Os líderes das maiores economias do mundo, reunidos na cúpula do G20, criticaram invasões territoriais e lamentaram o impacto da guerra da Ucrânia em todo o mundo.
Eles também afirmaram que "o uso ou ameaça de uso de armas nucleares é inadmissível”, em referência a atuação russa no conflito.
A manifestação consta do comunicado final da cúpula realizada neste fim de semana em Nova Déli, na Índia, antecipado para este sábado.
A manifestação divulgada um dia antes do término do encontro surpreendeu, já que havia dúvidas se haveria acordo para uma manifestação conjunta do grupo, justamente devido às fortes divergências em torno da guerra da Ucrânia, país invadido pela Rússia em 2022.
Por outro lado, o comunicado deixou de citar textualmente uma resolução aprovada na Organização das Nações Unidas que condena expressamente a invasão da Ucrânia e pede a imediata retirada das tropas russas, trecho que entrou no comunicado final da cúpula do ano passado, em Bali, Indonésia.
A mudança foi necessária para que houvesse consenso em torno do texto.
“Em linha com a Carta das Nações Unidas, todos os Estados devem abster-se da ameaça do uso da força ou de buscar a aquisição territorial contra a integridade territorial e a soberania ou a independência política de qualquer Estado. O uso ou ameaça de uso de armas nucleares é inadmissível”, diz o novo comunicado, logo após citar a guerra na Ucrânia.
“Destacamos o sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra na Ucrânia no que diz respeito à segurança alimentar e energética global, às cadeias de abastecimento, à estabilidade macrofinanceira, à inflação e ao crescimento, o que complicou o ambiente político para os países, especialmente os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos que ainda estão se recuperando da pandemia de Covid-19”, diz ainda o documento.
Esse trecho termina, porém, ressaltando as divergências dentro do G20: “Houve diferentes pontos de vista e avaliações da situação”.
O documento continua defendendo iniciativas pacíficas pelo término do conflito. Por outro lado, não houve a inclusão de uma pressão por retirada imediata das tropas russas do território ucraniano, como queriam potências ocidentais.
“Vamos nos unir no nosso esforço para enfrentar o impacto adverso da guerra na economia global e saudaremos todas as iniciativas relevantes e construtivas que apoiam uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia, que defenderá todos os Propósitos e Princípios da Carta das Nações Unidas para a promoção de relações pacíficas, amigáveis e de boa vizinhança entre as nações no espírito de 'Uma Terra, Uma Família, Um Futuro’”, citando o lema da cúpula indiana.
“A era de hoje não deve ser de guerra”, finaliza esse trecho do documento.
A cúpula do G20 reúne os líderes das maiores economias do mundo e conta com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — o Brasil assume a presidência do grupo em dezembro.
No entanto, o presidente russo, Vladimir Putin, não está presente em Nova Déli devido a suas preocupações com a guerra e sua segurança pessoal. Ele foi representado por seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov.
A invasão russa à Ucrânia começou em 24 de fevereiro de 2022. Um dos argumentos usados pelo lado russo para tentar justificar o ataque seria impedir o que classifica de cerco à sua fronteira com a possível adesão da Ucrânia à Otan — aliança militar de 30 países liderada por potências ocidentais, que se expandiu pelo Leste Europeu, incluindo hoje 14 países do ex-bloco comunista.
Putin acusa ainda, sem provas, o governo ucraniano de genocídio contra ucranianos de origem étnica russa que vivem nas regiões separatistas de Donetsk e Luhansk. Ele alega que a invasão tenta "desmilitarizar e desnazificar" a Ucrânia.
Por outro lado, a Ucrânia e outros observadores veem na guerra uma tentativa da Rússia restabelecer a zona de controle e influência da antiga União Soviética, algo visto como desrespeito à soberania da Ucrânia, que deveria ter o direito de decidir seu destino e suas alianças.
Passado mais de um ano do conflito, o governo russo é acusado de ter cometido crimes de guerra, incluindo a deportação ilegal de crianças da Ucrânia para a Rússia.
Por causa disso, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 17 de março um mandado de prisão contra Putin.
Em meio a esse delicado conflito, que divide grandes potências, o Itamaraty tem mantido equilíbrio em suas posições na ONU.
O Brasil apoiou, por exemplo, duas resoluções das Nações Unidas contra a ação russa. A mais recente, de fevereiro, condenava a invasão territorial ucraniana e exigia a imediata retirada das tropas russas.
Essa resolução obteve 141 votos a favor, sete contra e 32 abstenções entre os 193 Estados-membros da ONU.
Os países que votaram contra o texto foram Rússia, Belarus, Síria, Coreia do Norte, Eritreia, Mali e Nicarágua. Entre os que se abstiveram estavam China, Índia, Moçambique, Angola e Cuba.
Segundo os especialistas ouvidos, a posição brasileira foi coerente com sua tradição de seguir os princípios previstos na Carta da ONU, de respeito à integridade territorial dos países, de promoção à paz e de evitar agressões entre as nações.
O documento, assinado pelo Brasil em 1945, é o tratado que estabeleceu as Nações Unidas.
Por outro lado, o respeito à Carta também explica a decisão do Brasil de não apoiar as sanções impostas pelas potências ocidentais à Rússia.
Segundo a interpretação do Itamaraty sobre esse documento, sanções internacionais só são legais se aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Países desenvolvidos, porém, discordam dessa interpretação e lembram que não seria possível aprovar sanções no Conselho de Segurança contra a Rússia porque o país é membro permanente e tem poder de veto.
"Ao Brasil interessa que sanções sejam limitadas ao mecanismo de segurança coletiva porque não tem capacidade de aplicar sanções unilaterais e teme ser alvo desse tipo de medida. Já os países poderosos não temem ser alvos e são capazes de aplicar sanções dolorosas aos demais", nota um diplomata ouvido pela reportagem.
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