Joe Biden abriu o laptop sobre a mesa de seu escritório e fez uma chamada de vídeo. Do outro lado, uma voz disse "olá" quatro vezes - como se quisesse ter certeza de que estava sendo ouvida. "Pronta para ir ao trabalho?", perguntou o então candidato do Partido Democrata à Casa Branca. "Ai, meu Deus, estou muito pronta para ir ao trabalho", respondeu Kamala Harris, agora a primeira mulher negra e de ascendência asiática a assumir a Vice-Presidência dos EUA.
Biden convidou a senadora pela Califórnia para ser sua companheira de chapa em 11 de agosto. Kamala era considerada por assessores próximos ao democrata a escolha mais óbvia entre as várias políticas negras que foram cotadas e entrevistadas para ocupar a vaga.
O ex-vice de Barack Obama havia deixado claro, ainda em março, que escolheria uma mulher para a chapa, e os protestos antirracismo que tomaram o país após o assassinato de George Floyd fizeram com que a representação da população negra no posto a seu lado se tornasse imperativa.
Aos 56 anos, Kamala é senadora desde 2017, foi procuradora na Califórnia de 2004 a 2011 e concorreu pela nomeação democrata à Presidência dos EUA, inclusive contra Biden, com quem travou um duro embate em junho do ano passado.
Durante um debate, acusou o ex-vice-presidente de ter trabalhado com políticos racistas e ser contrário ao fim da segregação racial nas escolas, na década de 1970.
"Havia uma garotinha na Califórnia que pertencia à segunda geração que ia de ônibus para a escola todos os dias. Essa garotinha era eu", disse Kamala, emocionada, ao se referir ao "busing", em alusão aos ônibus que levavam crianças negras para estudar em bairros de população predominantemente branca (e vice-versa) nos EUA na tentativa de integrar as comunidades.
Kamala nasceu em Oakland, na Califórnia, uma das cidades mais perigosas dos EUA. Filha de imigrantes - uma pesquisadora da Índia e um professor da Jamaica -, costuma dizer que, quando ficava chateada ou irritada com qualquer assunto, sua mãe a instigava a agir: "O que você vai fazer sobre isso?".
Decidiu fazer direito e graduou-se na Universidade Howard, em Washington, a mais prestigiosa entre as instituições de ensino superior dedicadas a estudantes negros nos EUA.
"Fui criada para entrar em ação", diz Kamala em um dos vídeos de campanha.
Trabalhou no escritório do procurador-geral de San Francisco e, em 2004, foi eleita procuradora-geral da cidade. Seis anos depois, venceu a disputa para o cargo de procuradora-geral no Estado da Califórnia.
Apesar de se definir como progressista, sua ação como procuradora é criticada por analistas e movimentos à esquerda, sob o argumento de que, quando pressionada a adotar reformas no sistema criminal, não agiu de forma assertiva.
Críticos dizem que ela defendeu condenações ilegais que foram garantidas por má conduta de oficiais, incluindo adulteração de provas e falso testemunho, e contribuiu para a prisão injusta em diversos casos - principalmente envolvendo réus pobres e negros.
Entre temas importantes no debate progressista, como pena de morte e liberação do uso recreativo da maconha, Kamala também teve postura considerada controversa pelo campo da esquerda.
Em seu primeiro mandato como senadora, ela se tornou a mais conhecida entre as mulheres negras na política americana. Caminhou à esquerda, adotando posições duras contra Trump e bandeiras que envolvem a reforma da polícia, mas também acenou ao centro, com propostas de corte de impostos da classe média.
Antes mesmo de assumir a cadeira de vice, Kamala já era cotada para ser a próxima candidata democrata à Presidência dos EUA, em 2024, visto que Biden tem se colocado como um líder de transição - ele terá 82 anos no fim do período de seu mandato e será o presidente mais velho a tomar posse, em janeiro.
Casada desde 2014 com o advogado Douglas Emhoff, a democrata tem dois enteados que a chamam de "Momala" - desde que eles decidiram que não gostavam do termo madrasta.
Kamala deve ser também uma peça importante na relação entre Brasil e EUA. No ano passado, defendeu que os americanos suspendessem negociações comerciais com os brasileiros pela falta de compromisso do presidente Jair Bolsonaro com a Amazônia.
"Enquanto a Amazônia queima, o presidente do Brasil, como Trump, que permitiu que madeireiros e mineradores destruíssem a terra, não está agindo", escreveu Kamala no Twitter.
"Trump não deve buscar um acordo comercial com o Brasil até que Bolsonaro reverta sua política catastrófica e resolva os incêndios. Precisamos de liderança americana para salvar nosso planeta."
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta