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Maduro no poder: como Brasil pretende lidar com 'nó' nas relações com a Venezuela

Maduro no poder: como Brasil pretende lidar com 'nó' nas relações com a Venezuela

Especialistas apostam em 'relações em banho maria' e aguardam posição dos Estados Unidos de Trump; posse contestada na Venezuela está prevista para esta sexta.

Publicado em 10 de janeiro de 2025 às 05:44

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Imagem BBC Brasil
Lula e Maduro mantinham relações amistosas até meados de 2024. Governo da Venezuela vem criticando o Brasil por contestar resultado das eleições . (EPA)

Leandro Prazeres

Nicolás Maduro pretende tomar posse nesta sexta-feira (10/1) pela terceira vez consecutiva como presidente da Venezuela, mais uma vez sob intensa contestação internacional e da oposição, para governar o país por mais seis anos.

Por um lado, a recondução de Maduro ao cargo indica sua força doméstica. Por outro, representará um novo desafio para a política externa do Brasil, avaliam três diplomatas brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado e três especialistas em relações internacionais.

Isso porque o governo brasileiro não reconheceu a vitória de Maduro na votação de julho do ano passado — assim como outros países, como os Estados Unidos, e instituições como a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ao mesmo tempo, as relações entre os dois países estão estremecidas depois que o governo brasileiro criticou o processo eleitoral venezuelano e se recusou a aceitar a vitória de Maduro sem que fossem apresentadas as atas de votação que atestam o resultado.

Maduro rebateu as suspeitas de fraude argumentando que sua eleição foi justa e disse ser alvo de uma campanha difamatória internacional.

Neste capítulo inédito que se abre nas relações entre Brasil e Venezuela, os entrevistados ouvidos pela reportagem apontam que o primeiro desafio a ser enfrentado pelo Brasil será se equilibrar diante de uma ambiguidade óbvia.

Como manter relações com um governo que se manteve no poder por meio de um processo eleitoral não reconhecido pelo Brasil?

Diplomatas e especialistas afirmam ainda que a tendência é que, ao menos no curto prazo, o Brasil mantenha as relações com a Venezuela em nível técnico, sem maiores engajamentos políticos, enquanto o cenário sobre o novo governo de Maduro não ficar mais claro.

Segundo eles, um dos elementos decisivos para saber qual direção a Venezuela tomará e, consequentemente, como isso vai afetar o Brasil, é a posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, marcada para 20 de janeiro.

De acordo com os especialistas, Trump pode ser tanto um elemento de estabilização do governo Maduro como pode tentar desestabilizá-lo, o que teria consequências para o Brasil.

Imagem BBC Brasil
Em 2023, Lula recebeu Maduro em Brasília e disse que críticas ao regime venezuelano fariam parte de uma 'narrativa' contrária ao país. (Ricardo Stuckert/Presidência da República)

Como as relações entre Brasil e Venezuela ficaram estremecidas

Nos últimos dois anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou de uma posição de apoio quase incondicional a Maduro um posicionamento crítico.

Lula havia definido como uma de suas prioridades internacionais do atual mandato a reaproximação com a Venezuela após a ruptura nas relações diplomáticas no governo de Jair Bolsonaro (PL).

O Brasil reabriu sua embaixada em Caracas e recepcionou Maduro em Brasília com honras de chefe-de-Estado em maio de 2023.

Lula declarou na ocasião que as acusações de autoritarismo contra Maduro fariam parte de uma "narrativa". A fala foi criticada no Brasil e no exterior.

"Aquilo foi terrível porque inviabilizou um projeto brasileiro mais amplo de coordenação regional", diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Esse encontro em Brasília acabou sendo lembrado pelas discordâncias de presidentes como Lacalle Pou [ex-presidente do Uruguai] e [Gustavo] Boric [presidente do Chile] em relação ao Lula."

Nos bastidores, o governo brasileiro aguardava as eleições de 2024 na Venezuela como um importante teste para a liderança de Maduro.

O rumo que a votação tomou fez o Brasil começar a mudar sua postura em relação ao país.

As autoridades eleitorais venezuelanas impediram a candidatura da principal líder da oposição no país, María Corina Machado, e de sua sucessora, Corina Yoris. O governo brasileiro, então, reagiu.

Lula qualificou o episódio como "grave", e o Itamaraty publicou nota expressando preocupação quanto à condução do processo eleitoral na Venezuela.

O governo venezuelano, por sua vez, respondeu afirmando que o teor do pronunciamento brasileiro se assemelhava a algo produzido pelo "Departamento de Estado dos Estados Unidos".

A saída encontrada pela oposição foi se aglutinar em torno do diplomata aposentado Edmundo González.

Às vésperas da eleição, Lula criticou declarações de Maduro, que disse que haveria um "banho de sangue" se não fosse o vencedor das eleições.

Na avaliação do presidente brasileiro, a Venezuela só retornaria à normalidade política por meio de um processo eleitoral reconhecido por todos.

Em 2 de agosto, quatro dias após o pleito, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou que Maduro teria sido reeleito com 67% dos votos.

A oposição, porém, contestou os números, alegando que González teria saído vitorioso e acusando o governo de fraude eleitoral.

Os opositores e países como o Brasil e Colômbia pediram que o CNE tornasse públicas as atas de votação, que poderiam comprovar os votos em Maduro. O governo venezuelano nunca divulgou as atas.

Diversos protestos contrários ao governo foram realizados em várias partes do país.

Como resposta, houve relatos de que o governo Maduro teria reforçado a repressão contra manifestantes. O governo venezuelano nega as acusações.

Em decorrência dessas tensões, a Venezuela chamou de volta a Caracas o embaixador que mantinha no Brasil, um sinal de discordância grave entre as nações.

Diplomacia em 'banho-maria'

Apesar do atual distanciamento entre os dois governos, as relações com o governo venezuelano são consideradas estratégicas para o Palácio do Planalto.

Por isso, uma fonte diplomática ouvida pela BBC News Brasil afirma que a definição sobre a estratégia a ser adotada não cabe ao Itamaraty, mas à assessoria internacional da Presidência da República, comandada pelo embaixador Celso Amorim, homem de confiança de Lula. Após definida a linha de ação, ela é repassada ao corpo diplomático.

Para este diplomata, o futuro mais imediato das relações entre o Brasil e a Venezuela deverá ser marcado por duas expressões: ambiguidade criativa e "banho-maria".

Essa ambiguidade criativa, segundo ele, decorre justamente do fato de o Brasil reconhecer a existência de um governo na Venezuela ainda que o país não tenha reconhecido o processo eleitoral que o colocou no poder.

De acordo com este diplomata, essa postura parte de uma visão pragmática sobre a realidade da Venezuela agora e nos próximos anos.

Como não se vislumbra uma queda de Maduro no curto ou médio prazos, o governo brasileiro terá que lidar, goste ou não, com o governo que está no poder.

"Bilateralmente, vamos manter as coisas da forma como estão", diz o diplomata.

"Não encerramos os contatos, mas também não faremos nenhuma grande coisa ou manifestação de apoio. Como se diz, as relações ficarão em 'banho-maria'."

Mas, na prática, o que isso quer dizer?

Segundo outro diplomata ouvido pela BBC News Brasil, a expectativa é de que o Brasil continuará a manter contatos com o governo venezuelano a partir dos canais que já existem, por meio da sua embaixada em Caracas e da assessoria internacional da Presidência.

Entre os fatores que pesam na balança para essa postura estão a tradição brasileira de não cortar relações diplomáticas com outros países e a complexidade dos interesses brasileiros na Venezuela.

Dados do Ministério das Relações Exteriores apontam que haja pelo menos 11 mil brasileiros vivendo na Venezuela.

Em 2024, o comércio entre os dois países movimentou US$ 1,6 bilhão (R$ 9,8 bilhões) com um saldo positivo de US$ 777 milhões (R$ 4,76 bilhões) para o Brasil.

Além disso, Brasil e Venezuela dividem uma fronteira com 2,2 mil quilômetros em uma região particularmente sensível para o Brasil, que é a Amazônia.

Na área de influência dessa fronteira, o Brasil enfrenta atividades ilegais como o tráfico de drogas e o garimpo ilegal em terras indígenas.

Oliver Stuenkel disse à BBC News Brasil compreender a escolha brasileira por um relacionamento técnico e politicamente "morno".

"A Venezuela é um país vizinho e isso traz diversas questões que o Brasil precisa resolver, como o crime organizado na fronteira, a degradação ambiental no sul da Venezuela, a proteção a povos indígenas, a questão migratória e toda a questão consular", diz Stuenkel.

Na avaliação de Stuenkel, mesmo sem reconhecer o processo eleitoral ocorrido no ano passado, o Brasil não deveria cortar relações com a Venezuela.

"Existe no Itamaraty uma percepção de que é preciso preservar esse tipo de cooperação, que funciona no nível mais técnico", diz o especialista. "Não acho que o Brasil deve cortar as relações por completo porque, ao final, é preciso lidar com a Venezuela."

Para Carol Pedroso, doutora em Relações Internacionais e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Brasil deverá se manter politicamente distante da Venezuela no momento.

"Ao mesmo tempo em que o Brasil se colocará à disposição se houver alguma necessidade de mediação ou conciliação interna", diz Pedroso.

A professora destaca que pode haver percalços nesta tentativa de moderação das relações entre Brasil e Venezuela.

"Caso haja movimentações mais bruscas, como a prisão de González, a posição mais 'ensaboada' do Brasil será colocada à prova e exigirá do governo um consenso sobre o tema que, neste momento, ainda não existe nem dentro da própria base aliada."

A possibilidade de prisão de González veio à tona depois que ele afirmou, na semana passada, que iria à Venezuela tomar posse do mandato que ele reivindica como seu.

Em setembro de 2024, as autoridades do país expediram um mandado de prisão contra ele. Naquele mês, González fugiu para a Espanha.

Um dos diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil disse, que além dos interesses do país na Venezuela, também pesam, agora, o fato de o Brasil estar responsável pela custódia das embaixadas da Argentina e do Peru desde agosto do ano passado.

O Brasil assumiu a custódia das embaixadas a pedido dos dois países depois que a Venezuela expulsou o corpo diplomático argentino e peruano em meio à onda de protestos pós-eleições.

Imagem BBC Brasil
Claudia Macero (esq.), Pero Urruchurtu e Magalli Meda são três dos opositores refugiados na Embaixada argentina (sob custódia do Brasil) em Caracas desde março. A imagem é de 1º de agosto. (EPA)

Fator Trump

Para os analistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, um dos principais fatores a se observar sobre o futuro da Venezuela é a postura que será adotada pelo governo Trump.

No primeiro mandato de Trump, de 2017 a 2021, o governo americano impôs sanções à Venezuela que impactaram a economia do país.

Entre elas, a proibição à compra de petróleo venezuelano por empresas dos Estados Unidos e oferta de recompensa de US$ 15 milhões, em 2020, pela prisão de Maduro, acusado pelo país de narcotráfico e terrorismo internacional.

Durante o governo de Joe Biden, algumas das sanções econômicas foram aliviadas após promessas do governo venezuelano de retorno à normalidade democrática. Isso permitiu que os Estados Unidos voltassem a comprar petróleo do país.

No total, as exportações de petróleo da Venezuela para os Estados Unidos aumentaram 64% em 2024 na comparação com 2023, chegando a 220 mil barris de petróleo por dia, segundo a agência Reuters.

Atualmente, o país é o segundo maior comprador de petróleo venezuelano, atrás apenas da China.

A dúvida entre os analistas é sobre que postura Trump adotará em relação ao governo de Maduro.

Trump nomeou o senador Marco Rubio como seu futuro secretário de Estado, cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores.

Rubio é conhecido por ser um duro crítico de Maduro e ter defendido o não reconhecimento de sua vitória nas eleições de 2024.

Para Pedroso, uma possibilidade é que Trump aprofunde as sanções que já haviam sido impostas à Venezuela, criando dificuldades ainda maiores para o país.

"As sanções podem até evoluir, nesse segundo mandato, para um embargo econômico 'à la cubana', o que certamente traria desafios sem precedentes para a já combalida economia venezuelana", diz Pedroso à BBC News Brasil.

A professora afirma ainda que, dado o caráter imprevisível de Trump, outras alternativas como intervenções mais diretas dos Estados Unidos não estão descartadas.

"Isso poderia levar os Estados Unidos, no limite, a intervirem na Venezuela em distintos graus: desde apoio logístico, financeiro e militar à oposição até algo mais direto, como os episódios da América Central nos anos 1980", diz Pedroso.

"É um cenário possível, mas não necessariamente provável."

A pesquisadora Stephanie Braun, doutoranda em relações internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), por outro lado, acredita haver espaço para mudanças nas relações entre os dois países.

Imagem BBC Brasil
Donald Trump assume a presidência dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro. Em seu primeiro mandato, ele impôs sanções econômicas contra a Venezuela. (Getty Images)

"Vai ser complicado para Maduro (lidar com Trump), mas talvez não tanto quanto foi anteriormente", afirma Braun.

"Neste momento, os Estados Unidos estão precisando mais do petróleo venezuelano do que anteriormente. Talvez isso dê uma amenizada na relação entre os dois países e novas sanções não sejam implementadas."

Um dos diplomatas brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil diz que é a postura do governo americano e não a do Brasil que deverá ter maior influência sobre o futuro da Venezuela.

"Trump pode ser pragmático e dizer: 'Deixa como está. Eu compro seu petróleo barato, mantenho a inflação sob controle e você não me causa problema'. Se isso acontecer, Maduro pode ficar até o final do mandato e até mais", diz o diplomata.

"Agora, se Trump adotar uma postura mais dura, a tensão na região vai aumentar e tudo pode acontecer."

Segundo o diplomata, o receio é de que uma atuação mal calibrada do governo americano possa trazer mais instabilidade à região.

Ele afirma que, historicamente, há uma percepção entre diplomatas latino-americanos de que os Estados Unidos não se interessam pela região.

Segundo ele, o temor agora é de que essa situação mude: "A gente sempre brinca: é melhor que eles não comecem a se interessar por nós".

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