O tubarão gigante está de volta.
Cinco anos depois do primeiro filme Megatubarão – que mostrou o astro dos filmes de ação Jason Statham lutando contra um imenso tubarão pré-histórico – chega a sequência: Megatubarão 2.
Jason Statham será novamente vítima de um gigantesco tubarão supostamente extinto, de uma forma ainda mais bizarra. O trailer mostra o ator afastando com o pé a enorme mandíbula superior do tubarão e pulando sobre o animal com um jet ski.
E ainda há outra cena no trailer que envolve uma vidraça, esperando que o público seja jovem demais para ter visto outro filme mais antigo, Do Fundo do Mar (1999).
Causa um certo espanto saber que este filme claramente absurdo foi dirigido por Ben Wheatley, o renomado diretor de filmes de terror e de humor ácido, como A Field in England (2013) e Free Fire: O Tiroteio (2016). Evidentemente, ele espera dar o mesmo salto na carreira que a diretora Greta Gerwig conseguiu com Barbie.
Independente da opinião do público sobre o filme, o fato é que a criatura que ele retrata, um dia, realmente existiu.
Os megalodontes aterrorizaram os oceanos por até 20 milhões de anos até serem extintos, cerca de 3,5 milhões de anos atrás – muito antes que a humanidade pudesse conhecê-los pessoalmente.
O megalodonte foi o maior tubarão que já existiu e um dos maiores predadores marinhos do nosso planeta. Mas só nos últimos anos conseguimos conhecer com clareza o seu tamanho e saber como eles cresceram tanto. E novas pesquisas estão fornecendo informações sobre a possível forma de vida dessas criaturas, como elas caçavam e como se alimentavam.
Os megalodontes são conhecidos pela Ciência desde os anos 1840, graças aos seus enormes dentes triangulares, que costumamos encontrar fossilizados. O próprio nome “megalodonte” significa “dente grande”, em grego antigo.
A espécie foi chamada originalmente de Carcharodon megalodon, do mesmo gênero do grande tubarão-branco moderno. Mas, atualmente, ela é classificada como Otodus megalodon.
Quando se fala nos dentes enormes do megalodonte, não há nenhum exagero. Alguns espécimes têm 16,8 cm de comprimento. Para dar uma ideia, os dentes do tubarão-branco moderno chegam “apenas” a cerca de 7,5 cm.
Certamente, o megalodonte era um grande tubarão – mas de que tamanho, exatamente?
Esta seria uma questão fácil de responder se tivéssemos um esqueleto completo do animal, mas não temos. Os tubarões são peixes cartilaginosos, ou seja, seus esqueletos são feitos de cartilagem mole e não de ossos resistentes. E a cartilagem não se fossiliza adequadamente.
Por isso, os registros fósseis dos megalodontes consistem principalmente dos dentes, além de algumas vértebras parcialmente mineralizadas.
“Realmente, não temos grandes evidências sobre a aparência do tubarão”, afirma a ecogeoquímica Sora Kim, da Universidade da Califórnia em Merced, nos Estados Unidos. Ela estuda a química dos dentes do megalodonte.
Isso significa que não temos certeza sobre o verdadeiro tamanho e a forma dos megalodontes. Os paleontólogos conseguem apenas formular estimativas.
Eles medem o tamanho dos dentes dos megalodontes, comparam com os dentes de outros tubarões que têm tamanho conhecido e calculam o comprimento do corpo em escala.
Este processo é inerentemente impreciso, já que os animais maiores não são simples versões ampliadas dos seus similares de pequeno porte. Por isso, existem divergências nessas estimativas.
Vários estudos indicaram que o megalodonte poderia crescer até 18 ou mesmo 20 metros. Mas, em um estudo de 2019, o paleobiólogo Kenshu Shimada, da Universidade DePaul em Chicago, nos Estados Unidos, defendeu que essas estimativas estavam erradas.
Ele argumentou que o dente frontal superior seria a melhor medida e indica um comprimento máximo de 15,3 metros para o animal.
No ano seguinte, uma equipe liderada por Victor Perez – na época, estudante de doutorado do Museu de História Natural da Flórida em Gainesville, também nos Estados Unidos – adotou uma visão diferente.
Eles consideraram a largura dos dentes e não seu comprimento, já que a largura determina o tamanho da abertura bucal. E seu cálculo indicou que o megalodonte, de fato, poderia crescer até atingir 20 metros de comprimento.
Esta análise é “muito convincente”, segundo a paleontóloga marinha Catalina Pimiento, da Universidade de Zurique, na Suíça. E Shimada concorda que este comprimento maior é possível.
Isso significa que o tamanho do megalodonte superava em muito qualquer tubarão moderno.
O maior tubarão predador existente hoje em dia é o grande tubarão-branco. Ele costuma atingir 4,9 metros de comprimento – ou seja, o megalodonte pode ter sido três ou quatro vezes maior do que ele.
Quem pode ser comparado com o megalodonte é o tubarão-baleia moderno. Existem relatos confiáveis sobre um indivíduo com 18,8 metros de comprimento.
Mas o tubarão-baleia não é predador – ele é filtrador e se alimenta de imensas quantidades de plâncton microscópico.
Por outro lado, tanto o mastodonte quanto o tubarão-baleia são pequenos, perto das maiores baleias existentes. Afinal, a baleia-azul – o maior animal vivo do planeta – pode atingir 30 metros de comprimento. E, como o tubarão-baleia, também se alimenta de plâncton.
É possível que alguns dos répteis marinhos da era dos dinossauros tivessem tamanhos similares, mas nossas estimativas sobre esses animais são baseadas em esqueletos incompletos. Por isso, os cálculos são bastante imprecisos.
Todos estes números nos levam a concluir que o megalodonte não concorre ao título de maior animal do planeta. Mas ele pode muito bem ter sido o maior tubarão que já viveu na Terra – e o maior predador da história.
Os dentes do megalodonte revelam que o animal era um predador, mas o que ele comia?
Para responder a esta pergunta, os pesquisadores recorreram à análise química dos dentes.
Um método empregado é analisar o nitrogênio. Todo o nitrogênio do corpo de um animal vem da proteína da sua alimentação.
O nitrogênio aparece em duas formas ou “isótopos”: o nitrogênio-14 e o nitrogênio-15. Basicamente, o corpo dos animais retém mais nitrogênio-15 do que nitrogênio-14 proveniente da alimentação.
O resultado é que os animais em posição superior na cadeia alimentar possuem proporção maior de nitrogênio-15 no corpo, incluindo os dentes.
Em um estudo de 2022, Kim e outros pesquisadores demonstraram que os dentes do megalodonte tinham níveis extremamente altos de nitrogênio-15. Isso indica que ele era um importante predador, que se alimentava das presas maiores, como fazem as orcas modernas.
“Ele teria sido um super-hiperpredador”, afirma Kim.
Mas outro estudo de 2022, de Shimada e Kim, observou os isótopos de zinco. Eles sugeriram que o megalodonte era mais parecido com o grande tubarão-branco: ainda um grande predador, mas não tanto quanto se pensava.
Kim acrescenta que os estudos também indicaram variações consideráveis, ou seja, que nem todos os megalodontes tinham a mesma alimentação.
Parte destas variações pode ser devido às diferenças entre os jovens e os adultos, segundo Pimiento. “Sabemos pelas espécies modernas que os tubarões mudam sua alimentação à medida que crescem”, afirma a pesquisadora.
Os tubarões-brancos jovens alimentam-se principalmente de peixes, enquanto os adultos caçam mamíferos marinhos. Os megalodontes jovens podem ter seguido transições similares enquanto cresciam. Existem evidências de que os megalodontes, às vezes, caçavam pequenos mamíferos marinhos, como focas.
“Os principais predadores só estão no ápice quando são adultos”, explica Pimiento. E os megalodontes jovens provavelmente viviam de forma muito diferente dos seus pais.
Em 2010, Pimiento e seus colegas descobriram que os dentes de megalodonte de uma região do Panamá eram surpreendentemente pequenos, o que sugere que os tubarões eram quase todos jovens.
Eles concluíram que a região seria um mar raso que servia de berçário. Os jovens megalodontes podiam alimentar-se ali em relativa segurança, já que os predadores maiores teriam dificuldade para entrar naquelas águas rasas.
Uma década depois, pesquisadores chefiados pelo paleobiólogo Humberto Ferrón, da Universidade de Valência, na Espanha, identificaram outros berçários de megalodontes.
Mas o termo “berçário” pode fornecer uma ideia enganosa de dedicadas mamães megalodontes criando seus filhos. “Elas simplesmente os depositavam ali e iam embora”, afirma Pimiento.
Os tubarões modernos se comportam de forma similar. “Nunca soubemos de mães que cuidassem dos seus bebês”, segundo Kim.
Outras indicações sobre a reprodução do megalodonte surgiram em um estudo de 2020 de Shimada e seus colegas. Eles estudaram um raro conjunto de vértebras preservadas. Estima-se que o megalodonte em questão tivesse 9,2 metros de comprimento.
A equipe examinou as faixas de crescimento das vértebras, similares aos anéis dos troncos das árvores. Eles revelaram que o animal morreu com 46 anos de idade e também demonstraram que a criatura tinha cerca de dois metros de comprimento quando nasceu.
Este grande tamanho ao nascer sugere que o peixe foi incubado dentro do corpo da mãe. Ele não nasceu de um ovo, como ocorre em muitas espécies de peixe. A equipe também indicou que o embrião teria se alimentado de outros filhotes no útero materno, o que o ajudou no seu enorme crescimento.
Este tipo de “canibalismo intrauterino”, embora pareça assustador, é comum nos tubarões modernos. Ele faz com que as mães gerem relativamente poucos filhotes, com o máximo de nutrição possível.
Além destes sofisticados métodos de criação de filhos, o megalodonte também tinha capacidades físicas realmente formidáveis.
Em 2022, Pimiento e seus colegas publicaram uma reconstrução tridimensional do megalodonte. Eles escanearam uma rara coluna vertebral quase completa e a usaram para recriar um modelo total do esqueleto daquela espécie.
“Nós o criamos com base no tubarão-branco, que é um tubarão suficientemente bem estudado, o que nos permitiu encontrar uma imagem do crânio e outra do corpo inteiro”, explica Pimiento.
Eles ajustaram o modelo com dados de outros tubarões, já que o megalodonte não tinha tanta relação com o tubarão-branco, embora algumas ilustrações sejam semelhantes.
“Com estas medições, conseguimos deduzir muitas propriedades ecológicas”, explica Pimiento.
Os pesquisadores concluíram, por exemplo, que o megalodonte era um ávido nadador que podia cobrir grandes distâncias em velocidades médias de cruzeiro de cerca de 1,4 metros por segundo – mais do que qualquer tubarão vivo hoje em dia.
Outros pesquisadores indicaram que a velocidade máxima que esses tubarões conseguiam atingir chegaria a 10 m/seg. Mas Pimiento e seus colegas afirmam que é improvável que o maior megalodonte alcançasse esta velocidade, segundo sua reconstrução.
A resistência da água sobre seus corpos pode ter limitado sua velocidade, mas talvez os indivíduos mais jovens fossem muito mais ágeis.
A equipe também conseguiu estimar o tamanho do estômago e da abertura bucal do mastodonte. “A abertura da mandíbula era tão grande que conseguia abocanhar presas muito grandes”, afirma Pimiento.
Um megalodonte adulto podia comer um animal do tamanho de uma orca moderna com poucas mordidas. Esta refeição conseguiria sustentá-lo por um tempo considerável.
“Mesmo com uma refeição, ele podia viajar por distâncias muito longas”, conta a pesquisadora.
Com base nessas informações, Pimiento e seus colegas descreveram o megalodonte como um “superpredador transoceânico”, que podia nadar rotineiramente de um oceano para outro.
Este estilo de vida ativo era sustentado por outra característica: o megalodonte era um animal de sangue quente.
Os animais vivem em um espectro entre o sangue frio (ou seja, sua temperatura interna é determinada em grande parte pelo ambiente à sua volta) e o sangue quente (os que controlam sua temperatura interna gerando seu próprio calor).
Em 2016, Ferrón e seus colegas apresentaram diversas linhas de evidência de endotermia local – o megalodonte mantinha algumas partes do seu corpo mais quentes do que a água à sua volta. E, em junho de 2023, uma equipe da qual participaram Kim e Shimada publicou outras evidências químicas dos minerais encontrados nos dentes fossilizados, que davam conta de que o megalodonte era parcialmente de sangue quente.
“Aparentemente, o megalodonte não era tão quente quanto um mamífero marinho”, segundo Kim.
Talvez ele gerasse calor interno no centro e não nas extremidades. Ou talvez o seu imenso tamanho o ajudasse a reter o calor. De qualquer forma, ele se mantinha quente no lado interno do corpo.
“Isso realmente traz enormes benefícios”, segundo Kim, permitindo que o megalodonte nadasse por mais tempo e com mais rapidez, aventurando-se em águas mais frias.
Mas como evoluiu esse animal extraordinário?
O O. megalodon era apenas o mais recente de uma série de espécies do gênero Otodus, que evoluíram gradualmente ao longo de dezenas de milhões de anos.
“Eles aumentaram de tamanho ao longo do tempo”, afirma Pimiento, até atingirem o pico com o O. megalodon.
De forma mais ampla, o gênero Otodus é parte de um grupo maior de tubarões conhecidos como Lamniformes. Na época dos dinossauros, os Lamniformes eram diferentes dos outros tubarões.
“Enquanto a maioria dos tubarões media um metro, a maioria destes tubarões tinha três metros”, segundo Pimiento.
Com o tamanho maior, eles evoluíram a capacidade de regular a temperatura corporal. Isso permitiu que os Lamniformes seguintes se tornassem realmente imensos – mas só quando seus ambientes fossem suficientemente ricos para sustentá-los.
Agora, parece que o tamanho e o sangue quente do megalodonte podem também ter sido o motivo da sua extinção.
“O megalodonte se extinguiu quando o nível do mar caiu e não havia presas suficientes”, segundo Pimiento.
Em 2017, a pesquisadora e seus colegas identificaram uma extinção em massa nos oceanos, que eliminou o megalodonte e uma série de outros animais marinhos de grande porte.
“Todos os animais tinham alta demanda metabólica”, prossegue Pimiento. E, quando as presas ficaram escassas, o estilo de vida do megalodonte de sangue quente ficou energeticamente caro demais.
“Se você fosse um megalodonte tão grande, você simplesmente precisaria de uma enorme quantidade de alimento para sobreviver”, explica Sora Kim.
Os megalodontes se extinguiram há milhões de anos.
Um estudo de Pimiento e seus colegas em 2014 estima em 2,6 milhões de anos atrás, mas uma pesquisa de 2019, feita por outro grupo, estimou em 3,5 milhões de anos. E Kenshu Shimada afirma que a data anterior é “mais confiável”.
Embora a época exata talvez ainda precise ser definida, o que temos certeza é que o megalodonte não existe mais.
Considerando que ele caçava em áreas imensas, muitas vezes buscando animais grandes como baleias, é impossível que não o tivéssemos observado se ele ainda vivesse. Por isso, os pesquisadores afirmam que os filmes da série Megatubarão, que sugerem que a espécie pode ter sobrevivido de alguma forma, são fantasiosos.
“Tem sido bastante cansativo explicar para as pessoas que o megalodonte é uma espécie extinta e só está representada no registro fóssil”, afirma Shimada.
O pesquisador acrescenta que, às vezes, as pessoas também têm a impressão errônea de que o megalodonte viveu na era dos dinossauros. Mas, na verdade, ele evoluiu muito depois dos enormes répteis, talvez 23 milhões de anos atrás.
E, se esta data estiver correta, os megalodontes viveram por um período surpreendentemente longo.
Aqueles tubarões não vivem mais entre nós, mas existe um parente imenso que ainda sobrevive. O tubarão-baleia atingiu um tamanho similar ao do megalodonte, sem se tornar um superpredador. Ele preferiu ficar calmamente se alimentando de plâncton.
“Você tinha estes dois caminhos [para se tornar gigante]”, segundo Catalina Pimiento. “Este tubarão grande de 20 metros não está mais aqui. Mas o outro tubarão, de quase 20 metros, que é o tubarão-baleia, está vivo até hoje.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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