O relevo da capital da Bolívia, La Paz, torna o transporte público um desafio.
Situada a uma altitude de 3.640 metros acima do nível do mar, ela é uma das cidades mais altas do mundo, com terreno acidentado, montanhas, vales profundos e ruas estreitas.
Por causa disso, em 2014, o governo lançou a empresa estatal Mi Teleférico, uma rede de teleféricos que conecta a capital administrativa com a cidade vizinha de El Alto.
A proposta deu certo e chegou até a entrar para o Guinness World Records, como a maior rede de teleféricos do mundo.
"O Governo Nacional, observando a topografia acidentada da metrópole, implementou um meio totalmente inovador que é o maciço Sistema de Transporte por Cabo (STC), construindo a maior rota aérea do mundo, o que facilitou o transporte público", explica Alejandro Gonzales Blacutt, gerente executivo da empresa estatal Mi Teleférico.
Ao visitar esta parte do país é possível ter uma visão privilegiada da cidade em meio às montanhas nos mais de 31,6 quilômetros de comprimento, divididos em dez linhas diferentes.
Atualmente, o transporte é utilizado por pessoas que desejam se locomover pela região, e também por quem quer "turistar" e ver a cidade de cima.
O teleférico tem cabines limpas, climatizadas e com um bom funcionamento em praticamente todas as estações.
O trajeto entre uma linha e outra também é feito de forma rápida, facilitando a rotina dos moradores que precisam ir ao trabalho diariamente. O ganho no tempo foi sentido pelos bolivianos que perdiam mais de uma hora no trânsito, considerado caótico por muitos.
"Para chegar no trabalho da cidade levava de 45 minutos a uma hora. Mas com a linha roxa, em 8 minutos estava no centro", diz a boliviana Michelle Felipes, de 25 anos, que trabalha em uma agência de turismo de La Paz.
Além de ser um meio de transporte, o Mi Teleférico é considerado uma atração turística. Isso porque além de levar para os principais bairros da região, andar nele já vale muito para quem está de passagem por La Paz e El Alto.
Ao utilizar algumas linhas é possível ter uma visão panorâmica da capital e das montanhas no entorno. A brasileira e criadora de conteúdo Jess Pádua, de 34 anos, já esteve na Bolívia duas vezes e sempre usou o teleférico. Na primeira vez, em 2019, e na segunda, em setembro de 2023.
"Em setembro desse ano fui novamente e andei por 2 horas sem chegar a lugar nenhum só pra conhecer a cidade de cima", lembra.
Ela ainda conta que achou a experiência futurista e chegou a imaginar como seria no Brasil, já que, para ela, os bolivianos são mais reservados e não conversam tanto dentro desse transporte público.
"É uma loucura que as pessoas 'voem' diariamente para ir ao trabalho. Traduz muito a Bolívia, isso do novo e do velho tudo junto, tradição e futuro, cholitas e teleférico. Me senti nos Jetsons, sabe?", diz a brasileira.
Já para quem visita a feira 16 de Julio, considerada a maior da América Latina, ir de teleférico pode ser um passeio fora do comum e barato.
Por meio da linha vermelha é possível ver toda a feira de cima e ter noção de quão grande é. A passagem custa 3 bolivianos, o que na cotação atual dá, aproximadamente, R$ 2,10.
A internacionalista Yasmin Bitencourt, 27 anos, visitou La Paz em novembro de 2022. A brasileira usou o teleférico justamente para visitar os principais pontos turísticos, explorar a cidade e chegar à feira em El Alto.
"Achei o serviço ótimo, assim como as instalações. Curti a ideia de ver a cidade de cima e também a abrangência de pontos que tem disponibilidade de uso. Foi interessante ver a casa das pessoas e também os terraços das casas, campos de futebol, praças do bairro. Coisas que não temos a dimensão quando estamos andando ou passando de carro", conta.
Michelle, que atua na área de turismo há alguns anos, indica o passeio sempre aos viajantes que passam pela região.
Para ela, ao visitar a capital o turista precisa colocar o teleférico na lista. "Montei roteiros para que meus hóspedes tenham as melhores vistas de La Paz."
Enquanto alguns veículos terrestres emitem gases poluentes, o teleférico se destaca no quesito sustentabilidade.
Atualmente, esse tipo de transporte possui painéis solares que fornecem energia limpa às cabines e não ao sistema eletromecânico.
Até 2026, estão sendo realizadas obras em uma usina fotovoltaica - fonte de energia renovável que utiliza a radiação solar para gerar eletricidade - que fornecerá energia solar a todo o sistema de transporte por cabos.
Blacutt explica que por meio do transporte por cabo evita-se a emissão de poluentes, permitindo um melhor atendimento aos usuários.
"É um sistema ordenado e por ser aéreo não causa engarrafamentos, também através das estações pode ser integrado com outros meios de transporte e tem capacidade de incorporar novas tecnologias."
Além de sustentável, o teleférico ajuda ainda na diminuição do trânsito na cidade e também dos acidentes nas vias.
Os últimos dados divulgados pela estatal mostram que entre os anos 2014 e 2019 foram registrados mais de 51 mil incidentes de trânsito, dos quais 20% corresponderam a acidentes.
De acordo com Sergio Ejzinberg , engenheiro e mestre em Transporte pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), o teleférico ainda ajuda a desafogar o tráfego em rodovias.
"Você pode deixar as rodovias para cargas. Tira os passageiros das ruas, que passam a usar o teleférico com rapidez e segurança", diz.
O projeto também facilita o acesso da população aos transportes públicos, já que mais de 60% desses em La Paz é fornecido por uma rede de micro-ônibus. Também não há metrô e o teleférico chegou a ser chamado pelos bolivianos de "metrô no céu".
Para o engenheiro, esse meio de transporte é ideal para a topografia da cidade e atende bem às necessidades da população.
Segundo a empresa, o Mi Teleférico recebe aproximadamente 200 mil usuários por dia e por mês esse número chega a seis milhões. "Até o final de 2023, são esperados 73 milhões de passageiros", diz Blacutt.
Embora a ideia pareça promissora para a América Latina, o projeto não daria certo em grandes cidades e capitais.
Segundo o especialista da USP, os teleféricos tiveram sucesso em La Paz pela condição topográfica.Contudo, mesmo a cidade sendo alta, não é altitude que implica nesses casos, mas sim,a diferença de altura entre um destino e outro em um curto espaço de tempo.
"É uma distância curta entre La Paz e El Alto, que fica na periferia da cidade", diz.
Em cidades como São Paulo, no Brasil, Medellin, na Colômbia, e Buenos Aires, na Argentina, o sistema de trilhos é o mais indicado. "Quando você tem macrometrópoles, você entra com metrô e ferrovia", reforça o engenheiro.
Ainda de acordo com o especialista, o teleférico construído no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, tinha tudo para dar certo. Porém, por causa da má gestão isso não ocorreu. O transporte já está sem funcionar há sete anos.
"Ali você tem morros escarpados, vielas horríveis para chegar. Com certeza melhoraria a qualidade de vida da população. A ideia era correta, mas o problema foi de gestão", afirma Ejzinberg.
No Brasil, o sistema de transporte por cabos funcionaria em cidades pequenas e que não apresentam uma alta demanda de uso. "Pode servir para cidades como Amparo, Serra Negra, Pico do Jaraguá. Teleféricos pequenos e com a função mais turística."
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