imunoglobulina G, associada à defesa de memória) positivo nos testes.
Separadamente, a prevalência de anticorpos para Covid-19 nas três fases foi 6%, 4,8% e 4,4%, respectivamente, com intervalo de confiança de 95%. Comparando as três etapas, houve uma queda na taxa de anticorpos, medida pela titulação dessas proteínas no sangue total, de 26,5%.
Segundo os pesquisadores, a queda na taxa de anticorpos do tipo IgG observada entre as três rodadas do estudo evidencia a diminuição na chamada "imunidade coletiva" no país, que pode estar relacionada ao aumento de novos casos a partir de setembro.
Esta segunda onda, afirmam, estaria associada a uma incidência da Covid-19 em apenas 4,4% da população inglesa -aproximadamente 2,5 milhões de habitantes de um total de 56 milhões-, revelando ainda uma parcela muito grande do país vulnerável ao contágio.
Além do exame, que era enviado aos participantes por correio, os voluntários respondiam um questionário para traçar o perfil sociodemográfico do estudo. Aspectos como cor, gênero, faixa etária, profissão e local de moradia foram avaliados.
Pedestres caminham pela Ponte de Londres pela manhã em direção ao centro de Londres. O primeiro-ministro Boris Johnson disse no dia 14 de outubro que um novo lockdown em todo o Reino Unido seria "desastroso", mas não descartou a medida caso as medidas sanitárias não sejam suficientes para conter o novo coronavírus. 15.out.20 - Daniel Leal-Olivas/AFP Pedestres caminham pela Ponte de Londres pela manhã em direção ao centro de Londres, com máscaras. ** A incidência de Covid-19 foi maior em jovens entre 18 e 24 anos e menor nos indivíduos com mais de 75 anos. Também foi maior a prevalência nos moradores de Londres em comparação com o sudoeste da Inglaterra, entre a população negra (13,8%) e asiática (9,7%) em comparação aos brancos (3,6%) e nos trabalhadores dos setores de saúde e assistência social.
Os participantes também foram questionados sobre o histórico de Covid-19 (se o voluntário apresentou sintomas típicos) e se tiveram comprovação da infecção por meio do exame RT-PCR.
Os autores encontraram maior queda de anticorpos nos indivíduos que reportaram histórico de Covid-19, mas sem o exame, do que naqueles que afirmaram ter realizado o exame para comprovação da infecção (redução de 64% ante apenas 22,3%). Isto pode ter influenciado no resultado, uma vez que não é possível assegurar se houve, de fato, a presença de anticorpos neutralizantes nesses participantes.
A queda na titulação de anticorpos também foi maior nos indivíduos com idade acima de 75 anos (-39%), notadamente aqueles que tiveram a menor prevalência, em comparação à faixa etária mais jovem (-14,9%).
O estudo, porém, possui várias limitações. A primeira, relatada pelos próprios autores, consiste no desenho do estudo: foram selecionadas amostras da população aleatórias e não sobrepostas, isto é, não houve um monitoramento da queda nos anticorpos em populações idênticas entre as três fases.
Como os participantes eram selecionados aleatoriamente, mas a participação não era compulsória, é provável que pessoas que tiveram contato com o vírus não tenham participado, contribuindo para a queda na taxa de prevalência entre as três fases.
Os autores também afirmam ainda que a questão da importância dos anticorpos tanto para proteção, quanto para possibilidade de reinfecção não está muito clara.
"É esperada, durante qualquer resposta imune humoral [anticorpos], uma queda na titulação nos meses seguintes devido à morte das células do plasma. No caso de outros coronavírus, alguns estudos apontam para a duração da resposta imune humoral de apenas um ano", escreveram os pesquisadores.
Ainda, segundo especialistas ouvidos pela Folha, o estudo falha no tipo de exame utilizado, o imunocromatográfico, com baixa sensibilidade. Os próprios autores afirmam que a queda na prevalência de anticorpos observada no estudo pode estar relacionada ao chamado limite no qual o teste não é capaz de identificar anticorpos, mesmo quando eles estão presentes (falso negativo), ou captar anticorpos específicos para outros patógenos que não o Sars-CoV-2 (falso positivo).
O teste utilizado apresentava uma sensibilidade de 84,4%, taxa abaixa do esperado. A especifidade, no entanto, era próxima à do RT-PCR (98,6%). Diversos estudos já apontaram para a falta de evidências para uso dos testes rápidos no diagnóstico de Covid-19.
Esper Kallás, infectologista da Faculdade de Medicina da USP, explica que os resultados do estudo não sustentam a conclusão. "Se fosse verdade que a segunda onda é resultado de queda de imunidade, teriam encontrado inúmeros casos de reinfecção, o que ainda é raro. O teste utilizado tem baixa sensibilidade e só detecta aqueles que têm taxas altas de anticorpos."
Para Paulo Lotufo, epidemiologista e professor titular de clínica médica da Faculdade de Medicina da USP, da mesma maneira que não é possível afirmar, apenas com base na presença de anticorpos no sangue, a confirmação da infecção por Covid-19, também não se deve usar a queda nessa titulação como garantia de perda de imunidade.
"É natural que os anticorpos apresentem uma queda. O anticorpo não vai ficar circulando o tempo inteiro [no sangue], mas, se houver uma nova infecção, ele pode responder. Temos que pensar ainda que existe a resposta imune celular. Minha impressão é que é muito difícil afirmar perda de imunidade, é mais provável que o teste tenha baixa sensibilidade", conclui.
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