O envio de cinco petroleiros do Irã para a Venezuela colocou os dois países, adversários dos Estados Unidos, em renovada tensão com Washington.
O Irã afirma que os EUA destacaram quatro navios de guerra e um avião de espionagem eletrônica para acompanhar e, talvez, interceptar seus petroleiros.
O chanceler do país, Javad Zarif, enviou carta esta semana à ONU (Organização das Nações Unidas) alertando que o Irã iria responde à altura de qualquer "ato de pirataria", lembrando o óbvio: ambos os países estão sob sanção pelos EUA, mas nada os impede de fazer negócios entre si.
Segundo a agência de notícias Mehr, o embaixador suíço no país persa, que representa interesses americanos, foi chamado à chancelaria para ouvir as queixas.
Os EUA não comentaram oficialmente, mas desde abril têm mantido exercícios navais regulares no Caribe, visando deixar o regime de Nicolás Maduro sob pressão. Na semana passada, uma reportagem da agência Reuters disse que americanos consideravam uma ação.
O risco de um embate militar, contudo, parece baixo. Trump pode estar perto de uma eleição, o que sempre faz rufar tambores de guerra, mas tem de lidar com a maior taxa de infecção de coronavírus do mundo.
"Os petroleiros não irão mudar o cálculo dos EUA de evitar uma intervenção na Venezuela. O custo seria muito alto e o retorno, especialmente agora, mínimo. Sobre o Irã, Washington não vai querer dar motivos para Teerã escalar", afirma Allison Fedirka, diretora de análises da consultoria americana Geopolitical Futures.
Como a emergência da pandemia do novo coronavírus talvez faça esquecer, EUA e Irã quase foram às vias de fato no começo de janeiro, quando a Covid-19 ainda era uma obscura pneumonia relatada no interior da China.
Os americanos mataram o mais importante general do Irã, e sofreram um ataque com mísseis em uma de suas bases no Iraque.
No cerne da disputa, que remonta à fundação da República Islâmica em 1979, está o fato de que Donald Trump deixou o acordo nuclear que visava coibir a construção de uma bomba atômica pelos aiatolás.
Nos últimos meses, houve diversos incidentes e provocações entre forças iranianas e americanas no Golfo Pérsico. Se algo acontecer aos petroleiros, não seria inédito: no ano passado, um navio iraniano foi detido por britânicos em Gibraltar com petróleo para a Síria, país sob embargo europeu e americano, mas acabou liberado.
Os petroleiros deverão começar a chegar ao país latino-americano no dia 25, segundo estimativa de sites de monitoramento de rotas marítimas.
Eles fazem parte de um pacote de US$ 900 milhões (R$ 5,1 bilhões) pago por Caracas em ouro a Teerã. Já haviam sido enviados por avião equipamentos e insumos para uma claudicante refinaria venezuelana.
O acerto é benéfico para os dois regimes. O Irã precisa melhorar suas reservas, afetado pelo embargo americano e sob forte impacto pelo coronavírus. Já a Venezuela vive uma crise econômica aguda desde 2012 e está sob hiperinflação há quatro anos.
Sua indústria petrolífera definha, e aí entram os iranianos. O país, que já foi a maior produtora de petróleo da América Latina e tem a maior reserva comprovada do hidrocarboneto no mundo, extrai hoje pouco mais de 500 mil barris por dia.
Um dos fatores da precária estabilidade da ditadura de Maduro é a gasolina barata. Em 2015, lembra Fedirka, a Venezuela refinava 915 mil barris diários; hoje, são 135 mil barris, o que obriga a importação da ajuda e da gasolina e outros subprodutos do petróleo.
As sanções americanas foram apertadas contra Caracas em 2019, quando Washington angariou apoio dos novos governos de direita do Brasil e da Colômbia para tentar fazer de Juan Guaidó o novo presidente do país. Os brasileiros também passaram a ser críticos do Irã.
As exportações venezuelanas, que já estavam em queda livre, caíram 32% no ano. A fatia que ia para os EUA, cerca de 40% das vendas de petróleo, foi revertida quase totalmente para a China, mas não foi o suficiente.
Houve outros efeitos. A última empresa americana a operar na Venezuela, a Chevron, paralisou suas atividades a pedido de Trump. Eram mínimas, contudo.
Em abril, a gigante estatal russa Rosneft se desfez de seus ativos no país latino porque duas subsidiárias acabaram sofrendo sanções americanas. Como o Estado russo assumiu as participações, o apoio dado por Vladimir Putin a Maduro segue mais ou menos intacto.
Não menos importante, o colapso dos mercados de petróleo devido à pandemia a partir de março acabou tornando o impacto numa economia já em frangalhos menos perceptível.
"A economia ainda está uma bagunça, mas parece que o tempo está novamente do lado de Maduro", avalia Fedirka.
Politicamente, o ditador está com sorte. Em 3 de maio, dois mercenários americanos lideraram uma tentativa frustrada de desembarque no país que foi devidamente denunciada como uma tentativa de golpe dos EUA.
Na frente interna, o esvaziamento político de Guaidó e a crise do coronavírus retiraram o ímpeto de manifestações de rua, que foram fortes em 2019. Por ora, o ditador chavista segue onde está.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta