Autoridades americanas já discutem a possibilidade de restringir a circulação de pessoas entre os diferentes estados de seu território para conter o coronavírus.
No dia 16, por exemplo, o presidente Donald Trump disse que esses planos eram improváveis - mas ele afirmou que, ainda assim, a ideia era debatida todos os dias. A epidemia do vírus deixou ao menos 49 mil infectados e 600 mortos nos Estados Unidos.
Não está claro, porém, se o presidente poderia tomar essa medida. Alguns especialistas defendem que a decisão de fechar divisas deve ao menos em tese partir dos governadores, e não do governo federal.
"A lei é bastante clara ao estipular que, na área da saúde pública, são os estados que têm autoridade para implementar essas restrições", diz em entrevista à Folha George Annas, professor na Universidade Boston com enfoque em temas de saúde e legislação.
O cenário é diferente do brasileiro porque, no sistema federativo americano, cada estado tem a sua própria constituição.
Cabe teoricamente também aos governadores, e não ao governo federal ou aos municípios, a decisão de impedir a entrada e saída em determinadas cidades ou regiões onde haja mais casos do vírus.
Foi o governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, que criou a zona de confinamento em Nova Rochelle, 30 km ao nordeste de Nova York. A medida não fechou as divisas - apenas limitou as aglomerações dentro do território afetado e fechou as escolas.
Dada a excepcionalidade das circunstâncias, Annas afirma que não é impensável que o governo federal decida impedir a entrada e saída nos estados mais afetados, como Nova York, mesmo essa não sendo uma de suas atribuições.
Se discordarem disso, governadores podem entrar na Justiça contra o governo federal. O caso passaria por tribunais distritais, federal e de apelação antes de chegar à Corte Suprema. Mas, segundo Annas, é improvável que a situação chegue a esse ponto.
Ademais, ele prevê que tribunais evitariam contrariar qualquer decisão tomada para impedir a propagação de uma epidemia. "A última coisa que a Justiça quer é se posicionar na área da saúde pública", afirma o professor.
Com a epidemia se alastrando pelo país, a população provavelmente apoiaria as restrições de movimento, diz Annas, mesmo se com isso as pessoas não pudessem mais viajar de um estado ao outro. Isso depende, no entanto, de como essa decisão for implementada, se esse dia chegar. "O governo não pode discriminar de acordo com a raça, religião ou origem das pessoas", ele afirma. A medida teria de valer para todos.
Há raros precedentes de estados fechando divisas nos Estados Unidos, o que faz dessa questão mais controversa. Nos anos 1930, após um duro período de seca, americanos de determinadas regiões migraram em massa para a Califórnia. O estado tentou, naquele período, restringir a entrada de pessoas. A Corte Suprema decidiu que a decisão era inconstitucional - afinal, limitava o direito de circulação pelo país. Não estava em questão, no entanto, a saúde de todo o território, algo que afeta o debate atual.
De todo modo, ainda se houver respaldo constitucional para fechar as divisas, especialistas colocam em dúvida se a medida faria alguma diferença neste estágio. Já há, afinal, casos de coronavírus em todos os estados americanos, incluindo o distrito federal.
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