É preciso ter cuidado ao interpretar os resultados do principal método de diagnóstico da Covid-19, o RT-PCR, que identifica o material genético do causador da doença. Segundo um novo estudo, o risco de não flagrar a presença do vírus ainda é de 20% mesmo após três dias de sintomas.
O dado é uma das conclusões de um estudo americano que acaba de sair na revista especializada Annals of Internal Medicine.
No trabalho, a equipe liderada por Justin Lessler, professor de epidemiologia da Universidade Johns Hopkins, coletou informações obtidas em sete outros estudos sobre a detecção do vírus Sars-CoV-2, abrangendo 1.330 pacientes com suspeita de carregar o patógeno. Alguns desses pacientes, embora não apresentassem material genético do vírus em seu organismo, tinham sintomas clínicos da doença e, mais tarde, descobriu-se neles a presença de anticorpos contra o patógeno (ou seja, de fato tinham tido Covid-19).
Para selecionar esses trabalhos, a maioria dos quais já publicados em outros periódicos científicos (embora dois ainda estejam em repositórios públicos na internet, aguardando a publicação oficial), Lessler e seus colegas levaram em conta apenas os que apresentavam de modo claro o período entre a detecção do material genético do vírus e o início dos sintomas em cada paciente ou então o intervalo entre o diagnóstico e a exposição das pessoas ao Sars-CoV-2 (por meio do contato com outros doentes, por exemplo).
Os pesquisadores da Universidade Johns Hopkins tinham como objetivo avaliar a eficácia do método conhecido como RT-PCR (sigla inglesa de "reação em cadeia de polimerase em tempo real"). Em essência, esse método é capaz de "captar" pequenos fragmentos do genoma do vírus e produzir muitas cópias desses trechos de material genético, facilitando assim a detecção do patógeno.
A RT-PCR é considerada o "padrão-ouro" de diagnóstico da Covid-19 quando a infecção ainda está a pleno vapor no organismo. Isso porque as células demoram mais ou menos uma semana, depois do aparecimento dos sintomas, para produzir um nível apreciável de anticorpos contra o vírus, enquanto o material genético do invasor estaria presente no corpo, em tese, assim que ele passa a se multiplicar. As agências reguladoras dos EUA, por exemplo, estimam que a especificidade (ou seja, a capacidade de identificar corretamente quem tem mesmo o vírus) da RT-PCR seria de 100%.
Na prática, porém, os resultados dos exames analisados pelo grupo mostram outro cenário. O que eles viram é que, com o passar do tempo, a probabilidade de que a RT-PCR detecte o coronavírus no organismo varia muito.
Assumindo um tempo médio de cinco dias entre o começo da infecção e o aparecimento dos sintomas (já que o vírus tem esse período de incubação antes que seus efeitos apareçam), o risco de um falso negativo, ou seja, de que a infecção não seja flagrada, é de quase 40% no primeiro dia dos sintomas, por exemplo. Conforme a doença transcorre, essa probabilidade de falsos negativos sobe para 66% após 15 dias de sintomas, mais ou menos a mesma presente um dia antes de os sintomas começarem.
Ainda não está claro o que explicaria essa variabilidade nos testes que pode ter a ver com a própria qualidade da RT-PCR, com o tipo de amostra (do nariz ou da garganta, por exemplo) ou com a quantidade de vírus produzidos no organismo dos pacientes, que pode variar bastante de pessoa para pessoa.
De qualquer modo, trata-se de um alerta importante, segundo os pesquisadores. "Se a suspeita clínica for alta, não se deve descartar a infecção com base apenas na RT-PCR, e a situação clínica e epidemiológica deve ser considerada cuidadosamente", escrevem eles.
O trabalho também pode dar pistas sobre o melhor momento para realizar o teste com confiabilidade - aparentemente, o terceiro dia dos sintomas, mesmo com a margem de erro de um quinto dos casos. Além disso, ficar de olho nos contatos de pessoas expostas ao vírus e isolá-las sempre que possível seriam medidas prudentes no contexto da pandemia, independente do resultado pontual dos testes.
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