Morreu neste domingo (14), aos 90 anos, o ex-presidente da Argentina Carlos Saúl Menem, líder que pavimentou o caminho para a maior crise econômica e social que a Argentina já conheceu. Ele estava internado havia meses por problemas respiratórios e cardíacos e faleceu em uma clínica de Buenos Aires, segundo a imprensa argentina.
O peronista, que permaneceu dez anos no poder, surfou em apoio popular no momento em que a maioria dos argentinos estava fascinada pela política de câmbio fixo – US$ 1 equivalia a 1 peso –, adotada para pôr fim à hiperinflação. Na prática, no entanto, a estratégia gerou um ilusório intervalo de estabilidade.
A crise já havia consumido o mandato de seu antecessor, Raúl Alfonsín, que acabou renunciando em julho de 1989, seis meses antes do previsto. Naquele ano, a inflação saltou de 460% em abril a 764% em maio.
O suposto milagre operado pelo câmbio fixo deu a Menem, já como presidente, força suficiente para negociar com Alfonsín, líder da União Cívica Radical, tradicional adversária do peronismo, uma mudança que lhe permitiu tentar a reeleição, até então vetada pela Constituição.
O segundo mandato oferecia as condições para romper as amarras do câmbio fixo que, se por um lado, controlava a inflação -o governo não podia emitir um único peso a mais do que gerava com suas receitas-, por outro destruía o tecido econômico, especialmente o industrial. Era mais barato importar casacos de pele da Alemanha do que produzi-los localmente, embora o setor tivesse tradição no país.
A população, porém, desconfiada de sua própria moeda, não queria nem ouvir falar em liberar o câmbio.
Quando Menem deixou a Casa Rosada, em 1999, a recessão já havia se instalado e ganharia força nos anos seguintes. O caminho iniciado pelo peronista terminaria em uma fogueira política e social que obrigaria o sucessor Fernando de la Rúa a fugir de helicóptero, abandonando o poder.
A impopularidade de medidas econômicas como a do "corralito" – sequestro de poupanças e contas de milhões de argentinos – e da maxidesvalorização do peso levaram a grandes protestos de rua, nos quais confrontos entre forças de segurança e manifestantes causaram a morte de 39 pessoas.
Advogado de família libanesa, nascido em Anillaco, na província de La Rioja, em 10 de julho de 1930, Menem marcou a política argentina ao rasgar a cartilha do heterogêneo movimento peronista, nacionalista e estatizante, para adotar políticas ultraliberais. Elegeu-se prometendo um "salariazo", ou seja, salários gigantes, e governou entregando privatizações em massa.
Seu período na Presidência foi marcado por denúncias de corrupção – uma delas, o escândalo de exportação de armas ao Equador e à Croácia, entre 1991 e 1996, que teria gerado transferências de cerca de US$ 10 milhões (R$ 53,7 milhões, na cotação atual) para contas na Suíça, acabou levando-o brevemente à prisão domiciliar, em 2001.
Em 2013, devido ao episódio, foi condenado a sete anos de prisão. O mesmo aconteceu dois anos mais tarde, quando voltou a ser condenado em outro caso, de suborno a autoridades com dinheiro público. Também foi condenado por superfaturamento de obras e por vender a um preço muito menor do que valia o tradicional prédio da Sociedade Rural, em Palermo, durante seu governo.
Ao todo, as penas somavam nove anos de detenção, mas ele não chegou a cumpri-las, uma vez que o cargo de senador lhe dava imunidade parlamentar. As alianças com a maioria peronista do Congresso, nos últimos anos, garantiram que não perdesse o foro especial.
Suas relações com os militares foram tortuosas. Governador de La Rioja até o golpe militar de 1976, mantinha boa relação com o bispo Enrique Angelelli, um dos raros líderes religiosos progressistas da Argentina e perseguido pelos militares. Após o golpe, Menem foi preso e ficou cinco anos na cadeia.
No entanto, ao chegar ao governo, promoveu o perdão para todos os líderes militares do chamado Processo de Reorganização Nacional, o nome fantasia dado à ditadura do período entre 1976 e 1983.
O movimento serviu para pôr fim à anarquia nas Forças Armadas, que promoveram sucessivas rebeliões contra seu antecessor, Raúl Alfonsín, suficientes para ajudar a desestabilizá-lo.
Após o restabelecimento da democracia, Menem retomou a carreira política do ponto em que estava em 1976: voltou a se eleger governador de La Rioja, posto que usou para disputar a liderança do peronismo, o que fez ao derrotar os setores mais ideológicos do movimento.
Mesmo após o caos que se seguiu ao fim da política de câmbio fixo, em 2001, Menem tentou um terceiro mandato, em 2003. Foi o mais votado no primeiro turno, embora com apenas 24% dos votos, sinal claro do desgaste sofrido devido à crise da paridade cambial.
Ficou longe dos 45% necessários para dispensar o segundo turno ou mesmo dos 40% com 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado, o que também lhe daria o direito a retornar à Casa Rosada sem a necessidade de uma nova votação. Menem deveria disputar o returno com Néstor Kirchner, também peronista, mas muito mais à esquerda, e que obtivera 22% dos votos.
Desistiu, no entanto, com bases nas pesquisas de intenção de voto, que apontavam rejeição a ele na casa dos 70%. Seria humilhação demais para o homem que conseguira ficar dez anos consecutivos na Casa Rosada, proeza nada desprezível em um país tão instável politicamente.
A vida pessoal também foi cheia de ziguezagues. Muçulmano por herança familiar, tornou-se católico porque assim a Constituição argentina, até 1994, exigia de um presidente.
Manteve, entretanto, o casamento com uma muçulmana, Fátima Zulema Yoma, com quem teve uma filha, Zulemita, e um filho, Carlos Saúl Menem Facundo Yoma, morto em acidente de helicóptero em 1995.
Quatro anos antes, Menem e Zulema se separaram, o que fez com que Zulemita assumisse algumas vezes o papel de primeira-dama, até porque a mãe entrou em conflito aberto com o pai.
Considerado um conquistador, Menem casou-se em 2001 com uma ex-miss Universo, a chilena Cecilia Bolocco, 35 anos mais jovem que ele. O casamento durou seis anos, e o casal teve o filho Máximo Menem.
O abandono da eleição de 2003 acabou sendo o ponto de inflexão na carreira do peronista, que passou ao ostracismo no próprio partido. Movimentos populistas como o do qual fazia parte valorizam ao extremo o papel do "jefe", ocupado desde então por Néstor Kirchner ou sua mulher, Cristina Fernández de Kirchner.
Ainda assim, Menem se elegeu senador em 2005 e seguiu se reelegendo ao final de cada mandato, sempre por La Rioja. Mas seu papel no peronismo em nível nacional limitou-se ao de votar, quase sempre a favor, das propostas elaboradas pelo peronismo kirchnerista, herdeiro do caos que o peronismo menemista provocou na Argentina.
Em 2018, no entanto, diferiu da bancada kirchnerista votando contra a Lei do Aborto, colaborando para que fosse vetada pelo Congresso.
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