O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ficar uma semana internado em São Paulo, se recuperando de uma cirurgia de emergência realizada na noite de segunda-feira (9/12), por causa de uma hemorragia intracraniana, sequela da queda em que ele bateu a cabeça em outubro.
Segundo a equipe médica do presidente, Lula deixou a sala de cirurgia sem "nenhum comprometimento no cérbero" e está "lúcido, falando e se alimentando", mas ainda precisa se recuperar e só deve receber alta e voltar a Brasília no início da próxima semana.
"O presidente está tranquilo, [precisa] repousar, nada de trabalho por enquanto", disse o médico pessoal de Lula, Roberto Kalil Filho.
A previsão do Palácio do Planalto, no entanto, é que Lula não vai se licenciar da Presidência da República e continuará formalmente no cargo.
Na prática, o vice-presidente Geraldo Alckmin assumiu parte da agenda que estava prevista para Lula nesta terça-feira (10/12). Ele cancelou um compromisso que teria em São Paulo e voltou cedo a Brasília para uma reunião bilateral com o Primeiro-Ministro da Eslováquia, Robert Fico.
Segundo professores de direito ouvidos pela BBC News Brasil, não há regras claras na legislação brasileira sobre a substituição do presidente em caso de internação.
O artigo 79 da Constituição dá orientações vagas: "Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente".
E não há uma lei complementar regulando esse artigo.
Para o advogado Felipe Fonte, professor de direito público da FGV, a Constituição "é lacônica" sobre as situações de impedimento, deixando muito a critério do presidente como proceder.
Ele lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a despachar do hospital durante seu mandato quando passou por algumas internações decorrentes da facada que sofreu na campanha de 2018.
Assim que assumiu o cargo, Bolsonaro passou por uma cirurgia em janeiro de 2019 e ficou 18 dias no hospital. Na ocasião, ele tirou licença médica apenas nos dois primeiros dias, período em que passou temporariamente o cargo para seu vice, general Hamilton Mourão.
A situação se repetiu em setembro daquele ano, quando Mourão assumiu a função por cinco dias, metade do período de internação.
Já em 2021, quando Bolsonaro foi internado de emergência devido a uma obstrução no intestino, a avaliação foi que Mourão não precisava assumir o cargo e o então vice-presidente manteve uma viagem para Angola, onde participou da Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Para o constitucionalista Diego Werneck, professor do Insper, a falta de detalhamento da Constituição sobre as situações de afastamento faz com que essa decisão, geralmente, seja tomada em acordo entre o presidente e o vice.
"A Constituição não regula em detalhes o que é impedimento e a gente não deveria imaginar que isso tem que ser entendido de uma forma muito abrangente", afirma.
"Então, quando o presidente está dormindo ou mesmo passando por uma operação, ele, naquele momento, não está podendo exercer a função. Mas nem por isso a gente imagina que sempre que o presidente dorme e o vice está acordado, automaticamente o vice tem poder decisório como se presidente fosse", exemplifica.
Segundo Werneck, a incapacidade por apenas algumas horas não costuma gerar a necessidade de um licenciamento formal. A situação, ressalta, pode ficar mais complexa no caso de um período mais longo de inconsciência do presidente.
"É claro que, se tiver alguma necessidade de uma decisão presidencial [enquanto o presidente estiver impedido por questões de saúde], aí vai ter que se tomar uma decisão política", nota o professor.
"E digo que é uma decisão política, porque, evidentemente, num cenário que um presidente fique inconsciente muito tempo, o próprio vice pode dizer 'olha, agora eu preciso entrar'. E outras pessoas, ministros, podem dizer 'não, peraí, o presidente não está impedido'", ressalta Werneck.
Se o presidente dos Estados Unidos se tornar incapaz de desempenhar seu papel, a Constituição americana coloca os "poderes e deveres" do cargo nas mãos do vice-presidente.
E a 25ª Emenda, ratificada no final dos anos 60, torna esse processo mais claro.
Ela prevê que o presidente deve enviar uma carta ao Congresso comunicando seu afastamento, por exemplo, no caso de um tratamento de saúde. Com isso, o vice-presidente se torna o presidente interino.
Depois, quando o presidente está recuperado, ele precisa enviar outra carta ao Congresso avisando que está pronto para reassumir sua função.
Já na hipótese de o presidente sofrer alguma emergência que o impeça de enviar a carta, isso deverá ser feito pelo vice-presidente em conjunto com a maioria do gabinete presidencial (o que no Brasil equivaleria à equipe ministerial).
Da mesma forma, o presidente tem que enviar uma carta ao Congresso para reassumir o cargo, quando está novamente apto.
Mas, se o vice-presidente e o gabinete ministerial não concordarem que o presidente está pronto para voltar a sua função, cabe ao Congresso decidir.
A substituição do presidente em internações não é algo comum. Em 1985, quando o presidente Ronald Reagan esteve no hospital para uma cirurgia de câncer, ele colocou seu vice-presidente, George HW Bush, no comando por algumas horas.
"Estou prestes a passar por uma cirurgia, durante a qual estarei breve e temporariamente incapaz de exercer os poderes e deveres constitucionais do Gabinete do Presidente dos Estados Unidos", dizia a carta de Reagan.
Em 2002 e 2007, período em que os Estados Unidos estavam em guerras no Afeganistão e no Iraque, o presidente George W Bush fez o mesmo com seu vice-presidente, quando foi sedado durante colonoscopias de rotina.
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