O retorno às aulas presenciais de parte dos estudantes nos EUA provocou insegurança em meio ao aumento de casos de Covid-19 e fez com que autoridades reavaliassem o processo de reabertura das escolas em diversos estados do país.
Nesta terça-feira (1º), o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, adiou em 11 dias o início do ano letivo na cidade, como parte de um acordo para evitar uma greve de professores e também tentar acalmar diretores e pais que não avaliam que as instituições estejam prontas para receber alunos presencialmente.
Nova York foi um dos principais epicentros da pandemia em abril e registra mais de 439 mil casos e 32,5 mil mortes por Covid-19. Nas últimas semanas, porém, os índices da região têm caído vertiginosamente, e De Blasio decidiu marcar a reabertura das escolas públicas para 10 de setembro -agora postergada para dia 21.
As discussões acerca do retorno às aulas nos Estados Unidos ganham semelhanças com os que vêm acontecendo no Brasil. Enquanto o governo de São Paulo estima que 128 cidades voltem às aulas no próximo dia 8, na capital o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou que só neste mês decidiria se os alunos voltam às salas ainda neste ano.
Em Nova York, professores e diretores argumentavam que, além das preocupações com limpeza e a necessidade de providenciar equipamento de proteção pessoal, não havia informações claras sobre a periodicidade de testes para Covid-19 nas escolas, nem tempo hábil para preparar atividades adaptadas à nova realidade.
À falta de planejamento, soma-se a experiência fracassada de outros estados que permitiram a volta dos alunos e assistiram ao rápido aumento de casos -nesta semana, os EUA chegaram a 6 milhões de infecções e mais de 183 mil mortes.
Com 1,1 milhão de estudantes, Nova York é o maior distrito escolar dos EUA, e a cidade é a única entre as grandes do país que planeja reabrir as escolas ainda neste mês.
Nos EUA, como no Brasil, os governos locais têm autonomia para determinar o cronograma da retomada econômica -o que inclui as instituições de ensino-, mas a falta de consenso para equilibrar os riscos do vírus com o impacto de manter escolas fechadas deu novos contornos ao processo, inclusive com disputas judiciais.
Instituições na Flórida, por exemplo, se recusam a cumprir ordens do governador republicano Ron DeSantis, aliado do presidente Donald Trump, que insiste em manter as escolas abertas.
No mês passado, o Departamento de Educação da Flórida emitiu uma ordem executiva exigindo que todas as escolas abrissem pelo menos cinco dias por semana para todos os alunos, mas um juiz estadual concedeu uma liminar bloqueando a exigência.
Em seguida, um tribunal de apelações suspendeu a liminar do juiz, mas algumas instituições se negam a cumprir a primeira determinação.
Com 623 mil casos e 11 mil mortes, a Flórida registrou um dos piores quadros da pandemia.Trump defende a reabertura das escolas 100% presenciais e decretou professores como trabalhadores essenciais em 20 de agosto.
O Centro de Prevenção e Controle de Doença dos EUA (CDC, na sigla em inglês) divulgou recomendações para a volta às aulas, com diretrizes sobre distanciamento social e uso de máscaras.
O órgão, porém, esclarece que as regras são de responsabilidade regional e que suas orientações são para "complementar, e não substituir" ordens locais.
Diretor do Instituto de Doenças Infecciosas e integrante da força-tarefa da Casa Branca para a pandemia, Anthony Fauci segue a mesma linha de independência regional, mas defende o uso universal das máscaras -algumas escolas têm dito que usar o acessório é opcional, já que o tema virou debate político no país.
"Isso será decidido em nível local, mas posso dar minha opinião: o uso universal de máscaras é uma das coisas mais importantes para prevenir a transmissão do vírus", afirmou Fauci em entrevista à ABC.
Assim como o prefeito de Nova York, os governadores de Rhode Island e do Kentucky, também democratas e de oposição a Trump, anunciaram que vão postergar o início do ano letivo para o meio e o fim de setembro, respectivamente.
A governadora Gina Raimondo, de Rhode Island, disse que as escolas do estado não finalizaram suas diretrizes para manter o distanciamento social entre os alunos no transporte e nas salas de aula.
Já Andy Beshear, do Kentucky, disse que baseou sua decisão nas informações de que várias escolas que haviam reaberto precisaram fechar em razão da alta de casos.
O temor é seguir o roteiro de Alabama, Geórgia, Oklahoma, Indiana e Mississippi. Governados por republicanos, assim como a Flórida, esses estados foram os primeiros a anunciar a reabertura das escolas para aulas presenciais e logo registraram vários casos de contaminação por Covid-19.
Uma das instituições na Geórgia, por exemplo, ganhou atenção nacional há duas semanas, quando uma estudante postou no Twitter fotos dos corredores lotados de alunos, grande parte sem máscara.
A escola fechou depois que seis estudantes e três funcionários foram diagnosticados com Covid-19 -em poucos dias, o número passou para 35.
De acordo com a Academia Americana de Pediatria, entre julho e agosto, houve um aumento de 90% no número de diagnósticos de Covid-19 entre crianças que, geralmente, não apresentam sintomas e têm menos possibilidade de morrer, mas há evidências de que podem transmitir vírus para outras pessoas.
Em meio à insegurança e sem regras nacionais, cada estado americano tem estabelecido o protocolo de reabertura das escolas, mas há ainda variações por distrito e até por instituição.
De acordo com dados compilados pela Education Week, além da Flórida, há outros quatro estados que deram ordem de aulas presenciais em tempo integral ou meio período. São eles: Iowa, Arkansas, Missouri e Texas, enquanto Califórnia e a capital americana, Washington, por exemplo, não permitem a reabertura das escolas.
Há ainda opções híbridas, com aulas remotas e presenciais, como em Carolina do Norte, Virgínia e Delaware. Em 36 dos 50 estados, porém, as regras para a abertura das escolas podem variar de acordo com a instituição, distrito ou autoridades de saúde locais -como é o caso de Nova York.
Uma preocupação semelhante à que enfrentam alunos da rede pública brasileira norteia o principal argumento de Bill de Blasio.
O prefeito diz que a maioria dos alunos de baixa renda, como negros e latinos, precisa urgentemente de aulas presenciais, pois não possuem boas condições de internet e de acompanhamento de aulas remota -114 mil alunos da cidade são sem-teto, por exemplo.
O argumento é apoiado por especialistas em educação e remete a um debate também acalorado de cem anos atrás, durante a gripe espanhola.
Em 1918, as escolas eram consideradas ambientes limpos e com acesso a enfermeiros, diferente do que grande parte dos alunos encontrava em casa. Naquela época, Nova York manteve suas escolas abertas, assim como Chicago e New Haven.
Muitos pais tinham medo de enviar os filhos às escolas, que mantinham as janelas abertas inclusive no inverno.
Hoje, De Blasio volta a ver solução nas janelas abertas, mas grande parte dos pais e professores não está segura com o retorno 100% presencial dos estudantes, em meio a uma pandemia que ainda não foi controlada no país.
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