A melhor lição a ser tirada da pandemia é a criação de um sistema capaz de detectar surtos logo no início. "Cabe aqui a imagem do incêndio em floresta: quando se detecta e se debela no começo, é fácil limitar o estrago. Depois que se propaga, em geral é tarde demais", disse ao Estadão Rubens Ricupero, o diplomata que foi ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, nos anos 90, e embaixador nos EUA e também atuou na Organização Mundial da Saúde (OMS).
Uma ou outra crítica à OMS pode ser justificada. A demora em classificar a doença como pandemia, em reconhecer que o contágio se fazia entre pessoas, a recomendação em não suspender as conexões aéreas, algum grau de leniência em relação às responsabilidades da China. Mas, nessa matéria, quem não tem pecado e pode atirar a primeira pedra? Que governo agiu de modo decisivo desde o primeiro momento? Que eu saiba, só Taiwan, cujo vice-presidente é epidemiologista. Em grau menor, Cingapura, Coreia do Sul e Hong Kong, todos escaldados por terem pago um alto preço de vidas nas pandemias de Sars, em 2002 e 2003, e de Mers, em 2015. Até certo ponto, é pouco razoável exigir da China ou da OMS um comportamento impecável desde o princípio, quando se desconhecia quase tudo da epidemia.
As acusações de Trump obedecem ao intuito de desviar a atenção do despreparo e incompetência com que o governo americano enfrentou a Covid-19. A OMS e a China são os dois bodes expiatórios escolhidos para transferir a culpa de Trump e de seus ineptos auxiliares. A OMS não tem o mandato para atuar nos países e fiscalizar os problemas sanitários sem a autorização. Acredita que deveria ter? É viável aprovar uma mudança como essa após a pandemia? Não é que temos um sistema contra pandemias que funciona mal, simplesmente não temos sistema.
Superado o momento mais agudo da pandemia, creio que a melhor lição a tirar está na necessidade de melhorar a governança global na área. Devemos criar um sistema capaz de detectar as pandemias no começo. Cabe aqui a imagem do incêndio florestal: quando detectado e debelado no início, é fácil limitar o estrago.
Após o desastroso impacto em vidas e perdas econômicas, espera-se que haja finalmente alguma ação decisiva. Quanto às modalidades que deverá assumir o sistema global de detecção e combate às pandemias, são questões que devem ser discutidas pelos países após a fase mais perigosa do surto.
Dadas as suscetibilidades nacionais, não seria fácil aprovar um mandato explícito de atuação, independentemente da vontade dos governos. Não é impossível, pois existem precedentes, como é o caso das inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica ou no caso de certos tratados internacionais de limitação de armas. Uma forma de superar as resistências seria criar um corpo de especialistas em pandemias para cooperar nas capitais dos países com as autoridades sanitárias locais.
A reconstrução das economias já constitui, ao lado do combate à doença, a principal prioridade na atual agenda, mesmo antes do fim da pandemia. O elenco de medidas já tomadas nesse sentido é muito amplo: redução de juros, injeção de liquidez no sistema via compra de títulos de empresas, auxílio específico a pequenas e médias empresas, financiamento de folhas de pagamento e diversas ações de estímulo fiscal que alcançam, às vezes, mais de 10% do PIB.
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