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EUA têm desafios como a China, diz Biden ao anunciar saída do Afeganistão

EUA têm desafios como a China, diz Biden ao anunciar saída do Afeganistão

O presidente anunciou que a operação começa em 1º de maio e deve terminar antes de 11 de setembro, data que marcará as duas décadas dos atentados terroristas em solo americano

Publicado em 14 de abril de 2021 às 16:38- Atualizado há 4 anos

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O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa durante a cerimônia de sua posse realizada no Capitólio, em Washington (DC), nesta quarta-feira (20)
O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, agradeceu as tropas americanas que serviram em solo afegão, as quais "pagaram um preço tremendo em nosso nome". (JONATHAN ERNST/ESTADÃO CONTEÚDO)

Ao anunciar a retirada de tropas americanas e da Otan (aliança militar ocidental) do Afeganistão, o presidente Joe Biden afirmou que os EUA precisam se preocupar com outros desafios -a começar por uma "crescentemente assertiva China".

Os EUA atacaram e invadiram o país do sul da Ásia em 7 de outubro de 2001, após os atentados com aviões em seu território, no dia 11 de setembro daquele ano. É o mais longo engajamento militar da história do país.

Biden confirmou que vai começar a retirar suas tropas naquela que o Taleban, o grupo fundamentalista islâmico que foi defenestrado do poder há quase 20 anos por ter abrigado os mentores dos ataques terroristas, considerava a data para a saída total: 1º de maio.

O prazo para a saída dos cerca de 3.500 americanos e 7.000 aliados do país é, com efeito, 11 de setembro deste ano.

Biden foi claro em sua motivação. Disse não ver motivos para "concentrar tropas num só país", enquanto o combate ao terrorismo se tornou um esforço pulverizado pelo planeta. Além disso, é preciso lidar com os "competidores da América", citando a China, mas não a Rússia com quem se estranha na Ucrânia.

Falou também em estar preparado para uma futura pandemia, "e haverá uma nova pandemia".

Negociado por seu antecessor Donald Trump, o acordo foi "herdado", disse Biden. O porta-voz do Taleban já disse que não aceitará a presença estrangeira depois do combinado para começar as negociações de paz com o governo de Ashraf Ghani.

Biden disse que o cronograma estabelecido é "responsável" e que não irá "correr para a saída". "O Taleban sabe que, se nos atacar, iremos nos defender", afirmou, notadamente deixando de fora da equação os atentados contra alvos do governo local.

O presidente americano, que lidou com a questão afegão no auge do envolvimento americano como vice de Barack Obama, na virada dos anos 2010, expressou o cansaço e a frustração com a guerra.

"O objetivo [da guerra] foi claro, a causa era justa. Nós garantimos que eles não nos atacarão. Nós pegamos Osama [bin Laden, o mentor dos atentados]. Isso faz dez anos, e ainda estamos lá. As razões para isso não são claras", disse.

Dizendo que é o quarto presidente a tratar do conflito, disse: "Não vou passar a responsabilidade para um quinto". Em tom emotivo, Biden lembrou que seu filho Beau (morto por câncer em 2015) serviu no Iraque, numa das guerras do pós-11/9.

"Está na hora de acabar a mais longa guerra da América. Está na hora de as tropas americanas voltarem para casa", afirmou Biden.

Em Bruxelas, a Otan confirmou que seguirá o cronograma americano para a retirada. Entre os 36 países que contribuem com o esforço há países de fora da aliança, como Nova Zelândia e Geórgia.

Biden lembrou, puxando uma carta de seu bolso que ele disse carregar desde que era vice, os hoje 2.488 mortos americanos no conflito. Não houve palavras aos restantes que totalizam quase 160 mil vítimas, entre afegãos dos dois lados, civis e mesmo mercenários ocidentais.

Após seu pronunciamento na TV, foi ao cemitério militar de Arlington (Washington).

Queixou-se dos que "insistem em que não é hora de sair", pois isso "enfraqueceria os EUA". "Eu penso o contrário. Há sete anos a Otan disse que era a hora de sair. Quando será? Em dois, dez anos? Não agora? Foi assim que chegamos aqui", disse.

As repercussões da admissão da inutilidade da guerra hoje por Biden seguiram. Em um depoimento cândido ao Senado, o diretor da CIA (Agência Central de Inteligência), William Burns, afirmou que "quando os militares saírem, a habilidade do governo em coletar [dados] e trabalhar sobre ameaças vai diminuir".

"Isso é simplesmente um fato", completou. Analistas consideram que os riscos de aumento de terrorismo no curto prazo são baixos, mas o exemplo do Iraque está aí para lembrar a todos -a dificuldade em lidar com insurgências ajudou a dar origem ao Estado Islâmico.

É possível que o Taleban foque, num primeiro momento, em restabelecer o poder, como força dominante ou não. O grupo sempre teve objetivos territoriais, não era uma rede terrorista global como Al Qaeda, por mais que sempre tenha empregado o terror.

Será hostil ao Ocidente, certamente, e grupos radicais abundam nas suas fronteiras com o Paquistão. Isso certamente assusta americanos e europeus, mas talvez o Taleban não esteja interessado em repetir 2001, quando foi derrubado por ter abrigado os responsáveis pelo 11 de Setembro.

Biden conversou com Ghani, o presidente afegão que é visto por muitos em seu país como marionete dos EUA. "Nossas tropas são totalmente capazes de defender o país", afirmou Ghani.

O americano, em seu discurso, afirmou que os EUA permanecerão presentes no Afeganistão, mas não militarmente. "Nosso trabalho diplomático e humanitário vai continuar", afirmou, ressaltando que países como Paquistão, Rússia, China e Turquia também têm papel hoje na região.

Lembro que armou um exército que agora tem 300 mil soldados -inclusive com uma pequena Força Aérea que tem no caça brasileiro Super Tucano sua estrela.

A ressalva de continuidade visa aplacar uma preocupação de cunho histórico, que remonta à invasão do Afeganistão pela União Soviética, em 1979.

Ao longo da década seguinte, os EUA forneceram armas para os mujahedin (guerreiros santos muçulmanos). Ao fim, tomados pela crise terminal do regime comunista mas também humilhados pela guerrilha, os soviéticos bateram em retirada.

A partir daí, os americanos deixaram os mujahedin para trás. Eles não eram só afegãos da etnia dominante pashtun (40% da população), mas também estrangeiros como um certo Bin Laden, filho rebelde de um magnata saudita.

O Afeganistão caiu numa guerra civil sanguinária a partir de 1992, que acabou com a vitória dos talebans (de "talibs", estudantes em pashtun, no caso de escolas religiosas das zonas tribais do Paquistão), quatro anos depois.

O país destroçado foi dominado então pelos fundamentalistas apoiados por Islamabad, que precisava de um anteparo estratégico na sua fronteira noroeste, e não um aliado da sua rival Índia.

O horror daqueles anos é bastante documentado, como na erradicação da vida pública das mulheres e de seus direitos. Execuções, torturas e leis draconianas pretendiam emular um califado medieval às margens do século 21.

Alguns mujahedin saíram do país, caso de Osama, que montou a partir dali a rede terrorista Al Qaeda, que começou as mostrar os dentes no fim dos anos 1990 com ações na África e no Golfo Pérsico.

Em 1996, tendo sido expropriado e expulso do Sudão, Osama refugiou-se com velhos conhecidos no Afeganistão.

Dali, circulando na porosa fronteira com o Paquistão, tramou os atentados do 11 de setembro de 2001, o ápice de sua sombria carreira. Como anfitriões, os talebans pagaram a conta e foram derrubados pela ação militar americana subsequente.

Osama, o estopim da chamada guerra ao terror, que espalhou-se por locais que nada a tinham a ver com seu início como o Iraque, foi executado pelos americanos numa casa perto da principal academia militar paquistanesa, em Abbottabad, dez anos depois.

O legado dos conflitos foi até aqui, segundo estudo da Universidade Brown (EUA), de 800 mil vidas e US$ 6,4 trilhões gastos, talvez um terço disso só no Afeganistão. E o mundo nunca mais foi o mesmo, ainda que o impacto inicial do medo do terror tenha se diluído e sido incorporado em práticas diárias –como qualquer viagem aérea comprova.

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