No palco, o resumo da personalidade e do desespero de Donald Trump na reta final da corrida à Casa Branca.
O presidente americano vestiu nesta segunda-feira (12) seu habitual figurino agressivo e negacionista e retomou na Flórida os comícios de sua campanha, dez dias depois de ter divulgado que estava contaminado pelo novo coronavírus.
Diante de uma plateia de milhares de apoiadores no aeroporto de Sanford, região central do estado, Trump focou seu discurso no repertório de sempre: disse que uma vitória de Joe Biden mergulhará os EUA no socialismo, repetiu que vai erradicar o coronavírus e distribuir a todos os americanos o que tomou durante o seu tratamento, e pediu ao menos três vezes que as pessoas "saiam de casa e votem" - o voto não é obrigatório no país.
"Ninguém disse que essa luta iria ser fácil, estamos mais fortes do que nunca, veja o que aconteceu com nossa economia", afirmou o presidente. "O que é que eles me deram, quero distribuir nos hospitais para todos [...] Vamos erradicar o vírus e salvar o país do socialismo."
A Flórida é crucial para a reeleição de Trump - desde 1924, nenhum republicano chegou à Casa Branca sem vencer no estado. A escolha da região para o retorno do presidente às ruas reflete o que pode ser sua última tentativa para reeditar a disputa e reverter a desvantagem para Biden, que chega a mais de dez pontos percentuais a três semanas da eleição.
Em um discurso de uma hora, o republicano voltou a insinuar que seu adversário não está bem de saúde e que, caso o democrata vença em novembro, vai "quadruplicar os impostos, acabar com os postos de trabalho, tirar dinheiro da polícia, destruir os subúrbios e acabar com a Segunda Emenda (direito constitucional de portar armas no país)."
Biden tem negado qualquer plano de retirar recursos da polícia e se diz favorável ao maior controle e checagem de antecedentes para compra de armamentos, e não ao fim da emenda.
"Ele [Biden] não está 100%, não está 80%, não está 60%, não podemos ter Biden [na Casa Branca]", disse Trump.
Apesar de estar há quatro anos no cargo, o presidente insistiu na ideia de que é um outsider, tese que ajudou a elegê-lo em 2016, conquistando pessoas que se diziam cansadas da política tradicional. "Se eu não soar como um político de Washington, é porque não sou um político. Eu fui eleito para lutar por vocês e luto mais forte do que qualquer um lutou. Eu amo isso e não vou nunca mudar."
No primeiro ato do que chamou de volta oficial aos comícios, nesta segunda, Trump desceu do Air Force One, o avião oficial da Presidência, pouco antes das 19h (20h de Brasília), e apareceu sem máscara, no que já se tornou a alegoria perfeita de como encara a pandemia.
Em seguida, subiu ao púlpito no meio do público e repetiu o roteiro já cumprido no sábado (10), quando discursou na sacada da Casa Branca, com declarações infundadas sobre o coronavírus e dobrando a aposta em temas que atravessam sua retórica eleitoral desde 2016.
O objetivo de Trump é se mostrar forte, saudável e capaz de governar o país.
Uma hora antes da chegada do presidente a Flórida, com uma multidão de apoiadores que já lotava o espaço reservado para o comício, o médico da Casa Branca, Sean Conley, divulgou um comunicado afirmando que testes de Trump para a Covid-19 vinham mostrando resultados negativos "por dias consecutivos" - informação que não havia sido divulgada até então, apesar da insistência dos jornalistas.
O presidente tenta produzir novos fatos políticos que desviem a atenção de parte da opinião pública e façam com que a eleição não seja um referendo sobre sua condução errática e ineficaz da pandemia que já matou mais de 214 mil no país.
A contaminação do próprio presidente, porém, colocou a estratégia em xeque, levando o vírus literalmente para dentro da Casa Branca e de volta ao centro do debate eleitoral.
Mas o discurso ainda faz efeito sobre os convertidos, como a empresária Tara We, que foi até o aeroporto de Sanford para ver o presidente.
"Não estou preocupada com a contaminação dele e se ele pode transmitir alguma coisa estando aqui. Eu acredito em Jesus e ele é meu protetor. Não podemos viver com medo para sempre", afirmou enquanto ajeitava a máscara sobre o rosto.
Ao lado da mãe e da filha, Tara carregava uma placa que dizia "esse é um protesto pacífico", alinhado ao discurso da lei e da ordem, um dos principais ativos de Trump diante dos protestos antirracismo que tomaram o país.
Já o aposentado Ken Brooks, 64, estava ciente do comunicado do médico da Casa Branca e acompanhava o comício sem máscara, assim como vários outros apoiadores.
"Já votei em muitos presidentes e Trump, de longe, é o melhor que já tivemos. E não é que eu não goste do Biden, mas ele está na política há 47 anos e não fez nada."
Uma semana após deixar o hospital, onde ficou internado por três dias, Trump repetiu que está imune ao vírus, mesmo sem comprovação científica. Disse se sentir "poderoso" e que daria um beijo nas pessoas da plateia.
Não se sabe ao certo por quanto tempo uma pessoa que foi infectada pelo coronavírus pode transmitir a doença, mas estudos já mostraram que o contágio pode ocorrer por até três semanas --o diagnóstico do presidente foi divulgado há somente dez dias.
No comício desta segunda, Trump voltou a defender sua gestão da pandemia, disse que "se a gente não tivesse feito um bom trabalho, 2,2 milhões de pessoas teriam morrido nos EUA" e culpou mais uma vez a China pelo vírus.
Em seguida, tentou demonstrar empatia com as vítimas e disse que perdeu amigos para a doença, mas logo foi interrompido pelos gritos de "amamos você" da plateia. "Eu amo vocês ainda mais", respondeu.
Além da agenda intensa de viagens - Trump tem eventos marcados em Pensilvânia, Iowa e Carolina do Norte esta semana - o presidente aposta na confirmação da juíza conservadora Amy Coney Barrett à Suprema Corte como outra cartada para energizar sua base, sensível à composição do tribunal.
"Ele será um ótima juíza", disse na Flórida.
Os movimentos apressados do presidente acontecem depois de Biden abrir vantagem em todas as pesquisas nacionais e em estados considerados chave, como Flórida e Pensilvânia.
Segundo o site Five Thirty Eight, que compila os principais levantamentos do país, o democrata tem 52,4% ante 41,8% de Trump, na maior média de diferença de toda a campanha.
Na Flórida, o democrata está 4,5 pontos percentuais na frente - em 2016, Trump ganhou de Hillary Clinton na região por apenas 1,2 ponto.
O estado reflete vários aspectos que têm complicado a situação de Trump rumo à reeleição: 1) foi muito atingido pela pandemia, com mais de 734 mil casos e 15 mil mortes, 2) tem quase 20% de eleitores latinos que, no geral, tendem a votar em democratas, mesmo com as dificuldades que Biden tem encontrado para atrair esse grupo, e 3) tem registrado números significativos de pessoas mais velhas que, antes apoiadoras, abandonaram a óbita do presidente, descontentes com sua retórica agressiva e inação diante da pandemia.
"Biden vai ser um desastre para os mais velhos da Flórida. Sabe que Biden é um fã dos Castro, não sabem?", disse o presidente. Latinos de origem cubana e venezuelana, mais conservadores, costumam apoiar o republicano.
Analistas afirmam que, caso Biden vença na Flórida com boa margem, a possível demora para o resultado final da eleição ser conhecido - por causa da apuração dos votos por correio - pode desaparecer.
Com 29 delegados no Colégio Eleitoral - sistema de voto indireto que escolhe o presidente dos EUA - a Flórida é um estado-pêndulo, que ora elege democratas, ora republicanos, e sempre confere importante fotografia do mapa eleitoral: há mais de duas décadas, quem vence na Flórida leva também a Casa Branca.
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