O governo Jair Bolsonaro tem se queixado e pressionado o Reino Unido na tentativa de revisar as regras sanitárias para a participação de delegações estrangeiras na COP 26. A reunião global sobre o clima da ONU está prevista para ocorrer em novembro, em Glasgow (Escócia).
Os britânicos estabeleceram a exigência de isolamento obrigatório de no mínimo cinco dias para representantes de países que estão na chamada lista vermelha do governo local. Além do Brasil, a relação inclui a maior parte da América Latina e diversas nações da África.
O requisito de quarentena, a ser cumprida em hotéis indicados pelas autoridades britânicas, vale inclusive para visitantes que estejam vacinados contra a Covid-19. Os não imunizados devem se isolar por mais tempo - dez dias.
Como o Reino Unido não impôs a mesma exigência para delegados de locais que não estão na lista vermelha - como é o caso de Estados Unidos, Canadá e países europeus -, membros do governo brasileiro argumentam que as nações em desenvolvimento estarão em desvantagem frente aos negociadores dos países ricos.
Assim, o Itamaraty se alinha nos bastidores a outros governos que também têm reclamado das normas estabelecidas pelo Reino Unido. Até o momento, as críticas públicas mais duras foram feitas pela África do Sul.
Negociadores brasileiros relataram que a exigência de quarentena para os representantes oficiais ainda deve ter impacto nos custos do envio da missão brasileira para Glasgow. Um interlocutor relatou que, caso a imposição seja mantida, o tamanho da delegação na conferência do clima poderá ser menor do que o inicialmente planejado.
Os britânicos, por sua vez, prometem arcar financeiramente com o isolamento obrigatório de enviados dos países que hoje compõem a lista vermelha.
Questionado, o Itamaraty disse que ainda não é possível estimar o número total de representantes do país, uma vez que o processo de credenciamento de delegados ainda está aberto.
O ministério afirmou ainda estar preocupado com as regras sanitárias de participação na reunião, "em especial [com] a classificação do Brasil e demais países em desenvolvimento na chamada lista vermelha".
"Compartilhamos com as autoridades britânicas a preocupação com a proteção sanitária dos participantes da COP 26 e da população local, mas entendemos que o evento deva ser inclusivo, garantindo a ampla e equânime participação de todos os países-partes na Convenção-Quadro [das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima], bem como da sociedade civil", diz a nota da chancelaria, que também cita a questão dos custos.
Interlocutores consultados pela reportagem afirmaram que a possibilidade de governos da América Latina e da África estarem sub-representados na conferência é uma preocupação. Isso porque há negociações em curso que opõem os interesses das nações ricas e dos países em desenvolvimento.
De acordo com auxiliares no governo, outro ponto problemático é que as normas estabelecidas pelo Reino Unido tendem a desencorajar a participação de organizações da sociedade civil dos países que estão na lista vermelha.
A presença do Brasil na COP 26 foi um dos temas de uma reunião bilateral recente do presidente Bolsonaro com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. Os dois se encontraram em 20 de setembro, em Nova York, antes da Assembleia-Geral da ONU.
Na ocasião, segundo relatos de presentes, Boris convidou oficialmente Bolsonaro a estar presente na COP 26. Como resposta, ouviu uma reclamação pelo fato de o Brasil ainda estar no grupo sujeito às mais severas restrições de entrada no Reino Unido.
A fala de Bolsonaro foi entendida pelas autoridades britânicas como um recado de que ele não pretende viajar a Glasgow caso o país permaneça na lista vermelha. Depois da reunião, membros do governo federal disseram que a expectativa é que os britânicos alterem a classificação do Brasil na próxima revisão da lista, prevista para o início de outubro.
As queixas do governo brasileiro têm sido apresentadas também em reuniões reservadas do Itamaraty com autoridades do Reino Unido.
Nas conversas, diplomatas têm ressaltado que o Brasil registra, em termos proporcionais, um nível de imunização da população maior do que outros países que estão dispensados da necessidade de quarentena de acordo com a lista.
Procurada, a Embaixada do Reino Unido em Brasília disse que a COP 26 será "inclusiva" e terá a participação de representantes de todo o mundo. Isso será possível, afirmou o órgão, "graças a um conjunto abrangente de medidas de mitigação da Covid-19".
"Elas incluem uma forte recomendação de que todos que venham à COP estejam totalmente vacinados e testados, façam um regime de testagem e isolamento, além do distanciamento social, do uso de máscaras de proteção e boas práticas para melhores higiene e ventilação", informa o comunicado.
"A regulamentação de viagens do Reino Unido tem como base a avaliação de risco para a Covid-19 em cada país e território, além de fatores de saúde pública mais abrangentes."
A missão diplomática também afirmou que o governo britânico "financiará as estadias de quarentena necessárias para todos os participantes registrados para a COP 26 que, caso contrário, teriam dificuldades financeiras para participar". O Reino Unido prometeu pagar as despesas de quarentena de todos os participantes do Sul Global (o que incluiria o Brasil) e atores não estatais, como mídia e representantes de outras organizações.
De acordo com as autoridades britânicas, já há flexibilizações nas regras sanitárias para a COP 26. Chefes de Estado e ministros não precisarão cumprir isolamento prévio. Dois assessores diretos de cada ministro também estarão isentos.
Apesar da recomendação de que quem for ao evento precise estar vacinado, interlocutores no governo britânico reconhecem que não terão como exigir a imunização de chefes de Estado, como é o caso de Bolsonaro -como se deu nos EUA, por ocasião da Assembleia da ONU.
O tema, aliás, foi motivo de alguns constrangimentos na viagem do brasileiro a Nova York, já que ele afirma não ter se imunizado -e a cidade determina que apenas pessoas com o ciclo vacinal completo frequentem determinados locais. A Escócia implantou seu passaporte de imunização nesta sexta (1º), para a entrada em estabelecimentos como boates e grandes eventos.
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