Sob o trauma da violenta invasão do dia 6 de janeiro, o Senado dos EUA abriu formalmente nesta terça-feira (9) o segundo julgamento de impeachment do ex-presidente Donald Trump com a exibição de um vídeo que rememorou o brutal ataque ao Congresso americano. Do plenário que serviu de palco para a tragédia do mês passado, a maioria dos senadores decidiu que é constitucional julgar Trump mesmo fora do cargo, ao contrário do que argumentava sua defesa.
A votação aconteceu no fim da tarde, depois de quatro horas de debate, e da exibição do filme de violência explícita pela acusação. As imagens foram apresentadas como a mais poderosa evidência dos parlamentares democratas de que Trump incitou a insurreição ao tentar reverter à força o resultado da eleição que levou Joe Biden à Casa Branca.
Mas isso não significa que Trump deva ser condenado ao final do julgamento, previsto para o início da semana que vem. Para a constitucionalidade do processo ser aprovada eram necessários os votos da maioria simples dos 100 senadores - e o placar nesta terça foi de 56 a 44.
Já para a condenação de Trump, é preciso que 67 dos 100 senadores o considerem culpado, cenário bastante improvável hoje em um Senado completamente polarizado.
A sessão desta terça começou às 13h de Washington (15h de Brasília), com agentes da Força de Segurança Nacional protegendo o lado de dentro e arredores do Congresso. Barreiras físicas e caminhões do Exército também estavam posicionados nas imediações da sede do Legislativo, mas não havia manifestantes no local, e nenhum incidente foi registrado durante o dia.
Nos corredores do Senado, além dos seguranças, podiam circular apenas pessoas autorizadas, entre funcionários da Casa e jornalistas. No início da tarde, integrantes da acusação e da defesa de Trump se posicionaram em lados opostos do plenário para o início da sessão, com resultados já esperados. Primeiro, os senadores votaram as regras e os procedimentos do processo e, em seguida, começaram um debate de quatro horas sobre a consitucionalidade do julgamento.
Os democratas ancoraram seus argumentos no vídeo estampado em telas de TV diante dos senadores. As imagens intercalavam cenas de caos e violência --além de palavrões raramente ouvidos em plenário-- com o discurso de Trump horas antes da invasão em 6 de janeiro, numa ação que deixou cinco mortos.
O republicano pediu que apoiadores marchassem até o Congresso e "lutassem como nunca" para impedir a certificação da vitória de Biden, sob a fantasiosa tese de que o pleito de novembro fora fraudado.
Os advogados de Trump dizem que o discurso do ex-presidente deve ser lido como liberdade de expressão, de acordo com a Primeira Emenda da Constituição americana, e que ele não deve ser responsabilizado por ações de um "pequeno grupo de criminosos".
Um dos defensores do ex-presidente, David Schoen chamou o processo de "partidarismo puro, cru e equivocado" para dividir ainda mais os EUA. "Este julgamento vai dilacerar este país, talvez como só vimos uma vez em nossa história", disse Schoen, em alusão à Guerra Civil americana (1861-1865).
A acusação, por sua vez, afirma que o ex-presidente cometeu "crime violento" e deve ser considerado culpado, mesmo fora do cargo, perdendo seus direitos políticos para que não possa concorrer de novo à Casa Branca.
"Vocês perguntam o quanto é alto o crime e a contravenção sob nossa Constituição", disse o deputado democrata Jamie Raskin (Maryland), um dos líderes da acusação, após a exibição do vídeo. Raskin se emocionou ao contar que sua filha ficou presa durante o ataque e descreveu como as pessoas se machucaram e se desesperaram naquele dia.
"Isso é um grande crime e contravenção. Se isso não é uma ofensa passível de impeachment, então não existe tal coisa", completou.
O vídeo e os discursos dos democratas refletem o caráter dramático que a acusação tenta dar ao julgamento. Os correligionários de Biden sabem que Trump deve ser absolvido, mas pretendem fazer do processo um símbolo institucional para que eventos como os de 6 de janeiro não voltem a ocorrer.
O Senado está hoje dividido entre 50 votos para os democratas e 50 para os republicanos - com desempate nas mãos da vice-presidente Kamala Harris.
Apesar de haver senadores republicanos moderados, que estão cansados do comportamento agressivo de Trump, eles sabem que a base do partido tem se radicalizado à direita e não querem enfrentar o custo político de rifar o ex-presidente neste momento. Dessa forma, é bem difícil que 17 republicanos se unam aos democratas para condenar Trump.
A partir desta quarta, acusação e defesa apresentam seus argumentos sobre a culpabilidade do ex-presidente, em sessões presididas pelo senador Patrick Leahy (Vermont). Cada lado terá até 16 horas para a exposição de suas teses. Vencida essa etapa, os senadores têm direito a perguntas e acusação e defesa podem convocar testemunhas --o que ainda não está claro se vai acontecer, visto que democras e republicanos, por motivos distintos, querem acelerar o julgamento.
Democratas não querem que o julgamento prolongado atrapalhe a aprovação de um pacote econômico de alívio à pandemia proposto por Biden, enquanto os republicanos querem tirar o foco das polêmicas em torno de Trump, e virar essa página.
Para os próximos dias, democratas prometeram provas de que as ameaças às vidas dos parlamentares e do ex-vice-presidente Mike Pence naquele 6 de janeiro foram ainda maiores do que é sabido, mas não deram detalhes do que seriam essas novas evidências.
O segundo julgamento do impeachment de Trump está cercado de ineditismos: é a primeira vez que um presidente dos EUA é julgado duas vezes pelo Senado, uma delas fora do cargo, e que os senadores são testemunhas oculares do objeto do processo. Há pouco mais de um ano, Trump foi acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso e foi absolvido por um Senado de maioria republicana.
Apesar do roteiro que caminha para mais uma absolvição, desta vez os democratas querem ao menos controlar a narrativa do que acreditam ser o maior estresse da democracia americana desde a Guerra Civil.
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