Ativistas colocam em prática nesta terça-feira (3) a experiência adquirida em meses de manifestações em Washington. Vinham protestando na capital americana desde maio deste ano exigindo o fim da violência policial e da desigualdade racial. Com a chegada destas eleições, mobilizaram as mesmas redes de contato para chamar a população de volta às ruas -para ficar.
Preparados para uma longa noite e chicoteados por um vento frio, mais de 30 grupos começaram a convergir nos entornos da Casa Branca durante a tarde para a acompanhar a contagem dos votos. O evento principal começa às 21h locais (23h em Brasília), com caminhões de comida, distribuição de garrafas de água e uma agenda de shows e discursos. Nomearam porta-vozes, criaram um sistema de credenciamento para a imprensa e designaram espaços para repórteres posicionarem as câmeras.
O trecho da rua 16 que culmina na Casa Branca não foi escolhido por acaso para a manifestação. A prefeitura batizou o local de praça Black Lives Matter (vidas negras importam) justamente em homenagem aos movimentos sociais deste ano. É, hoje, o espaço nobre da capital para esse tipo de ato.
Foi ali, afinal, que ativistas se reuniram depois da morte de George Floyd em 25 de maio, em Minneapolis. Negro, Floyd foi estrangulado por um policial branco. Houve protestos em todo o país -mas o tom era mais urgente em Washington, dado o peso político da capital.
"Nesses últimos meses, aprendemos que precisamos construir coalizões, unir as vozes mais sensatas", diz Ty Hobson-Powell, um dos organizadores do evento de terça-feira. "A praça Black Lives Matter homenageia os protestos realizados em Washington neste ano", afirma. Agora, durante a eleição, os movimentos sociais ocupam esse espaço para exigir uma eleição justa e uma transição pacífica de poder, independente de quem vença o republicano Donald Trump ou o democrata Joe Biden.
"Alguns dos grupos envolvidos nesses protestos existem há bastante tempo, mas todos nós ganhamos experiência nos últimos meses", diz Hope Neyer, uma das organizadoras do movimento ShutDownDC. Entre as lições, Neyer cita a necessidade de lidar com grupos rivais e com a possibilidade de confrontos. "Aprendemos a não subestimar a violência policial", afirma.
O fato de que a eleição pode se alongar madrugada adentro, enquanto diferentes estados contam os votos no seu próprio ritmo, significa que muitos dos manifestantes planejavam virar a noite ali. Mesmo que já saibam o resultado, ademais, não pensam em deixar as ruas. Diversos grupos da sociedade civil preveem manifestações durante toda a semana. Há até cursos planejados para estes próximos dias ensinando ativistas, por exemplo, a fotografar protestos. "A nossa recomendação é voltar para casa, recarregar as energias e voltar amanhã", diz Neyer.
Os ativistas alinhados ao mote Black Lives Matter, porém, dividem o espaço ao redor da Casa Branca com outras organizações. Durante a tarde, manifestantes com o boné vermelho MAGA (sigla para faça a América grande outra vez) na cabeça declaravam seu apoio ao presidente Trump. Um homem negro com tal chapéu discutia com manifestantes pró-igualdade racial e discordava de que a vida estava pior para os afro-americanos sob o governo republicano. Esse tipo de interação complica o estereótipo das divisões entre direita e esquerda no país. Havia também grupos latinos em apoio ao presidente Trump, com cartazes escritos em espanhol.
Outro grupo que se mobiliza são as organizações cristãs, que convocaram rezas coletivas nos entornos da Casa Branca e nas escadarias de igrejas da cidade. A ideia é pedir ajuda divina para que o país siga no seu rumo. Querem, ainda, proteger a capital americana do que chamam de "anarquistas".
Andrea Lafferty explica: anarquistas são os ativistas do Black Lives Matters, os Antifas e os "marxistas" que têm se manifestado na capital. "Eles queimaram prédios, estilhaçaram vidraças e cometeram graves crimes", diz. "Sequestraram a causa da justiça e o país virou refém do medo."
Seu discurso se assemelha ao do presidente Trump, que frequentemente culpou os movimentos sociais por incidentes isolados na cidade, em especial após a morte de George Floyd, quando algumas lojas foram saqueadas. Lafferty, porém, não disse se votou no republicano. Apenas afirmou ser guiada pela Bíblia no que diz respeito, por exemplo, ao aborto e ao casamento gay.
Lafferty não é a única pessoa receosa de que a eleição descambasse em violência, fosse da esquerda ou da direita. A Casa Branca está cercada por muros. Cafés e restaurantes da região central foram cobertos por tapumes uma tarefa à qual trabalhadores ainda se dedicavam na tarde de terça-feira (3). Mas a tarde passou sem grandes sustos na capital, exceto algumas discussões acaloradas entre os grupos que dividem espaço perto da Casa Branca.
Locais de voto, como a casa de shows Capital One Arena, quase não têm fila. Em parte porque 260 mil pessoas votaram com antecedência na cidade, mais de metade do eleitorado total. Quase 70 mil haviam feito isso pessoalmente. Sobraram, assim, poucas pessoas para votar de última hora.
Há também pouca urgência, em comparação com estados-pêndulos aqueles que ora votam em republicanos, ora em democratas. Washington nunca elegeu um republicano desde que, em 1961, ganhou o direito de nomear três delegados para o colégio eleitoral composto por 538 pessoas. O presidente Trump teve 4% dos votos ali em 2016, o equivalente a menos de 13 mil.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta