"Saímos de casa apenas com a roupa do corpo. Não é fácil deixar tudo o que construímos para trás. Passamos 12 horas na estrada, com o som das bombas explodindo perto de nós. Queremos voltar ao Brasil, e mesmo que tenhamos que começar do zero, é melhor do que arriscar nossas vidas aqui."
Esse é o relato de Leni Souza, podóloga paranaense de 47 anos que vive no Líbano há 12 anos. Ela deixou sua casa no sul do país após o aumento dos ataques de Israel contra o grupo libanês Hezbollah.
Casada com um libanês há 30 anos, Leni conta que se mudou para o Líbano buscando proporcionar uma educação melhor para suas três filhas — uma de 20 anos e duas gêmeas de 13 anos, uma vez que, segundo ela, o sistema educacional local oferece o aprendizado de três idiomas: inglês, francês e árabe.
Contudo, a tranquilidade da família foi abalada em outubro de 2023, quando os conflitos em Gaza se espalharam para o Líbano, com confrontos diários entre Israel e o Hezbollah.
Segundo Leni, o ponto de ruptura foi na segunda-feira (23/9), o dia mais mortal no Líbano desde o fim da guerra civil, em 1990.
Neste dia, quase 600 pessoas foram mortas, incluindo 50 crianças e 94 mulheres, além de 1.700 ficarem feridas, de acordo com o Ministério da Saúde libanês.
"Desde segunda-feira, os bombardeios se tornaram constantes e aterrorizantes", conta Leni à BBC News Brasil.
Ela descreve o medo crescente à medida que as explosões se aproximavam.
"Foram 24 horas ouvindo bombas. Até então, eu não havia deixado minha casa, mas chegou um ponto em que não era mais possível continuar."
A família, então, decidiu fugir. "Consegui sair da cidade ontem com minhas filhas. Levamos 12 horas para chegar a um lugar seguro nas montanhas, uma viagem que normalmente dura uma hora e meia."
Ela relata a tensão na estrada, vendo bombas a distância e passando por cidades devastadas, com prédios destruídos e janelas quebradas.
"A qualquer momento, uma bomba podia cair sobre nós. O medo era constante, e a única coisa em que eu pensava era tirar minhas filhas de lá o mais rápido possível", relembra emocionada.
Nas montanhas, a família encontrou abrigo alugando a parte superior de um chalé e agora aguarda informações sobre uma possível evacuação organizada pela embaixada brasileira.
Leni e seu marido já começaram a preencher os formulários para uma eventual retirada do país.
"Não é fácil abandonar tudo o que construímos, mas preferimos recomeçar no Brasil a colocar nossas vidas e as de nossas filhas em risco."
Ela expressa tristeza ao ver a destruição ao redor e a situação difícil de outras famílias brasileiras, algumas sem abrigo, dormindo em carros.
"Graças a Deus, conseguimos um lugar seguro. Agora, estamos esperando e torcendo para que tudo se resolva logo."
Leni é uma das 90 mil pessoas deslocadas no Líbano desde 23 de setembro, segundo a ONU. Assim como ela, muitas famílias estão fugindo do sul do país, com carros lotados e escolas sendo usadas como abrigos improvisados.
Enquanto isso, o exército israelense informou que está realizando uma nova onda de ataques "intensos" no sul do Líbano e no vale do Bekaa, visando o Hezbollah.
O Ministério da Saúde libanês registrou pelo menos 50 mortes e mais de 220 feridos em decorrência desses ataques.
O chefe do exército israelense, Herzi Halevi, declarou que essas operações têm como objetivo preparar a "possível entrada" de tropas no Líbano.
Mais cedo, Israel anunciou que interceptou um míssil balístico disparado pelo Hezbollah em direção a Tel Aviv, sendo essa a primeira vez que um foguete desse tipo foi direcionado à maior cidade do país.
Além das 90 mil pessoas deslocadas desde segunda-feira, outras 112 mil já foram forçadas a deixar suas casas no sul do Líbano desde outubro do ano passado, de acordo com a ONU.
No norte de Israel, cerca de 60 mil pessoas também foram evacuadas nesse período.
Israel afirma que seu objetivo é neutralizar a ameaça do Hezbollah e permitir o retorno das pessoas deslocadas no norte do país.
O Hezbollah, por sua vez, alega estar resistindo à "agressão" israelense e agindo em solidariedade aos palestinos em Gaza.
Os ataques de ambos os lados da fronteira têm aumentado, alimentando o temor de um conflito regional mais amplo, especialmente após uma série de atentados contra membros do Hezbollah.
Em Beirute, Carla Mussallam Al Masri, guia de turismo paulistana de 58 anos, que vive no Líbano há 28 anos, relata a presença constante dos aviões supersônicos israelenses.
Segundo Carla, essas aeronaves voam em alta velocidade, rompendo a barreira do som e gerando estrondos que fazem tremer as casas.
"Quando eles passam, parece uma bomba. O barulho é ensurdecedor, e parece que a casa vai desabar", relata Carla, que é casada com um libanês.
Para minimizar os danos, ela deixa janelas e portas abertas, evitando que o impacto do som quebre os vidros.
A frequência desses voos aumentou recentemente, e o último sábado foi particularmente difícil, marcado por estrondos que causaram ansiedade e medo na comunidade.
Carla se familiarizou com esse som desde que se mudou para o Líbano, mas a intensidade recente trouxe de volta memórias de bombardeios dos anos 90 e da guerra de 2006.
Seus pais nasceram no Brasil, mas seus avós são de Marjayoun e Hasbaya, no sul do Líbano, áreas historicamente afetadas por ocupações e bombardeios, e mais recentemente alvos de novos ataques de Israel em sua ofensiva contra o Hezbollah.
Para Carla, o som dos aviões supersônicos é um lembrete constante da instabilidade da região e do impacto emocional que esses episódios têm na vida cotidiana.
"Israel fez um ataque cirúrgico a 30 quilômetros de onde eu moro, na cidade de Sídon, perto da casa do meu cunhado", acrescenta ela.
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