Faz um mês que a quarentena total entrou em vigor na Itália e não há dúvidas de que foi eficiente para enfraquecer a difusão do coronavírus no país. Nesta quarta (8), o número de casos subiu 2,8%, ante um percentual que beirava os 25% quando as medidas de contenção social mais duras foram anunciadas.
Ainda que seja alto e doloroso, o registro de mortes está estável (outras 542 nesta quarta), e a ocupação de leitos segue caindo (menos 233).
Trinta dias depois, 60 milhões de pessoas seguem impedidas de andar na rua sem motivo e quase toda a economia está paralisada. Mas é possível ver luz no fim do túnel, como dizem as autoridades sanitárias. O cenário permite imaginar: como a Itália vai sair da quarentena total? Quando vai voltar ao normal?
A resposta depende da pergunta. Para a segunda, ainda não é possível fazer previsão. Cientistas concordam que, sem vacina ou terapia eficaz disponíveis, "o normal" não existirá no curto prazo. Já para a primeira questão, estão sendo desenhadas estratégias.
A principal é pensar em etapas. Segundo o primeiro-ministro Giuseppe Conte, a Itália se encontra na fase um, a mais aguda no combate à covid-19. Em seguida, virão a fase dois, de convivência com vírus, e a três, quando será concretizada a saída da emergência.
De acordo com o virologista Giovanni Maga, diretor do laboratório de virologia molecular do Conselho Nacional de Pesquisas, para declarar uma área completamente livre de uma epidemia viral, é preciso que a distância do último caso notificado seja superior ao período de incubação.
No caso do Sars-CoV-2, seriam necessárias três semanas para que se pudesse decretar o fim da epidemia em um local. "Claramente não podemos esperar chegar a esse ponto na Itália, porque precisamos de meses. O que deve ser feito é programar uma saída gradual da quarentena, quando o número de novos casos cai de maneira muito significativa e quando há uma diminuição importante de internados."
Diante disso, explica, é possível aumentar progressivamente o grau de liberdade, consentindo a retomada de algumas atividades e, ao mesmo tempo, mantendo medidas de prudência como uso de máscaras, distância de segurança e presença limitada de pessoas em locais fechados.
Oficialmente, a quarentena está prevista para terminar na segunda (13). O governo, por meio de um comitê técnico-científico, afirma que avalia diariamente o andamento dos contágios para planejar o futuro. Há uma preocupação com a Páscoa, que coincide com o início da primavera e, tradicionalmente, com uma semana de férias escolares.
Não será assim agora. "É fundamental no período de Páscoa continuar respeitando rigorosamente as medidas de distanciamento social e as de prevenção. Não podemos cometer erros nos próximos dias", disse, nesta terça (7), Domenico Arcuri, um dos comandantes das ações do governo na emergência sanitária.
Segundo projeções matemáticas lideradas pelo economista Franco Peracchi, do Instituto Einaudi e da Universidade de Georgetown (EUA), de acordo com os dados divulgados diariamente pelo governo italiano, é possível prever quando o número de novos casos confirmados estará perto de zero. Na segunda-feira (6), a data nacional estava entre os dias 10 e 12 de maio.
No entanto, a grande variação entre as regiões mais ou menos afetadas permite esperar que o relaxamento da quarentena, além de ser gradual, pode não ser nacional. Enquanto a previsão de zero novos casos está calculada para o dia 16 de abril na Úmbria, no centro, esse marco só deverá ser atingido na Lombardia, no norte, em 13 de maio, quase um mês depois.
"Seguramente a transição será feita zona por zona, avaliando pontualmente o estado da epidemia para decidir medidas específicas para cada área", afirma Maga. Segundo o especialista, um dos instrumentos mais eficazes na fase dois será a realização de exames de anticorpos para saber quantas pessoas foram infectadas e, portanto, desenvolveram algum tipo de imunidade.
Como na maioria dos países, o número real de contaminados da Itália não é conhecido, porque os exames para identificar casos positivos só são realizados em pacientes com sintomas. Estima-se que o total, oficialmente de 139 mil infectados, seja dez vezes maior.
A adoção do teste de imunidade, em estudo no Ministério da Saúde, pode ter duas finalidades na fase dois. Uma, no âmbito da saúde pública, é pesquisar, com indicadores demográficos e geográficos, quanto do país foi contaminado. Segundo o jornal La Repubblica, cerca 100 mil testes poderão ser realizados com esse objetivo. "É muito útil para entender quantas pessoas pegaram o vírus", explica Maga.
Diferentemente do exame molecular usado para identificar casos positivos, o teste de imunidade não precisa ser feito em laboratório, é mais barato e mais rápido. Por isso, o acesso é muito mais amplo, inclusive na esfera privada.
Nesta terça, o grupo italiano DiaSorin anunciou o lançamento, para o fim do mês, de um kit de teste sorológico para detectar imunidade para covid-19. Em fase de certificação na Europa e nos EUA, o produto deverá custar cerca de 5 euros (R$ 28) e liberar o resultado em até uma hora.
Surge então um dilema ético sobre a realização em massa dos testes de anticorpos e a exigência do que vem sendo chamado de "passaporte" de imunidade. O que fazer com um funcionário que não tem anticorpos e pode, então, ficar doente a qualquer momento?
"Esse é um dos aspectos mais delicados. Se uma pessoa não tem anticorpos talvez possa voltar ao trabalho, mas com mais proteção e atenção. Mas usar o teste como critério para permitir as pessoas de fazerem coisas é uma decisão política. Na minha opinião, deve ser estudado bem para não criar discriminação."
Além disso, assim como o vírus, também a sua imunidade é desconhecida. Não há consenso sobre quanto tempo ela dura ou se impede uma pessoa de se infectar de novo. De toda forma, até o surgimento de vacina ou terapias eficaz, o teste é alternativa para identificar situações de risco.
Outra ferramenta em avaliação pelo Ministério da Saúde da Itália é o monitoramento por aplicativo dos cidadãos, rastreando casos suspeitos e positivos assintomáticos.
Como declarou a Organização Mundial da Saúde(OMS), a saída da quarentena não terá a mesma receita para os países. Na Itália, os primeiros segmentos a voltar ao trabalho devem ser fábricas, obras e serviços essenciais. Semanas depois, seria liberada a circulação em ruas e parques, ainda que sob regras de segurança.
Ficaria para depois a reabertura de restaurantes, bares e cabeleireiros, que viriam antes de academias, discotecas e eventos esportivos. As escolas devem receber alunos só depois do verão, em setembro.
"É bastante razoável imaginar que ainda poderá haver momentos de contenção. Depende do risco de a epidemia voltar", alerta Maga.
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