O novo primeiro-ministro russo, Mikhail Michustin, teve seu nome confirmado pelo Parlamento russo nesta quinta (16), um dia depois de sua surpreendente indicação pelo presidente Vladimir Putin.
Também fez sua estreia como alvo da nova geração de ativistas anticorrupção russos. O site investigativo Proekt revelou que o nome do premiê e de sua mulher eram proprietários de um terreno de 5.500 m², com uma casa de 900 m², no subúrbio de luxo de Rubliovka, em Moscou.
O registro vai de 2001 a 2005, quando Michustin já ocupava cargos na burocracia estatal. A partir do último ano, o dono da propriedade é a Federação Russa, um artifício comum para manter sigilo sobre posses de figurões do sistema. O imóvel não aparece em sua declaração de renda, o que caracterizaria evasão de impostos.
Em 2017, a Suprema Corte russa permitiu que o Serviço Federal de Registros fazer tal acobertamento. Coincidentemente, o serviço foi chefiado por Michustin de 2004 a 2006 -antes de virar premiê, ele esteve à frente do Serviço Federal de Impostos, a Receita russa, de 2010 em diante.
Michustin não se pronunciou sobre o caso, que foi repercutido pelo blogueiro Alexei Navalni, líder oposicionista responsável por boa parte do desgaste do antecessor de Michustin, Dmitri Medvedev. "Ele foi um 'servo do povo' por 20 anos, como é tão rico?", questionou no Twitter. A propriedade atribuída a ao novo primeiro-ministro é estimada em R$ 40 milhões.
As acusações contra Michustin já haviam surgido antes na imprensa local, sem efeito algum, mas os tempos mudaram. Em 2017, o trabalho de apuração de suposta corrupção feito por Navalni ajudou a marcar a imagem de Medvedev, que acabou o tempo no cargo reprovado por 64% da população, segundo o independente Centro Levada.
Michustin é considerado um tecnocrata padrão, com excelente habilidade no campo da tecnologia -é engenheiro por formação, estando no governo desde 1998. Na Receita, otimizou a arrecadação do imposto de valor agregado nacional russo em 64% de 2014 a 2018, sem que houvesse crescimento no consumo familiar, com a introdução de sistemas digitais de controle de notas fiscais.
Foi próximo do grupo de analistas que ajudou a reforma militar promovida pelo então ministro da Defesa Anatoli Serdiukov (2007-12), mas segundo a reportagem ouviu de membros da comunidade de inteligência militar russa, não manteve relações com o oficialato. Foi descrito como um um "superburocrata sem ligações políticas".
O novo primeiro-ministro diz apenas que "não havia dormido à noite", após ser colocado no centro do plano de Putin para manter-se no poder após o fim constitucional de seu mandato, em 2024 -a partir de que só poderia ser candidato novamente em 2030, quando completa 78 anos.
O presidente russo, no poder desde 1999, sugeriu um pacote com dez mudanças constitucionais. Entre elas, a adoção do limite a uma reeleição para presidente e a retirada de poderes do titular para escolher o premiê e os ministros, que com o Parlamento ganham peso político inexistente hoje.
Além disso, Putin sugere tornar o Conselho de Estado, um órgão consultivo criado por ele em 2000, em uma instância de governo com amplos poderes. Isso tudo levou à suposição de que o presidente quer ou manter-se no poder como um "superpremiê" ou reforçando tal conselho, que já lidera, virando uma espécie de "pai da nação".
A segunda opção hoje parece fazer mais sentido, embora ninguém esteja dentro da cabeça de Putin para saber exatamente o que ele pretende fazer. Ele assim emularia o ditador cazaque Nursultan Nazarbaiev, que deixou a Presidência em 2019 para assumir um órgão de mesmo nome. Ganhou um título do Parlamento: "O Líder da Nação".
Hoje, o Conselho de Estado russo reúne informalmente os governadores dos 85 entes federais russos -regiões, repúblicas e três cidades especiais: Moscou, São Petersburgo e Sebastopol. Putin foi vago, mas deu a entender que pretende dar poderes executivos ao conselho, inclusive no seu quintal preferido: a política externa e de defesa.
Como tal posição chocaria com os poderes presidenciais russos, que hoje são imperiais, o pacote só fica completo com o esvaziamento do titular do Kremlin, que dividiria poder com o premiê. Ambos, seguindo tal lógica, seriam subordinados políticos de Putin.
Para operar as mudanças políticas, as maiores desde o fim da União Soviética em 1991, Michustin é uma figura perfeita para Putin. Sem peso político de nomes especulados, como o do ministro da Defesa Serguei Choigu ou do prefeito moscovita, Serguei Sobianin, ele tende a ajudar a ratificar tudo o que o presidente quiser.
Nesta quinta, o presidente nomeou a comissão que montará a sugestão de mudança, que ele disse que seria feita por referendo. Seu porta-voz, contudo, disse que não há tal necessidade, bastando o voto de deputados e senadores. Parece que será apenas um cartório, composto por deputados leais ao Kremlin e figuras populares como a atleta olímpica Ielena Isinbaieva.
Não há prazos, mas segundo a imprensa russa a ideia é resolver o encaminhamento do plano de Putin até o meio do semestre.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta