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Guerras, eleições e 'fim da lua de mel': os obstáculos à relevância de Lula no G7

Guerras, eleições e 'fim da lua de mel': os obstáculos à relevância de Lula no G7

Lula tem a missão de conseguir atenção para assuntos de interesse do Brasil, que em novembro sedia a cúpula do G20, mas neste ano será mais difícil conseguir destaque no encontro, segundo analistas

Publicado em 14 de junho de 2024 às 11:19

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Imagem BBC Brasil
Após ter ido a Genebra, na Suíça, Lula chegou a Apúlia, na Itália, na noite de quinta-feira . (Reuters )

Laís Alegretti

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Itália para participar de encontro do G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), após convite da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. Ele também tem marcadas reuniões bilaterais com o Papa Francisco e lideranças internacionais.

O cenário que Lula encontra no evento, no entanto, promete ser mais desafiador do que aquele visto na última reunião dos líderes e convidados do G7, no Japão, em 2023, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Naquele momento, há pouco mais de um ano, a participação de Lula – então nos primeiros meses do novo mandato – foi celebrada como o retorno do Brasil a este fórum depois de 14 anos sem o país ser convidado.

“Em 2023, houve uma lua de mel do Lula com a comunidade Internacional”, diz o cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV EAESP. Ele aponta que a comparação, naquele momento, era com o antecessor, Jair Bolsonaro, “um presidente que teve muitas rusgas com o Ocidente”.

Neste ano, o “fator novidade” já não é mais um benefício extra para Lula, que tem a missão de encontrar holofotes para assuntos de interesse do Brasil – que em novembro sedia a cúpula do G20, no Rio de Janeiro –, ao mesmo em que uma série de dores de cabeça o aguardam no Brasil.

Na Itália, os principais obstáculos na disputa por atenção internacional estão no volume e na urgência de temas que preocupam os países do G7.

Ou seja, como competir por atenção internacional em um contexto que inclui: ano de eleição nos Estados Unidos e no Reino Unido, recente avanço dos partidos de direita radical pela Europa, dissolução do parlamento francês – além, é claro, principalmente, das guerras na Ucrânia e em Gaza.

“O Lula teve muita visibilidade no ano passado, e terá hoje uma participação menos visível”, afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), antes de elencar os temas mais urgentes para países do grupo.

A cientista política Fernanda Nanci Gonçalves, professora de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que Lula segue com “prestígio internacional” e “é uma liderança carismática”. Aponta, no entanto, que o Brasil “não é o mesmo país de suas primeiras gestões, não tem a mesma pujança econômica e a região está desorganizada, sem que o país se apresente como uma liderança regional forte, com capacidade de articulação”.

Diz, ainda, que o “o papel do país como mediador de conflitos internacionais também não está forte nesse momento”.

Tudo isso, diz a professora, atrapalha “a capacidade de influenciar os rumos das discussões internacionais”.

Procurado pela reportagem, o Palácio do Planalto reforçou que “o Brasil vai sediar o G20 e está participando [do G7] nesse contexto”.

Nesse cenário, quais assuntos Lula deve levar ao G7 – e com quais tópicos o presidente deve tomar cuidado, segundo analistas?

Imagem BBC Brasil
Lula foi convidado para participar do encontro do G7 em 2024 pela primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, anfitriã do evento, que chega fortalecida após resultado de eleições na Europa. (Reuters)

Taxação de super-ricos, clima e combate à fome

A previsão é que Lula fale no G7 sobre redução da fome e da desigualdade; transição energética e mobilização contra mudança do clima; além de taxação dos super-ricos.

A criação de uma taxação global sobre a riqueza de bilionários vem sendo defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad – que já apresentou a ideia inclusive para o papa Francisco em visita no início de junho. A ideia é destinar os recursos para medidas de combate à fome e às mudanças climáticas.

Fernanda Gonçalves considera um “tema sensível e difícil de endereçar” e diz que não é um consenso, embora alguns países tenham sinalizado positivamente com o interesse de discuti-lo.

Nesse ponto, Casarões diz que Lula tentará “alavancar partes importantes da pauta econômica do governo junto aos seus interlocutores ocidentais”.

O professor avalia que a ideia do governo brasileiro é buscar apoio a temas “que são caros ao governo Lula, mas que não gozam de tanto apoio interno”.

“Acho que o governo vai tentar fazer uma espécie de manobra internacional para legitimar certas pautas – principalmente no campo econômico – que são de interesse do governo e para as quais não há consenso interno muito bem definido. Pode ser que o uso dessa plataforma internacional sirva, para o governo legitimar de maneira mais clara sua agenda”.

A participação no encontro do G7, segundo Casarões, gera para o Brasil uma “expectativa importante de alavancar a posição da política externa brasileira, principalmente tendo em vista reunião do G20, e de colocar o Brasil como um país responsável economicamente, uma espécie de liderança do Sul Global também no campo econômico”.

Durante os encontros no âmbito do G7, há também previsão de que Lula fale sobre a proposta do governo brasileiro de criar uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza no âmbito do G20, com lançamento previsto para novembro, quando o Brasil sedia a cúpula, no Rio de Janeiro.

Para Rubens Barbosa, ex-embaixador em Londres e Washington, o Brasil deve estar focado em reafirmar seu papel no G20 e na COP 30, que o país sediará. “Esses dois encontros projetam o Brasil no cenário global.”

A viagem de Lula à Europa, que começou com uma participação no fórum da Coalizão Global pela Justiça Social, em Genebra, é a primeira saída de Lula do Brasil desde as inundações que afetam o Rio Grande do Sul.

Para analistas ouvidos pela reportagem, Lula deve destacar o ocorrido. Casarões diz que dar ênfase na tragédia é uma forma de “chamar atenção do mundo para a urgência de uma pauta climática unificada”.

Na volta ao Brasil, Lula também terá de lidar com uma série de reveses domésticos importantes para seu governo.

Elas incluem a anulação de um leilão para compra de arroz após suspeitas de fraude, paralisações e greves de servidores, a devolução pelo Congresso de uma medida considerada fundamental no esforço para equilibrar as contas federais, além da decisão da Polícia Federal de indiciar o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa, sob a suspeita de ter desviado recursos de emendas parlamentares, quando era deputado federal.

Reuniões de Lula na Itália

Na tarde de sexta-feira (14/6, horário local), Lula e outros líderes de países convidados participam de reunião com lideranças do G7, e com o papa Francisco, cujo tema determinado pelo G7 inclui inteligência artificial, energia, África e Mar Mediterrâneo.

O encontro ocorre em Borgo Egnazia, na região italiana da Apúlia, um resort onde Madonna passou férias e o cantor Justin Timberlake e a atriz Jessica Biel se casaram.

O acesso da imprensa ao local é muito restrito, e a estrutura para jornalistas fazerem a cobertura do evento foi montada em um centro de convenções em Bari, a cerca de 60 km do local onde estão os líderes.

Entre os países convidados, além do Brasil, estão Índia, Quênia, Tunísia e Argentina. Não há previsão de reunião de Lula com Milei, segundo o Itamaraty.

Além da reunião entre países-membro do G7 e líderes convidados, Lula terá encontro bilateral com o papa Francisco – pedido pelo governo brasileiro.

Também terá encontros bilaterais, na sexta e no sábado (15/6), com líderes da Índia (Narendra Modi), da França (Emannuel Macron), e da Comissão Europeia, (Ursula von der Leyen), Turquia (Recep Tayyip Erdoğan), Alemanha (Olaf Scholz) e Itália (Meloni).

A previsão é que o presidente retorne ao Brasil no sábado.

No primeiro dia da cúpula do G7, na quinta-feira, foi anunciado um acordo para criação de um fundo de US$ 50 bilhões utilizando lucros de ativos russos congelados para ajudar a Ucrânia.

No mesmo dia, os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, assinaram acordo de 10 anos para reforçar as defesas ucranianas contra a Rússia.

Imagem BBC Brasil
Na cúpula do G7, Biden e Zelensky assinaram um acordo de segurança de 10 anos. (Reuters)

'Lula versus Lula'

Lula foi convidado para reunião do G7 pela primeira vez em 2003 e, desde então, o Brasil soma oito participações.

Isso, segundo Casarões, reflete um interesse “do mundo ocidental de ter o Brasil ao seu lado”

O que, então, torna a participação de Lula neste ano diferente de 2023?

“No ano passado, a intenção dos membros do G7 ao trazer o Brasil era demarcar uma diferença entre Bolsonaro, um presidente que teve ele muitas rusgas com o Ocidente – brigou com a Alemanha, brigou com a França, brigou com Biden – e um Lula muito mais afeito a ter um bom relacionamento com o mundo ocidental”, diz.

Em 2024, continua Casarões, existe outra percepção.

“Não é o Lula versus o Bolsonaro – que é uma comparação, aliás, muito fácil – mas é Lula versus Lula. É o Lula pós guerra em Gaza, em que o Brasil aparenta estar se posicionando de maneira muito mais contundente, aberta e vocal, no sentido de apoiar a Rússia, a China, a condenação de Israel como um país que está cometendo um genocídio na Faixa de Gaza”, afirma. “Então parece que é uma inflexão da política externa brasileira para longe do ocidente”.

Por isso, diz o professor, o mais recente convite do G7 a Lula também é “uma forma de cortejar o Lula e de tentar forçá-lo a uma posição mais equilibrada entre o ocidente e os atuais inimigos do ocidente, notadamente Rússia e China –, mas também esse pedaço do Sul Global que vem se posicionando de maneira cada vez mais contundente e crítica contra Israel também".

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Lula participou do encontro do G7 do Japão, em 2023, depois que Brasil ficou 14 anos sem ser convidado. (RICARDO STUCKERT/PR)

No atual contexto, Rubens Barbosa considera que o Brasil “não pode ser ignorado” pelos países mais ricos. “É a oitava economia do mundo, tem uma posição muito importante no G20, na COP, nos Brics. É normal que eles convivem o Brasil”, diz.

“No ano passado, foi simbólica a volta do Brasil. Este ano o Brasil foi convidado porque os temas de meio ambiente e transição energética e segurança alimentar não podem acontecer sem a presença do Brasil.”

Barbosa acrescenta que o governo brasileiro “deveria se limitar a esses temas em que o Brasil tem uma contribuição a dar”.

E quais temas poderiam colocar o Brasil numa posição difícil no G7?

Avanço da direita radical na Europa e a guerra em Gaza

O recente resultado das eleições para o Parlamento Europeu, que mostrou um avanço da direita radical, é um tema que Lula deve evitar discutir na Itália, segundo os analistas ouvidos pela reportagem.

“Um pronunciamento descuidado do presidente sobre esse tópico pode trazer repercussão negativa”, diz Gonçalves.

Em entrevista no Itamaraty sobre a viagem de Lula à Itália, o embaixador Maurício Carvalho Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, foi questionado sobre o tema e disse que “a atmosfera política na Europa é uma questão europeia”. “Não é um tema previsto na discussão dos líderes do G7 com os demais países.”

Casarões também aposta que Lula evitará entrar nesse tema porque “não vai querer jogar mais gasolina nessa fogueira”.

“Ele tem demonstrando um senso muito apurado, nesse sentido, de só falar sobre esse tema quando o contexto é favorável – por exemplo, nos encontros dele com Biden falou-se do combate à extrema direita porque bolsonarismo e trumpismo são fenômenos muito próximos”, disse.

A reunião do G7 ocorre dias após o resultado da eleição para o Parlamento Europeu, que revelou o avanço da direita radical europeia. O resultado fortalece o destaque da anfitriã do encontro deste ano, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, que se elegeu com uma plataforma considerada de direita radical.

Em Genebra, Lula disse na quinta-feira que a democracia como é conhecida atualmente está sob risco, ao comentar as eleições na Europa.

“O negacionista nega as instituições, nega aquilo que é o Parlamento, aquilo que é a Suprema Corte, aquilo que é o Poder Judiciário, aquilo que é o próprio Congresso. Ou seja, são pessoas que vivem na base da construção de mentiras”, afirmou.

Outros temas sensíveis que Lula deve evitar nesta viagem ao exterior, segundo os entrevistados, é Israel e Gaza – sem esquecer, ainda, da guerra na Ucrânia.

Lula hoje é considerado "persona non grata" pelo governo de Israel, depois de ter feito uma comparação entre a guerra em Gaza e o Holocausto durante a cúpula da União Africana, no início deste ano. A fala de Lula repercutiu internacionalmente e gerou críticas, sobretudo de grupos judeus, com acusações de que a comparação feita pelo presidente brasileiro se tratou de antissemitismo.

Casarões diz que Lula, se pressionado a falar sobre o tema, terá que “ser muito sereno e medir de alguma forma as palavras – não mudando a posição no Brasil a essa altura, mas certamente evitando o uso de palanques internacionais como no caso da União Africana, que fez comparação com o Holocausto”.

“Essas coisas deram muita munição para o bolsonarismo taxar o Lula de antissemita e criar uma polarização ainda mais acentuada em cima desse posicionamento a respeito do conflito entre Israel e palestinos”, disse Casarões.

Em Genebra, na quinta-feira, Lula disse que a falta de diálogo entre as autoridades da Ucrânia e da Rússia sinaliza que eles "estão gostando da guerra".

"Tem que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin, Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra. Senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontra uma solução pacífica", afirmou.

Imagem BBC Brasil
Manifestantes da associação ambientalista alemã Debt for Climate fizeram protesto contra o G7 na Apúlia, na Itália. (DONATO FASANO/EPA-EFE/REX/Shutterstock)

O que é o G7?

O G7 – originalmente G6 – foi criado em 1975, como uma iniciativa do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing. Além da França, incluía EUA, Reino Unido, Alemanha, Japão e Itália. O Canadá entrou para o grupo em 1976.

Naquele momento, depois da crise do petróleo de 1973, o objetivo era reunir os países mais industrializados do mundo à época para tratar de questões de política econômica de interesse comum.

De 1997 a 2013, a Rússia também fez parte, mas foi suspensa após a invasão da Crimeia.

O grupo hoje não reúne mais as sete maiores economias do mundo. China e Índia são, respectivamente, a segunda e a quinta maiores economias do mundo em PIB nominal, segundo dados compilados pelo FMI no ano passado.

Com o passar dos anos, o G7 ampliou seu foco. Se inicialmente estava concentrado só nos desafios econômicos, hoje também trata de outros assuntos que considera questões globais.

A presidência do grupo é rotativa entre as nações que compõem o G7 e muda anualmente. O país que preside o G7 recebe a cúpula e define agendas e prioridades. Depois da Itália, neste ano, o próximo será o Canadá.

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