CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS) - É dia de feriado nacional em homenagem a Simón Bolívar (1783-1830), ícone venezuelano, sob um sol forte em Caracas que nem sequer a sombra do imponente monte Ávila aplaca, e um grupo de dez jovens está nas ruas na quarta-feira (24) para começar um ato de campanha por Nicolás Maduro em Petare, um dos "barrios", como os locais se referem às favelas no país.
"Vamos, Nico! Juntos podemos mais!", diz o jingle que impregna na mente em poucos minutos. "E por que estão com Maduro?", pergunta a reportagem ao grupo sorridente que aguarda uma deputada nacional chavista chegar à praça para convocar a população. "Só com ele teremos paz", respondem um após o outro.
Essa é parte da mensagem que Maduro, há 11 anos no poder, tenta despejar na população às vésperas das eleições deste domingo (28). Em palavras mais suaves, traduz a advertência do ditador de que sua saída de cena levaria a um "banho de sangue" no país, como ele mesmo disse em comício há uma semana.
Para esses jovens de 17 e 18 anos, Nicolás Maduro aplaca a violência na Venezuela, mesmo que estejam falando de Petare, "barrio" que faz do município de Sucre, na Grande Caracas, o terceiro mais perigoso do país, com média de 61,1 homicídios a cada cem mil habitantes em 2023.
A média nacional foi de 26,8 a cada 100 mil para o país no ano passado, redução importante de 8 pontos em relação ao que se viu nos dois anos anteriores, segundo o Observatório Venezuelano da Violência. No Brasil, a taxa foi de 19,4 a cada 100 mil.
No decorrer dos últimos meses Maduro, um ex-sindicalista de 61 anos, buscou aumentar sua participação nas redes sociais, transmitir a imagem de homem forte e fazer com que seu rosto com o tradicional bigode, a sua marca registrada, apareça em um cartaz a cada meia dúzia de passos nas vias públicas da capital e dos arredores.
Maduro sabe que goza de uma parcela considerável de rejeição, avaliada em mais de metade da população em levantamentos independentes recentes. Nem de longe tem a aura que emanava de Hugo Chávez (1954-2013), a quem substituiu no Palácio de Miraflores.
Protegido por uma tenda branca do sol, um dos jovens de Petare se aproxima da metade de um novo livro com a biografia de Maduro. O ditador o lançou junto com um filme sobre sua história pessoal, da infância à Presidência, com passagens de drama exagerado e ares de vídeo de campanha.
Publicado em pílulas no YouTube e com audiência média de 160 mil visualizações por capítulo, o filme traz mensagens importantes que Maduro busca transmitir à população.
Nele é possível ver um pequeno Nicolás que sonhava em ser jogador profissional de beisebol (esporte mais popular da Venezuela) e chamava seus amiguinhos de covardes quando não aceitavam seus planos. É o mesmo termo que usa contra opositores e que empregou para se referir a quem optava por não votar no contestado plebiscito que no fim do ano passado reivindicou a soberania sobre Essequibo, rica região petrolífera da Guiana.
Os cartazes dessa campanha, aliás, ainda estão intocados na estação de metrô de Petare. Se a estratégia de reivindicar o território, como avaliam os analistas, era fazer crescer sua popularidade pelo nacionalismo local, Maduro se frustrou. O tema praticamente não aparece nessa campanha eleitoral.
Em uma passagem do filme, Nicolás escuta de seu pai que "não é fácil vencer uma pessoa que não se rende", uma postura que ele tem buscado empregar durante a corrida eleitoral.
O pai de Maduro, com o mesmo nome do filho, é retratado como alguém que criticava o "sectarismo dos setores de esquerda", campo com o qual o ditador vem aos poucos rompendo ao se distanciar de lideranças regionais como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com um Maduro adolescente, a produção mostra críticas à chamada Escola das Américas, instituição ligada ao Pentágono que operava na América Latina na época da Guerra Fria. "Torturas e assassinatos foram amplamente usados", diz a voz de Maduro ao narrar as cenas daquela época. Seu próprio regime, porém, é internacionalmente acusado dessas mesmas práticas contra opositores.
Nas redes sociais, tenta dialogar com a juventude, como em vídeos com os praticantes das motopiruetas, prática que ele acaba de decretar esporte nacional, ainda que seus praticantes sigam sendo algumas das vítimas mais frequentes de morte por violência policial no país.
Em outras postagens, Maduro canta e dança com sua esposa, a deputada e advogada Cilia Flores, ou exibe os cabeçudos bonecos Funko Pop feitos para ele. É Nicolás tentando ser Nico para continuar o Maduro de sempre no poder.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta